"Advogado só defende bandido!" Será?
- Criado em 11/09/2018 Por João Ralph Gonçalves Castaldi
Quem nunca ouviu piadas que exaltam a frieza e ganância do profissional em detrimento do ético e da moral? No Brasil (e talvez no mundo todo), existe muita difamação à classe dos advogados, em especial aos criminalistas.
A problemática é vista frequentemente em redes sociais, locais de grande circulação de pessoas, e, por vezes, até mesmo em sites (que deveriam ser) de utilidade pública, origina-se de inúmeros fatores, tais como a ignorância, o preconceito, informações falsas ou equivocadas, por conta de maus profissionais, mas penso ser principalmente pelo preconceito infundado.
O grande problema é que, com a facilidade do transporte de informações da atualidade, basta uma pequena fagulha num ponto qualquer do país (ou do globo) para se uma ideia equivocada espalhe-se como uma epidemia de ignorância epistêmica, infectando as mais variadas mentes.
É assustador saber que a frase "advogado (só) defende bandido" é amplamente divulgada com normalidade, inclusive, "bandido" é quase redundante, e pior, uma grande parcela da sociedade, nas diversas hierarquias, associam a pessoa do advogado ao acusado, e até mesmo ao suposto delito cometido! Como se o trabalho do advogado não fosse defender os direitos garantidos no estado democrático de direito, mas sim de "acobertar" o bandido, de prejudicar a sociedade, enfim, de querer o detrimento da sociedade em prol de seus honorários.
A grande ironia é que o problema persiste até mesmo na "elite pensante", jovens e idosos que bradam orgulhosamente sua experiência de uma "educação superior" também esbravejam generalizações e estereótipos preconceituosos (não só de advogados), porém tem a visão afunilada de que o advogado é empecilho à justiça, que muitos dos "educacionalmente menos afortunados" não possuem, e mais, nunca ouviram falar da figura do assistente de acusação.
Talvez a figura do assistente não tenha tanta divulgação por falta de conhecimento de tal possibilidade ou porque imaginam que o assistente "montará nas costas" do Ministério Público, sem participação efetiva, ledo engano.
Apesar de ser o promotor (autor e titular) da ação penal PÚBLICA Ministério Público (art. 257, I, CPP), nada impede que a vítima possa intervir, em qualquer fase do processo (exceto quando da sentença transitada em julgado) como assistente de acusação (arts. 268 e 269, CPP).
Mas porque alguém iria querer pagar um advogado para ajudar se o Ministério Público já está fazendo esse trabalho?
Diversos fatores, porém, penso que o mais essencial seja fiscalizar o fiscalizador e aplicador da lei. Imagine o seguinte caso fictício:
Após uma discussão, seu namorado/a, este tranca você no quarto, subitamente lhe prende com uma mão e com a outra tenta fazer você engolir uma camiseta embolada. Por sorte, pessoas ouvem seus gritos sufocados e arrombam a porta para intervirem em seu socorro, cessando a agressão. Em delegacia, todos depõem no sentido de que presenciaram o arroxeamento de sua face e somente não houve o resultado morte porque interviram diretamente.
Pouco tempo depois, marca-se uma audiência preliminar num renomado Juizado Especial de Violência Doméstica, nela, você diz enfaticamente que deseja prosseguir com a ação penal, e seu discurso está em plena comunhão com os das testemunhas, que fizeram questão de comparecer em juízo, indignados.
Acompanhando pela internet, aparece a decisão "acato o parecer do Ministério Público, marque-se audiência para composição cível e, caso infrutífera, seja oferecida transação penal.". Sem saber o significado destas palavras, você procura um amigo estudante de direito, para "dar uma olhadinha" no seu processo.
Após algumas folhas seu amigo explica que entenderam a situação como o artigo 21, da Lei de Contravencoes Penais (vias de fato [grosseiramente, pode-se chamar de "lesão corporal sem marcas"] ), combinado com o artigo 5º da Lei nº 11.340/06 (se submeter ao "rito Maria da Penha"), e que o namorado/a faz jus aos benefícios da Lei nº 9.099/95. Ao final da explicação lhe aconselha a procurar um criminalista, você responde que não tem condições de pagar advogado, que acredita que essa decisão com certeza é culpa de algum estagiário e logo logo resolverão essa confusão.
Sem representante, comparece à audiência marcada. O representante do M. P. Pergunta se há possibilidade de composição civil, você responde que preferia ser mordida/o por um cão raivoso, então o advogado de seu namorado/a solicita ao o juiz sua retirada, o pedido é prontamente atendido.
Poucos minutos após sua saída da sala de audiência, você observa seu namorado/a saindo com um largo sorriso, e o meirinho lhe aconselha a pegar a ata da audiência em secretaria. Na ata, você lê:
"Decido. A/O Ré/u aceitou expressamente as condições da transação penal, e trabalhará de três a cinco horas por dia até totalizar 30 (trinta) horas de serviço comunitário na instituição que escolher. Arquive-se com as cautelas praxe.".
Sem reação e frustrada/o com a justiça, você faz questão de divulgar em suas redes sociais que advogado só serve para libertar bandido e que a justiça brasileira é completamente inútil.
Mesmo para quem não conhece o dia a dia forense criminal, a história é bem exagerada, certo? Infelizmente não, grande parte dessa história é baseada em fatos bem reais e serve para demonstrar que em todos os ambientes de trabalho existem péssimos profissionais, inclusive no Ministério Público e judiciário.
Sei que é difícil de acreditar, mas promotores de justiça, juízes, desembargadores e até mesmo ministros erram grotescamente, há até mesmo aqueles que decidem ignorar legislação expressa.
Concluindo, a incompetência e a ignorância não são exigentes e nem seguem padrões, acredite, não existe nenhuma hierarquia em nenhuma área do conhecimento que esteja a salvo, sendo assim, não é só "bandido" quem precisa da defesa do judiciário pelo advogado, pois mesmo nos locais com a melhor reputação em termos de eficiência possuem as exceções que podem acabar dificultando muito a vida.
Portanto, ainda que todos pareçam saber o que estão fazendo, sempre que tiver dúvidas sobre seus direitos, procure um advogado, pois é melhor prevenir que remediar e o barato pode sair IMPETUOSAMENTE caro, frustrante, podendo até ser irreversível.