MULTIPROPRIEDADE: um condomínio regido pelo tempo de disposição do imóvel.
- Criado em 24/04/2019 Por Vicente Aron Machado da Rocha
A multipropriedade é um regime de condomínio legalmente reconhecida por meio da Lei nº 13.777/2018 segundo o qual, diante de um bem IMÓVEL haverá a possibilidade de instituir-se mais de um proprietário titular, com exclusividade, da totalidade do imóvel, que será exercido de maneira alternada no tempo conforme as necessidades de cada um. Não há previsão de multipropriedade para outros bens, como móveis e semoventes.
Desse modo, a multipropriedade pode ser definida como um fracionamento temporal do bem em unidades autônomas periódicas. Logo, como o fracionamento é temporal, porém a propriedade permanece uma, para fins de registros imobiliários, há a necessidade de abertura de matrícula para cada unidade periódica. Isso significa que cada unidade imobiliária é um imóvel autônomo, como sucede com as unidades no condomínio edilício.
Assim, antes de tudo, importante lembrar: não se trata de fração ideal da propriedade inteira, mas sim direito de propriedade uno e exclusivo sobre o mesmo imóvel durante determinado tempo.
Logo, cada multiproprietário terá o direito de usar, gozar e dispor do bem como achar conveniente, pois é um direito real de propriedade exclusivo, autônomo e periódico. Por exemplo: suponha-se que há quatro condôminos multiproprietários de um imóvel no litoral e que cada um deles exerça a multipropriedade sobre três meses do ano. Se, por ventura, um deles quiser hipotecar, alienar ou gravar de qualquer forma a sua unidade, poderá fazê-lo, porque esse gravame recairá somente sobre a sua propriedade temporal específica. Poderá, ainda, locar o seu tempo a terceiro sem qualquer necessidade de anuência dos demais proprietários.
Também chamada de time sharing, a multipropriedade eleva o direito de propriedade ao dinamismo que é próprio da sociedade do século XXI, em que se rechaça a primordialidade de instituição proprietários exclusivos ou condomínios tradicionais, possibilitando que as pessoas em comunhão utilizem de um mesmo bem e, com isso, dividam despesas imobiliárias sem que isso lhes possa ser uma inutilidade (pelo uso intermitente ou esporádico do bem) ou transtorno (pelos altos encargos decorrentes da manutenção do imóvel).
Prazo temporal estabelecido
Para a instituição da multipropriedade deve haver cláusula temporal expressa no instrumento de aquisição da propriedade, isto é, deve estar claramente nominado no contrato não apenas os proprietários que exercerão, alternadamente, direito sobre a coisa toda, mas principalmente por quais períodos de tempo o farão, cujo prazo mínimo de 7 (sete) dias.
Objeto da multipropriedade
Por tratar-se de uma modalidade de condomínio, a multipropriedade, independentemente do seu objeto, exige uma convenção específica com as regras básicas de utilização, de obrigações e de convivência entre os multiproprietários. Tais exigências, dentre outras, são: o número máximo de pessoas que podem ocupar simultaneamente o imóvel no período correspondente a cada fração de tempo; a criação de fundo de reserva para reposição e manutenção dos equipamentos, instalações e mobiliário; regras de assembleias, etc.
Ultrapassado o ponto, ressaltar-se que poderá ser instituída a multipropriedade, sempre por meio de instrumento público se fração superior a 20 (vinte) salários mínimos, sobre qualquer imóvel, urbano ou rural. Nesse sentido, se o imóvel for um terreno – baldio ou edificado -, bastará ser feita a instituição do condomínio multiproprietário pelo titular do bem.
Por outro lado, se o imóvel for uma unidade em condomínio edilício, não bastará o acordo de vontades entre os multiproprietários para a instituição do time sharing, porquanto o registro da multipropriedade acarretará na necessária alteração na composição do direito real da unidade condominial. Ora, como já comentado, para cada multiproprietário haverá uma matrícula correspondente sobre a totalidade do mesmo bem, exercido por determinado período de tempo; como consequência do princípio da unicidade matricial (vide Lei de Registros Públicos – 6.015/1973).
De qualquer modo, para a instituição de multipropriedade, há necessidade de previsão expressa no ato de instituição do próprio condomínio edilício, a qual, apenas nesse ponto, poderá ser alterada mediante deliberação maioria absoluta dos condôminos por força do art. 1.358-O do Código Civil.
Responsabilidade patrimonial de cada multiproprietário
Partindo-se do pressuposto de que cada multiproprietário é proprietário da coisa toda, contendo também somente lhe podem ser exigíveis obrigações compatíveis com o tempo no qual exerce a multipropriedade, não sendo solidária, subsidiária ou corresponsável pelo pagamento de quaisquer despesas reais que excedam a sua propriedade específica.
Exemplificativamente, o IPTU e o ITR, impostos que incidem sobre imóveis rurais e urbanos, respectivamente, terão de ser individualizados e cobrados de cada um dos multiproprietários. Nessa senda, mesmo tratamento deverá ocorrer com as tarifas de água, luz, gás e outras despesas administrativas decorrentes de cada uma das “propriedades temporais”.
Relativamente ao inadimplemento das taxas condominiais (seja em condomínios edilícios ou em lotes), quando permitida a multipropriedade no condomínio edilício, o artigo 1.358-S do Código Civil determina a sua verificação importará na adjudicação do direito em favor do condomínio relativamente à fração de tempo correspondente do devedor. Em outras palavras: haverá uma proibição legal da fruição do bem pelo inadimplente até a quitação integral da dívida. Cumpre esclarecer, entretanto, que essa questão deverá ser regulamentada em convenções condominiais quando da instituição da multipropriedade.
Conclusão
A multipropriedade tem por finalidade principal o rateio de ônus sobre imóveis que possam ser subutilizados ou considerados caros para fins de manutenção da propriedade com todos os contratantes, efetivando, em última instância, a própria função social da propriedade.
Isso quer dizer que o representante comercial que, esporadicamente, precisa de residência em determinado local poderá adquirir um imóvel em multipropriedade com quem deseja passar o verão nesse mesmo local; por outro lado, uma senhora idosa gosta da localização do imóvel no inverno, porque quer fugir da correria da cidade grande, então, tornar-se-á a terceira proprietária. Esses três indivíduos, multiproprietários, possuem o imóvel todo, porém com períodos previamente determinados nos quais serão os únicos e exclusivos senhores do bem.
Uma nova tendência, do mesmo modo, é a utilização de espaços de coworking, nos quais diversas pessoas poderão se reunir, comprar um imóvel, e estabelecer tempos específicos para a utilização do espaço em convivência sem que os ônus imobiliários recaiam sobre uma única empresa.
O compartilhamento de produtos e de serviços já é uma realidade mundial, tais como os serviços de streaming, serviços de carona, de alimentação, de saúde e de empréstimo de imóvel para habitação temporária. A multipropriedade vem, nesse sentido, auxiliar a sociedade numa melhor organização do dinamismo e da eficiência que todos os cidadãos procuram quando precisam prover alguma necessidade, conferindo legalidade a uma situação de fato em que as pessoas desejam compartilhar um imóvel e que, ao mesmo tempo, sentem a necessidade de serem donas do seu próprio espaço.
Leia também: http://www.machadodarocha.adv.br/multipropriedade-um-condominio-regido-pelo-tempo-de-disposicao-do-imovel/