"Aquele bandido que o dr. advogado defende"
- Criado em 11/09/2018 Por João Ralph Gonçalves Castaldi
Não sou adepto à nenhuma fé, porém, aprecio e respeito muitos dos ensinamentos de cada uma (que conheço). Costumo instigar pessoas com posições ideológicas contrárias à minha, a fim de aprimorar meu conhecimento. Por vezes tenho de engolir o orgulho e aceitar que meu equívoco ideológico.
Em uma dessas instigações, debatia-se sobre a divindade da fé cristã, um paradoxo sobre a onipotência e a omissão da mesma.
No meio do debate, o sujeito relatou que "o tempo de graça veio para todos, inclusive para aquele bandido que vossa excelência, o dr. Advogado defende, para que ele se arrependa e encontre nosso Senhor".
Com exceção da profissão, nunca divulguei nada sobre meu trabalho para o distinto senhor, então como foi que chegou à tal conclusão? Por que o meu cliente seria um bandido? Mesmo criminalistas podem ajudar a acusação! Mas isto fica para outra vez.
Senti-me no dever de explicar um pouco sobre a profissão.
Nossa profissão resume-se, basicamente, no parágrafo 2º, do artigo segundo do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil:
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.
É claro que muitos advogados (senão todos) fazem muito mais que o conhecido contencioso judicial, afinal, são também psicólogos, conselheiros, detetives, etc., por vezes tendo de encarar também órgãos administrativos, que são sabidamente, em sua grande maioria, maravilhosamente eficazes.
Mas espere um instante, o que diabos é múnus público? Copio aqui uma descrição direta e objetiva:
A palavra múnus tem origem no latim e significa dever, obrigação, etc. O múnus público é uma obrigação imposta por lei, em atendimento ao poder público, que beneficia a coletividade e não pode ser recusado, exceto nos casos previstos em lei. (Fonte: http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/direito-facil/munus-público).
Tudo isso só por que o advogado redige uma pecinha em 1 ou 2 horas, sendo que eu quem forneci todos os documentos e enfrentar uma filinha para pegar um documentinho ou outro em órgãos públicos? Grande coisa!
Grande coisa mesmo. Mesmo que exista advogado que somente redija petições, há múnus público na forma como deve ser feito seu serviço. Tal dever se resume, basicamente, no artigo 2º e nos incisos I e II de seu parágrafo único, do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil:
Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
I - preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da advocacia;
II - atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé;
Particularmente, penso que atuar com destemor é o ponto crucial da profissão, e esclareço desde já que não significa atuar sem pensar nas consequências. É claro que existem muitos mais deveres, mas esses dois incisos já indicam o necessário.
Resumindo, defender "classudamente" o bandido!
O trabalho do advogado é defender os direitos das pessoas, independentemente de pessoa direita ou não.
Atuar com destemor significa defender a justiça no estado democrático de direito, sem temer as represálias (e acredite, são inúmeras), ou seja, é o ato de reclamar da falta de aplicação da lei vigente, é se contrapor aos atos ilegais, de confrontar todos os atos arbitrários, de fazer tudo isso lutando pelos direitos do indivíduo ainda que toda a sociedade em suas diversas hierarquias se esqueça deles, inclusive, cometendo delitos dos mais diversos ao condená-lo injustamente.
Este é o preço do estado democrático de direito: seguir, cumprir e aplicar a legislação vigente.
Concluindo, bandido ou não, se o indivíduo possui direitos, o dever do advogado é, repita-se, defender o estado democrático de direito, mesmo que de todo o resto da sociedade não o faça.
É aquela conhecida frase "Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo." creditada à Voltaire, mas que ninguém sabe ao certo o seu verdadeiro criador.