Princípio da insignificância para leigos : o que é e como funciona?
- Criado em 11/09/2018 Por João Ralph Gonçalves Castaldi
No entendimento bem popular, o princípio da insignificância é uma condescendência do juiz para com os que fazem a prática do 155, do CP (furto), um benefício concedido aos criminosos.
Muitos incrementam tal princípio ao rol de razões para desacreditarem da justiça brasileira, outros indagam a razão de existir um princípio que permite a absolvição de uma conduta que possui tipo penal, que não está nas hipóteses de exclusão de ilicitude ou culpabilidade, e principalmente, o motivo deste "benefício" poder ser concedido mesmo aos reincidentes.
Existem diversos desdobramentos na doutrina e mesmo na jusrisprudência sobre tal princípio, mas neste artigo retratarei informações dos endendimentos majoritários.
Para compreender o fundamento do princípio é necessário uma breve introdução à teoria tripartite do crime, a mais aceita e utilizada atualmente.
A teoria relata que um crime é constituído de um fato típico, antijurídico/ilícito e culpável, ou seja, FATO TÍPICO + ANTIJURÍDICO/ILÍCITO + CULPÁVEL = CRIME.
Qualquer incongruência nessa fórmula automaticamente desconstitui a caracterização de crime, isto é, na teoria tripartite, não existe crime com apenas dois destes fatores.
Apenas para elucidar, pois não é o foco do artigo, podemos dizer, a grosso modo, que:
Antijuridicidade/Ilicitude: é a contrariedade à ordem jurídica estabelecida na sociedade, que lesa os direitos públicos e/ou individuais ali estabelecidos.
Culpabilidade: é a reprovabilidade social.
Para a constituição dos fatores que necessários para a constitução do crime, são necessárias pequenas outras "fórmulas" semelhantes. Para o presente artigo, apenas uma parcela da fórmula do FATO TÍPICO é necessária.
Pode-se dizer, a grosso modo, que o FATO TÍPICO é uma conduta que se encaixa em um tipo penal feita para atingir determinada finalidade. Para existir o FATO TÍPICO é necessário, dentre outros requisitos, a tipicidade.
A tipicidade é o respaldo da conduta praticada no tipo penal, isto é, a conduta efetuada está elencada na legislação penalista, que se divide, a grosso modo, em:
Tipicidade formal: a forma da conduta se adequa ao descrito no tipo penal.
Tipicidade material: a lesividade da conduta é suficiente para se adequar ao tipo penal.
Dito isso, o princípio da insignificância, diferente do que a intuição induz a crer, não exclui a ilicitude da conduta praticada, mas a própria tipicidade material do crime.
Por tal razão, o atual entendimendo é de que não havendo sequer o primeiro requisito necessário, é impossível falar em crime, e a absolvição deve ser concedida pelo 397, inciso III, ou 386, III, todos do CPP, motivo pelo qual não é "benefício", podendo ser aplicado mesmo aos reincidentes e com péssimos antecedentes.
Inclusive, ao contrário do senso popular, o princípio não se limita ao crime de furto, nem mesmo aos crimes contra o patrimônio. Tal princípio pode ser aplicado nos mais diversos "atos ilícitos" (por exemplo em crimes ambientais) e até mesmo em outras searas do direito.
É claro que há restrições à aplicação do princípio, mesmo que a conduta praticada pareça insignificante, como, por exemplo, condutas que envolvam violência.
A fundamentação para o princípio pode ser resumida nas palavras do Min. Celso de Mello: "Direito Penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social." [MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 84.412-0 SÃO PAULO].
Exemplificando, a conduta de um indivíduo que furta R$50,00 de uma empresa com faturamento semanal de R$1x10¹³¹ ou uma mulher que furte alguns ovos de páscoa e 1kg de peito de frango de um SUPERMERCADO (supondo que furte 1 ovo para cada um dos três filhos) que lucre ao menos R$50.000,00 mensalmente, não tem lesividade significativa para o direito penal, isto é, não representa um prejuízo importante o suficiente para buscarmos a movimentação da máquina penal, por isso sequer preenche a tipicidade material requerida, ainda que haja reincidência.
Em suma, os requisitos para a aplicação do princípio são:
- Conduta Minimamente Ofensiva do Agente;
- Ausência de Risco Social da Ação;
- Reduzido Grau de Reprovabilidade do Comportamento;
- Inexpressividade da Lesão Jurídica
É O FIM DA PICADA! O PRÓPRIO JUDICIÁRIO INCENTIVANDO A PRÁTICA DE "PEQUENOS" CRIMES? O LADRÃOZINHO VAI SE SENTIR ENCORAJADO À ROUBAR DE POUQUINHO EM POUQUINHO! REINARÁ A IMPUNIDADE!MALDITA LEI QUE SÓ PROTEGE OS BANDIDOS!
A indignação é bem fundamentada, mas a Min. Cármen Lúcia, pontualmente, explica:
2. Reincidência do Recorrente assentada nas instâncias antecedentes. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida.
3. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal. [HC nº 112.811-SP, Relatora: Ministra Cármen Lúcia].
Existem divergências ao entendimento, (por exemplo, há quem entenda que se não há crime, logo, não poderia se falar em reincidência) mas não serão objeto deste artigo.
O princípio existe desde os tempos do império romano, mas é possível que a inspiração ao nosso sistema judiciário tenha vindo, principalmente, da 1ª parte do artigo 5º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que explicitava "A lei proíbe senão as ações nocivas à sociedade,[...]" frase que, intrinsecamente, há o entendimento de desprezar ações insignificantes para a sociedade, logo, para o Direito Penal.
Apenas "recentemente" teve impacto no entendimento jurídico de nossas cortes, e afirmo: veio para causar muito mais bem que mal (apesar de diversas interpretações dissonantes, especialmente nas cortes superiores). Deixarei a fundamentação dessa afirmação para outro artigo.
P.S.: Venho formalmente me retificar da notícia do furto de "alguns" ovos de páscoa. Admito que interpretei a notícia favoravelmente à ré, pois pensei se tratar de apenas três ovos de páscoa e um quilo de frango, porém, pesquisando em fonte mais confiável (supondo que esteja informando corretamente) descubro que o furto envolveu bem mais que ovos de páscoa, gerando prejuízo de quase R$1.200,00, que particularmente, entendo atingir a tipicidade material.