Tutela de evidência e precedentes: celeridade e segurança jurídica
- Criado em 06/02/2019 Por Bruno Manfro
A tutela de evidência não prevê expressamente, mas dialoga com o sistema de precedentes. Caso este sistema seja íntegro, hierárquico e unificável podemos concluir pela promoção da celeridade e da segurança jurídica?
A tutela de evidência, instituto novo[1] – ao menos legalmente – no direito brasileiro, prescinde da análise do perigo de dano irreparável, baseando-se, tão somente, na probabilidade do direito. É o que está expresso no artigo 311 do CPC. São quatro hipóteses em que resta evidente a probabilidade do direito e, portanto, devem ser tuteladas com fundamento na evidência.
O processo civil do século XXI se fundamenta nos valores e normas constitucionais. Neste sentido, entende-se, como objetivo primordial do processo, que há uma padronização de comportamentos esperados dos cidadãos pelo Estado. Isto decorre exatamente do espírito programático da nossa Constituição, que desenha um modelo de sociedade e estabelece as diretrizes no sentido de se promover os objetivos.
Nessa linha, Lênio Luiz Streck[2] compreende que a Constituição é um pacto social do qual todos os cidadãos são partícipes. Por se apresentar como norma fundamental, é o espaço de ratificação do Estado Democrático de Direito. A sua influência, por isso, se dissemina em todo o ordenamento jurídico para efetivação da ordem política e social almejada pelo Estado.
Pode-se dizer que, na prática, o ideal comportamental dos cidadãos brasileiros, insculpido na principiologia constitucional, consubstancia-se, entre outros, na tutela de evidência, tendo em vista que sequer se cogita o perigo de dano. Isto é, em determinados casos identificados por semelhança, prescritos em lei e/ou em precedentes, nos quais o direito é patente, o Poder Judiciário deve tutelar em sede de cognição sumária este bem jurídico.
A tutela de evidência, embora não expressamente previsto, dialoga com um sistema de precedentes unificável, estável e que entregue segurança jurídica. Isto porque, a partir de uma interpretação sistemática da lei processual, se compreende que a aplicação dos precedentes se encaixa perfeitamente nos casos de evidência do direito a ser tutelado. Entendimento este que pode ser resumido nas palavras de Marinoni, Arenhart e Mitidiero[3] ao comentarem o artigo 311, II, do Código:
“O art. 311, II, CPC, revela um equívoco de orientação que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes. [...] O que o art. 311, II, autoriza, portanto, é a “tutela da evidência” no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas vinculantes.”
Desta feita, na compreensão de Rogéria Dotti[4], a tutela da evidência se aproxima do sistema de precedentes e, juntos, estes dois institutos dão eficiência ao princípio da razoável duração do processo. Neste passo, segundo a autora, opera-se o princípio da segurança jurídica, e, por conseguinte, da realização do direito de forma mais justa, tendo em vista a numerosidade e a complexidade dos casos que são levados a juízo.
Bruno Menezes Manfro, OAB/RS nº 102.145, é sócio de Manfro & Andreatta Advogados, escritório de advocacia com sede em Osório/RS e que conta com uma equipe jurídica especializada em direito empresarial presente em cidades estratégicas do Rio Grande do Sul.
[1] Neste ponto, diga-se que o parágrafo 6º do CPC/1973 preconizava: “§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. Claro que não se lê “evidência” ou “probabilidade” do direito e também que não se tem certeza quanto ao fato de que a referida tutela seja concedida mesmo quando não houver o perigo da demora no pedido que se mostrar incontroverso, contudo, nos parece que este era o dispositivo do antigo Código mais semelhante com a atual tutela de evidência prevista no artigo 311 da Lei 13.105/15. Deveras, guarda mais semelhança ainda com o julgamento antecipado de mérito, do artigo 356, I.
[2] STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 310 e ss.
[3] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 393.
[4] DOTTI, Rogéria. Precedentes judiciais e antecipação: a tutela da evidência no novo CPC. Revista de direito da Advocef, v. 11, n. 21, p. 59-75, nov. 2015.