SIGILO FISCAL E BANCÁRIO: compartilhamento de dados pessoais.
- Criado em 03/02/2020 Por Vicente Aron Machado da Rocha
O Supremo Tribunal Federal entende que tanto o sigilo fiscal como o sigilo bancário são meras expressões do direito à privacidade, dissociado do conceito de intimidade, que, de qualquer maneira, não se reveste de caráter absoluto quando a interpretação sistemática do dispositivo apontar violações a direitos constitucionalmente mais relevantes, sob o ponto de viste de uma hierarquia valorativa (p. ex: direito à vida e o interesse público premente).
O sigilo bancário é tratado pela Lei Complementar nº 105/2001 e, embora preveja a possibilidade de a autoridade tributária solicitar administrativamente às instituições financeiras dados relativos às movimentações financeiras de pessoas físicas ou jurídicas suspeitas de cometerem alguma infração penal, administrativa ou cível, a legalidade dessa medida sempre esteve na pauta de discussões dos tribunais, especialmente no que se refere à extensão do acesso desses dados ou à natureza formal do pedido da autoridade administrativa.
Em outras palavras, questionava-se se a autoridade tributária competente teria poder suficiente para ultrapassar o limite do direito à privacidade, em nome do interesse público, para fins de mera investigação de possibilidade de infração. Nesse sentido, alguns dos argumentos contrários à autorização de instauração de procedimentos administrativos para a quebra de sigilo bancário para fins fiscais davam conta de que o poder de polícia conferido pelo artigo 78 do Código Tribuário Nacional (Lei nº 5.172/1966) era, justamente, limitado pela impossibilidade de violação de direito à intimidade sem que houvesse a efetiva chancela do órgão jurisdicional competente e que, por conseguinte, o famigerado art. 1º, §3º, I-VII (que trata das exclusões e exceções ao dever de sigilo) seria plenamente inconstitucional.
Mutatis mutandis, tal entendimento permaneceu mitigado por força da ausência de consenso dos Tribunais a respeito, até o julgamento do RE nº 1055941, julgado por maioria, pela constitucionalidade do compartilhamento de dados de instituições financeiras e tributárias com órgãos de inteligência a nível federal sem a necessidade de autorização judicial para tanto (ainda que haja documentos sensíveis entre os arquivos compartilhados - vide art. 11, LGPD). Evidentemente que para a aplicação prática desse entendimento há que se fazer a adequação necessária do entendimento, que, basicamente, chancela a possibilidade de compartilhamento de dados já prevista desde 2001 pela LC nº 105.
Como consequência, a partir desse julgamento, a autoridade fazendária, sob o ponto de vista do questionamento constitucional da possibilidade de quebra do sigilo bancário para fins de investigação tributária, tem poderes bastantes para instruir procedimento administrativo cujo resultado seja a descoberta de ilícito jurídico, qualquer que seja a sua natureza, embora a limitação constitucional sempre permaneça e, mais do que isso, embora a edição de duas novas leis tenham mitigado esse panorama: a Lei nº 13.869/2019 (lei de abuso de autoridade) e a Lei nº 13.853/2019 (Lei Geral de Proteção de dados).
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