OS ELEMENTOS ACIDENTAIS DOS CONTRATOS: PERTURBAÇÃO DA EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO.
- Criado em 16/10/2018 Por Vicente Aron Machado da Rocha
Quando se está diante de um contrato, seja ele típico (previamente previsto em lei, tal como compra e venda, mútuo, transporte, agência, etc) ou atípico (sem previsão expressa em legislação), está-se, impreterivelmente, diante de um negócio jurídico bilateral, eis que a própria etimologia do termo do instituto tem origem na palavra latina contractus, particípio de contrahere (contratar), que se forma com a junção dos vocábulos com- (junto) + trahĕre (trazer, puxar).
Logo, para que duas pessoas possam criar no plano fático um fato jurídico capaz de obriga-las mutuamente, por meio de suas vontades desembaraçadas, há que se observar a regra do tripé negocial formado pela existência, pela validade e pela eficácia do fato.
Em linhas gerais, a existência atrela-se ao ser do negócio, ou seja, à possibilidade de se contrair obrigações por meio de uma determinada forma[1]; em seguida, tem-se o plano da validade, a qual determina que esses requisitos formais de existência precisam ser dotados de características próprias que lhe tornam aptos a serem corroborados pelo ordenamento jurídico[2]; por fim, tem-se o plano da eficácia, último esteio de verificação da possibilidade jurídica de um negócio, o qual transmuda-se na capacidade do negócio existente e válido em produzir efeitos perante aqueles que contrataram.
Nesse contexto, como regra, ultrapassadas as instâncias anteriores da existência e da validade, um contrato produzirá efeitos imediatamente, salvo se houver algum elemento impeditivo ou modificativo da obrigação verificada. Por esse motivo, quando da negociação prévia das prestações e contraprestações de uma convenção, devem as partes permanecerem atentas às circunstâncias e aos fatos que se desejam impor a obrigar para que não haja quaisquer surpresas.
Essas surpresas, justamente, são chamadas pela doutrina de elementos acidentais do negócio, porque afastam a regra absoluta da imediata produção de efeitos para condicioná-lo, torná-lo oneroso ou para suspendê-lo. Nessa seara, o Código Civil (Lei nº 10.406/2002) em seu Capítulo três do título um do livro três nomeia esses elementos como sendo três: a) condição; b) termo; c) encargo.
A condição se caracteriza como um evento futuro e incerto que venha a postergar a eficácia do negócio, não produzindo qualquer efeito senão após o implemento dessa determinada condição. Obviamente que não é possível a contratação de negócio com condição impossível, considerando-a inexistente para fins de adimplemento da eficácia jurídica do negócio.
Por conseguinte, deve-se observar que há duas espécies de condição: a suspensiva e a resolutiva. Aquela caracteriza-se como a impossibilidade de aquisição do direito enquanto o fato descrito não se consumar; esta, por sua vez, será capaz de extinguir os efeitos de um negócio jurídico de pleno direito caso venha a ocorrer no futuro, à exceção dos negócios diferidos no tempo (de trato sucessivo), que não terá eficácia contra os atos já praticados. Quando se tratar de uma condição, o ordenamento jurídico traz em seu bojo uma série de normas cuja aplicabilidade nos negócios será imperativa, ainda que não haja qualquer disposição direta prevista no instrumento do contrato. Exemplificativamente, pode-se citar: compra e venda com cláusula de retrovenda (condição resolutiva), doação com cláusula de reversão (condição resolutiva), compra e venda a contento (condição suspensiva), direito de arrependimento do consumidor (condição resolutiva), compra e venda com reserva de domínio (condição suspensiva), alienação fiduciária (condição resolutiva), etc.
Outro elemento acidental do negócio é o termo. Ao contrário da condição, cujo implemento atrela-se a um futuro INCERTO, no termo o futuro é CERTO. Ou seja, o fato impreterivelmente acontecerá, é inevitável. Assim, o termo pode ser determinado (com data em calendário para ocorrer) ou indeterminado (o evento futuro acontecerá, porém sem data para que ocorra); demais disso, ele poderá ser inicial, relativo ao evento que suspende a eficácia do ato, ou final, que se transmuda em uma finalização dos efeitos pelo implemento do termo. Talvez uma das mais distintas características do termo em relação à condição é que naquele o fato tão-somente suspende a fruição do direito contratado cuja aquisição já está consolidada, enquanto nesse (condição) ocorre o sobrestamento da própria aquisição do direito (se for condição suspensiva) – artigo 131 do Código Civil.
Por fim, tem-se o encargo, que se consubstancia na limitação da liberdade contratual da(s) parte(s) com a imposição de um ônus que condiciona a plena efetivação da eficácia jurídica do negócio entabulado. Esse ônus poderá ter relação com as partes, com terceiros, com determinado direito real ou qualquer outro fato que por ventura seja determinante para a plena execução do negócio. Importante considerar que o agente deve ter domínio e controle sobre o encargo, ou seja, não pode depender de uma circunstância alheia à sua vontade, já que essa é uma característica da condição. Como regra não suspende o negócio, salvo se expressamente for determinado no instrumento sob a forma de uma condição. (artigo 136, Código Civil). Um exemplo clássico de encargo a doação feita a alguém sob o encargo de praticar um ato em favor de terceiro.
Veja-se, todavia, que as generalidades estão postas na lei para que sejam verificadas em todos os negócios jurídicos, estejam eles tipificados ou não. Desse modo, não importa se determinada condição ou determinado encargo não esteja legalmente prevista para determinado negócio: se a obrigação de fundo seguir a tipificação da existência e da validade, não sendo ela impossível, qualquer desses elementos inseridos em um instrumento serão plenamente válidos para surtirem os efeitos jurídicos que lhe são característicos. É sempre importante relembrar que a regra geral dos negócios jurídicos é a liberdade contratual, com a livre manifestação da vontade consentida por meio da declaração inequívoca, sendo plenamente possível estabelecer cláusulas que possam condicionar a eficácia do negócio ao implemento de determinados fatos. Tais instrumentos, mais do que chicana contratual, constituem-se como verdadeira proteção jurídica do direito dos contratantes e de terceiros, procurando minimizar eventuais consequências nefastas à perfeita execução das obrigações contratadas.
[1] O plano da existência determina que haja agentes, um objeto, uma forma e uma vontade exteriorizada (a declaração).
[2] Os requisitos de validade estão prescritos no artigo 104 do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002). Para que o negócio seja válido, necessita-se que o agente seja capaz, o objeto seja lícito, possível e minimamente determinável, uma forma prescrita ou não defesa em lei e ainda uma vontade livre, sem vícios de consentimento.