PARCELAMENTO DE TRIBUTOS: SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO E A SUA CONCRETIZAÇÃO.
- Criado em 13/08/2018 Por Vicente Aron Machado da Rocha
Na conceituação básica trazida no Código Tributário Nacional (artigo 151, VI, Lei nº 5172/1966), o parcelamento é modalidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ou seja, não extingue a obrigação de pagar o tributo, já que a obrigação de saldar o montante lançado persiste até que haja o completo adimplemento do valor apurado.
Por esta vereda, consoante disposição legal do artigo 155-A, o Poder Público somente concederá a benesse tratada nesse breve artigo na forma e na condição (finalidade) específica previamente estabelecida em lei. Logo, essa especificidade encampada na norma extraída do artigo 155-A engloba, também, a própria competência no poder de tributar, ou seja, determinado sujeito ativo da obrigação editará a respectiva lei atinente aos tributos que lhes atribuíveis de instituir, nos termos da Constituição Federal e de Leis Complementares. Consequentemente, por exemplo, a União não poderá dispor sobre parcelamento de ISSQN (tributo municipal), sob pena de inconstitucionalidade formal (vício de origem do ato normativo) e material (incompatibilidade com a regra de competência insculpida na Constituição Federal).
A propósito, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário não se confunde com a suspensão do crédito em si. Isso porque enquanto o parcelamento viger entre as partes o inadimplemento subsistirá até que haja a quitação integral do débito. Assim, o parcelamento do crédito tributário, salvo disposição em sentido contrário, não exclui a incidência de juros e multas (art. 155, § 1º, CTN). Logicamente que o erário poderá valer-se do instrumento de congelamento de juros e da correção monetária como política de incentivo à regularização fiscal, se assim julgar conveniente, desde que obedecida a legalidade tributária, sob pena de infração penal e administrativa do gestor da unidade competente.
Importante questão se coloca quanto ao pedido, pelo sujeito passivo (se possível), de parcelamento do tributo quando estes estão sujeitos ao lançamento[1] por homologação[2], o que se caracterizaria, portanto, como uma denúncia espontânea[3] e, como consequência, afastaria a responsabilidade de pagar os encargos moratórios pelo elidição da responsabilidade tributária (artigo 138, caput, CTN), ex vi Súmula 360 do Superior Tribunal de Justiça:
O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo.
Ocorre, todavia, que os juros de mora e as multas integram de fato e de direito o crédito tributário (artigo 139, CTN) e, no pedido de parcelamento, esses encargos estão expressamente incluídos pela norma geral (artigo 155, §1°, CTN), o que faz com que a tese da denúncia espontânea para afastar a incidência dos consectários legais quando haja solicitação de parcelamento anteriormente ao lançamento por homologação seja pacificamente afastada. Esse tema foi enfrentado no ano de 2009 em sede de recurso repetitivo quando do julgamento do Recurso Especial nº 1102577 / DF:
TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DE DÉBITO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. 1. O instituto da denúncia espontânea (art. 138 do CTN) não se aplica nos casos de parcelamento de débito tributário. 2. Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (REsp 1102577/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 18/05/2009).
Na prática, para a consolidação do parcelamento do crédito tributário é imposto ao sujeito passivo a firmatura de um termo de confissão de dívida de caráter irretratável e irrevogável, contendo todo o montante apurado, meio de pagamento, valor das parcelas, juros de mora, correção monetária e outras obrigações acessórias.
As cláusulas de irretratabilidade e irrevogabilidade insertas em instrumento específico, todavia, possuem presunção juris tantum e podem ser revisadas mediante provocação judiciária, se necessário, haja vista que o contribuinte somente está obrigado a parcelar um tributo e a pagá-lo senão mediante condições previamente previstas em lei. Tal entendimento decorre do princípio da legalidade (Lex quanvis irrationabilis, dummodo sit clara).[4]
Dessarte, caso o sujeito passivo identifique manifesto equívoco formal ou material no instrumento assinado, seja pelos termos equivocados, seja pela ilegalidade, plenamente possível a sua revisão ou até mesmo anulação ou, se já devidamente quitados, a repetição ou a restituição.
Igualmente meritório sobrelevar que serão passíveis de restituição todos os valores parcelados que já tinham, eventualmente, sido atingidos pela decadência e prescrição, modalidades de extinção do crédito tributário (artigo 156, V, CTN), os quais não podem ser novados pela confissão de dívida. Esse entendimento decorre da lógica de que a prescrição tributária difere da prescrição comum, porquanto aquela confunde-se com a própria extinção do próprio crédito tributário, e não tem relação apenas com o direito de exigência judicial do direito de fundo. A propósito da restituição de valores prescritos, julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
CIVIL E TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO PRESCRITO. IMPOSSIBILIDADE. CRÉDITO EXTINTO NA FORMA DO ART. 156, V, DO CTN. PRECEDENTES. 1. Consoante decidido por esta Turma, ao julgar o REsp 1.210.340/RS (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 10.11.2010), a prescrição civil pode ser renunciada, após sua consumação, visto que ela apenas extingue a pretensão para o exercício do direito de ação, nos termos dos arts. 189 e 191 do Código Civil de 2002, diferentemente do que ocorre na prescrição tributária, a qual, em razão do comando normativo do art. 156, V, do CTN, extingue o próprio crédito tributário, e não apenas a pretensão para a busca de tutela jurisdicional. Em que pese o fato de que a confissão espontânea de dívida seguida do pedido de parcelamento representar um ato inequívoco de reconhecimento do débito, interrompendo, assim, o curso da prescrição tributária, nos termos do art. 174, IV, do CTN, tal interrupção somente ocorrerá se o lapso prescricional estiver em curso por ocasião do reconhecimento da dívida, não havendo que se falar em renascimento da obrigação já extinta ex lege pelo comando do art. 156, V, do CTN. Precedentes citados. 2. Recurso especial não provido”. (REsp 1335609/SE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 22/08/2012). [grifou-se]
Nesse diapasão, considerando-se o instrumento de parcelamento como um termo físico que representa a obrigação de trato sucessivo de pagamento parcelado do crédito tributário, cumpre referir que o adimplemento de uma das quotas de parcelamento NÃO presume a quitação das anteriores, tal como previsto no artigo 322 do Código Civil [5]. Esse entendimento, aliás. decorre do fato de que as relações tributárias não são consideradas isonômicas, tal como no direito civil comum, mas uma relação de hierarquia, em que o Poder Público permanece em posição de fiscal do interesse público, o qual jamais poderá ter contra si presunção que lhe coloque em patamar de inferioridade, levando-se em consideração a própria indisponibilidade do direito em tela.
