O problema da falta de incentivo à experiência prática no direito.
- Criado em 11/09/2018 Por João Ralph Gonçalves Castaldi
Hoje tomei conhecimento sobre a notícia de uma estagiária que realizou sustentação oral para a 2ª Turma Cível do Distrito Federal, fiquei contente e admirado, afinal, particularmente não vi muitos casos de escritórios investindo tão bem em seus estagiários (que comumente são usados apenas como carregadores e peticionadores). Admito que fiquei até com uma pitadinha de inveja.
Não aquele sentimento negativo da inveja, popularmente tido como "recalque", mas pelo fato de que, mesmo sido um aluno ~quase~ exemplar nos últimos anos de faculdade e estagiando durante todo o tempo, não tive nenhuma experiência remotamente próxima àquela.
Aliás, a experiência da prática que tive da faculdade foi redigir petições e umas poucas tarefas administrativas. Quanto aos escritórios, apenas participação em uma audiência e algumas "pinceladas" da advocacia como despachar com autoridades. E naquela época achava que isso já era bastante.
Apesar da boa experiência que obtive no decorrer da faculdade, foram insuficientes para me preparar como um bom advogado, mas o ensino precário causa problemas muito mais graves.
No último semestre, alguns colegas ainda não sabiam o significado "protocolar/protocolizar", custas judiciais, preparo do recurso, etc., pois não conseguiram vagas em escritórios ou órgãos públicos, outros que sabiam, tinham apenas o conceito abstrato, sem conhecer a realidade fática (o procedimento), pois nada fora explicado na faculdade.
Os poucos professores que ousavam enfrentar o sistema proposto pela faculdade, quando tinham público, o tempo e condições dificultavam a explanação sobre temas práticos.
Talvez tenham sido falhas nossas, deveríamos ter corrido mais atrás de experiência, da prática, cobrado mais de nossos docentes, pedido aos mesmos para acompanhá-los nas audiências, reclamado com a diretoria sobre a dinâmica do curso, enfim, deveríamos ter tido mais consciência, mas... águas passadas não movem moinhos.
Apenas quando peguei "a vermelhinha" compreendi o prejuízo que a falta de qualidade no ensino superior me causou. Mesmo com bastante tempo de estágio, bons e companheiros em todos eles, e atuando com excelentes colegas, a insegurança ainda predominava.
Em minha história, tive bons estágios e um escritório para me acolher no início da carreira, sempre com suporte familiar recíproco, mas... e quem não teve ou tem tais oportunidades?
Como fica quem não possui transporte próprio, diferencial que continua a ser tão importante na contratação do estagiário?
Se inscreve para estagiar na defensoria ou em órgãos públicos!
A imensa maioria das atividades dos estagiários em órgãos públicos, salvo rarissíssimas exceções, são meramente administrativas ou de baixa complexidade jurídica, podendo ser, inclusive, extendidas ao advogado voluntário/colaborador.
Mas, independentemente disso, como ficam aqueles que não conseguiram vaga nesses órgãos?
Assistam audiências! Se joga e se vira!
Apesar da relevante experiência, o que o estudante consegue retirar dali? O que aprenderá com um juiz arbitrário que esteja cerceando diversos direitos (comum nas repúblicas dos juizados)? Como saber se aquele comportamento do causídico faz parte de sua estratégia, desleixo, atitude correta ou temerária? Apenas assistindo audiências, como o estudante saberá a importância da ata de audiência?
Isso supondo que o estudante tenha acesso à uma faculdade decente, com vários livros de legislação, jurisprudência e doutrinas atualizadas à sua disposição, locomoção para o fórum e o mais importante: tempo.
Afinal, quantos estudantes trabalham e estudam ao mesmo tempo? E quanto aos que já possuem dependentes? Se estudarem pela manhã e trabalharem pela tarde, como farão para assistir uma audiência cível?
Sobre o advogado recém-formado, com tantas doutrinas, jurisprudências, legislações ambíguas, que estão em vigor mas sem aplicabilidade, conflito de normas, pacíficos desrespeitos à Constituição Federal, em conjunto com a colossal insegurança jurídica do país, como vai, seguramente, "se virar"?
Se virando, oras!
Supondo que o advogado saiba como captar clientes, redigir contrato de honorários, conquiste um cliente que pague o preço proposto (coisa bem complicada no início de carreira) e em dia (mais complicada ainda), consiga se sustentar durante todo esse tempo (pagando a anuidade, comida, roupas, energia, gasolina ou passagens, isso sem contar possíveis filhos), entre tantas outras coisas que não ensinam na imensa maioria das faculdades...
E sabendo que a carreira do advogado é quase completamene baseada em sua fama, combinação de sua competência e talento (este envolve uma diversos fatores tais como inteligência, persistência, resiliência, etc.), seja na consultoria ou contencioso, seria mesmoprudente arriscar-se com insegurança? O advogado recém-formado pode sustentar o impacto de um resultado negativo logo na sua primeira audiência, provavelmente com seu primeiro cliente?
Talvez, existem muitos "dependes" para serem analisados.
Enfim, poderia dar milhões de situações nas quais apenas alguns estudantes se encaixariam, ainda que todos detivessem as mesmíssimas capacidades e comprometimento. Aliás, existem casos reais de que os mais éticos e talentosos foram trocados por antiéticos e descomprometidos.
E quem paga a conta somos todos nós, que teremos que lidar com um potencial cliente traumatizado e provavelmente limpar uma "lambança" alheia, isso quando ainda é possível.
Apesar do foco na advocacia, os problemas da falta de prática afetam diversos setores públicos, estando presentes nas mais diversas hierarquias. Mas não me aprofundarei nesse mérito.
Precisamos que, no mínimo, as faculdades ensinem muito além da parte teórica do direito, sendo indispensável o ensinamento sobre toda a prática, não somente para diminuir a insegurança dos estudantes e novos advogados, mas para que sejam evitadas todas as formas de prejuízos advindos do ensino precário, pois, como diz o criminalista Roberto Parentoni "na prática, a teoria é outra".
Concluindo, precisamos que não apenas prepondere um ensino superior mais sério e consciente, mas que tal ensino seja o "piso", ou que ao menos sejam oferecidas oficinas voltadas às práticas de todas as áreas jurídicas, para que desde o mais precário curso de direito prepare o estudante não para ser apenas mais um bacharel, mas para, com segurança, melhorar o mundo, independente da profissão que escolher.