Retornando ao espectro dos efeitos da adesão ao parcelamento, além de suspender a exigibilidade do crédito tributário, ela interrompe de pleno direito o prazo prescricional quinquienal (art. 174, parágrafo único, IV do CTN), que volta a fluir a partir do inadimplemento de qualquer dos termos previstos no instrumento pactuado. Acerca do tema, é clara a súmula 248 do antigo Tribunal Federal de Recursos:
O prazo da prescrição interrompido pela confissão e parcelamento da dívida fiscal recomeça a fluir no dia que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado.
Passo adiante, acentua-se que toda a sistemática explanada até então é, como regra geral, inaplicável às empresas em recuperação judicial ou às cooperativas em liquidação.
Isso dado que no tocante aos créditos tributários desses devedores específicos, o artigo 155-A do CTN estabeleceu que legislação específica disporia sobre as condições de parcelamento dos seus créditos tributários e, na sua inexistência, aplicar-se-iam as leis gerais de parcelamento do ente da Federação responsável pela fiscalização e cobrança da obrigação. Por conseguinte, cada ente da Federação deveria editar norma peculiar para recuperação de créditos arrolados no concurso de uma sociedade em recuperação judicial ou em autoliquidação.[6] Na prática, todavia, há um vácuo legislativo, sendo que se acabam aplicando as regras gerais de parcelamento.
Finalmente, destaca-se que a questão de fundo no que tange ao parcelamento do débito, enquanto termo suspensivo da exigibilidade do crédito tributário (art. 156, VI, CTN), é que os seus efeitos somente serão verificados na prática pela vontade exclusiva da Fazenda Pública em reaver eventuais créditos tributários com o mínimo de ônus possível à sua estrutura financeira. Em outras palavras: a conveniência e o poder de parcelar são do ente federativo, independentemente da premente necessidade do sujeito passivo, não havendo qualquer medida judicial direta que possa obrigar o fisco a aceitar qualquer condição de parcelamento que não lhe seja economicamente vantajoso. Na prática, as dificuldades financeiras das empresas (que na maioria das vezes tem relação com os tributos e os direitos trabalhistas) não importam de sobremaneira na concessão do benefício pelo Poder Público, a não ser que o impacto de uma inadimplência substancial da empresa afete o interesse público de sobremaneira que a restrição de acesso ao benefício seja prejudicial à realidade econômica da sociedade civil.
VICENTE ARON MACHADO DA ROCHA é advogado especializando em Direito Processual Civil pela Faculdade Meridional - IMED - Passo Fundo/RS e em Direito Tributário pela Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC - Chapecó/SC.. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), atua com ênfase em Direito Empresarial, Tributário, Contratual, Administrativo e Penal. É sócio-proprietário do escritório MACHADO DA ROCHA ADVOCACIA CUSTOMIZADA na cidade de Chapecó/SC. Membro do Núcleo de Assessorias e de Consultorias da Associação Comercial de Chapecó (NAC/ACIC). OAB/RS 102.940 e OAB/SC 46.950-A.
[1] A definição legal de lançamento está no artigo 142 da Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional): é “(...) procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”. Essa conceituação, no entanto, traz algumas impropriedades, que serão abordadas em artigo específico. De maneira geral, o conceito externado no artigo 142 é elucidativo. Lembrando que o lançamento apenas constitui o crédito tributário (já existindo desde a verificação do fato gerador do tributo) e declara a correspondente obrigação, logo, o lançamento não cria a obrigação de pagar o tributo, apenas a torna individualizada nos termos da norma que o regulamenta.
[2] A Lei nº 5.172/1966 preceitua três modalidades de lançamento: de ofício, por declaração e por homologação. Qualquer que seja a modalidade, a modalidade de lançamento do tributo será especificada em legislação, sob pena de inexigibilidade do crédito.
[3] Denúncia espontânea é o pagamento do montante devido, decorrente do lançamento, anteriormente a instauração de procedimento administrativo específico para corroboração de responsabilidades (artigo 138, CTN).
[4] Artigo 97, CTN: Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
[5] Art. 322, Lei nº 10.406/2002 (Código Civil): Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.
[6] Tal facilitação trazida no CTN torna efetivo o princípio da preservação da empresa ao prever condições especiais para as sociedades em recuperação judicial ou autoliquidação desde que respeitado o concurso de credores.