Lei nova dispensa reconhecimento de firma! Viva! Mas... já não deveria ser assim desde 2017?
- Criado em 11/10/2018 Por João Ralph Gonçalves Castaldi
Entre as animosidades das eleições surgiu uma nova lei, de nº 13.726, de 2018, que é ovacionada por todos principalmente por conta da "dispensa do reconhecimento de firma" em órgãos públicos, secundariamente por outras praticidades e desburocratizações.
Mas, ao ler o inteiro teor da lei, percebe-se apenas algumas modificações na redação da Lei nº 13.460, de 2017. Praticamente um "pode copiar meu trabalho, só não deixa igualzinho", senão, analisemos os artigos mais aplaudidos da nova lei:
Art. 3º Na relação dos órgãos e entidades dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com o cidadão, é dispensada a exigência de:
I - reconhecimento de firma, devendo o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar sua autenticidade no próprio documento;
II - autenticação de cópia de documento, cabendo ao agente administrativo, mediante a comparação entre o original e a cópia, atestar a autenticidade;
III - juntada de documento pessoal do usuário, que poderá ser substituído por cópia autenticada pelo próprio agente administrativo;
IV - apresentação de certidão de nascimento, que poderá ser substituída por cédula de identidade, título de eleitor, identidade expedida por conselho regional de fiscalização profissional, carteira de trabalho, certificado de prestação ou de isenção do serviço militar, passaporte ou identidade funcional expedida por órgão público;
V - apresentação de título de eleitor, exceto para votar ou para registrar candidatura;
VI - apresentação de autorização com firma reconhecida para viagem de menor se os pais estiverem presentes no embarque.
§ 1º É vedada a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação de outro documento válido.
§ 2º Quando, por motivo não imputável ao solicitante, não for possível obter diretamente do órgão ou entidade responsável documento comprobatório de regularidade, os fatos poderão ser comprovados mediante declaração escrita e assinada pelo cidadão, que, em caso de declaração falsa, ficará sujeito às sanções administrativas, civis e penais aplicáveis.
Art. 6º Ressalvados os casos que impliquem imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições ao exercício de direitos e atividades, a comunicação entre o Poder Público e o cidadão poderá ser feita por qualquer meio, inclusive comunicação verbal, direta ou telefônica, e correio eletrônico, devendo a circunstância ser registrada quando necessário.
Art. 7º É instituído o Selo de Desburocratização e Simplificação, destinado a reconhecer e a estimular projetos, programas e práticas que simplifiquem o funcionamento da administração pública e melhorem o atendimento aos usuários dos serviços públicos.
Parágrafo único. O Selo será concedido na forma de regulamento por comissão formada por representantes da Administração Pública e da sociedade civil, observados os seguintes critérios:
[...]II - a eliminação de formalidades desnecessárias ou desproporcionais para as finalidades almejadas;
III - os ganhos sociais oriundos da medida de desburocratização;
IV - a redução do tempo de espera no atendimento dos serviços públicos;
V - a adoção de soluções tecnológicas ou organizacionais que possam ser replicadas em outras esferas da administração pública.
Obs.: Grifos meus.
Hip, Hip, Hurrah! Certo? Bem... comparemos os artigos, especialmente os grifados, com os da Lei nº 13.460, de 2017:
Art. 1o Esta Lei estabelece normas básicas para participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente pela administração pública.
§ 1o O disposto nesta Lei aplica-se à administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do inciso I do § 3o do art. 37 da Constituição Federal.
Art. 4o Os serviços públicos e o atendimento do usuário serão realizados de forma adequada, observados os princípios da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade, generalidade, transparência e cortesia.
Art. 5o O usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes:
[...]IV - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação;
[...]VII - definição, publicidade e observância de horários e normas compatíveis com o bom atendimento ao usuário;
X - autenticação de documentos pelo próprio agente público, à vista dos originais apresentados pelo usuário, vedada a exigência de reconhecimento de firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade;
XI - eliminação de formalidades e de exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido;
XIII - aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento ao usuário e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações;
XIV - utilização de linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e
XV - vedação da exigência de nova prova sobre fato já comprovado em documentação válida apresentada.
Art. 6o São direitos básicos do usuário:
[...]II - obtenção e utilização dos serviços com liberdade de escolha entre os meios oferecidos e sem discriminação;
[...]V - atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e documentos comprobatórios de regularidade; e
Senhoras e senhores, sinto-me obrigado em fazer as seguintes "menções honrosas":
- Os incisos I, II e III, do art. 3º, da lei nova, estão completamente abrangidos pelo inciso X, do art. 5º, da lei antiga;
- O parágrafo §1º, do art. 3º, e os incisos II e V, do art. 7º, ambos da lei nova, são modificações preguiçosíssima do inciso XV, IV, XI e XIII, respectivamente, do art. 5º, da lei antiga.
Daí fica a indagação: se já não obedeciam à lei antiga, será que uma lei com as mesmíssimas disposições legais fará alguma diferença?
Particularmente, entendo que pouquíssimas partes da nova lei deveriam ter sido aprovadas, e essas partes seriam melhores como um adendo à lei antiga, especialmente pelo fato da lei anterior ser mais completa, principalmente por definir claramente os conceitos das suas disposições legais.
Aliás, penso que bastaria um único artigo que misturasse o art. 11, da lei antiga, com o §2º, do art. 3º, da lei nova, para adicionar um artigo 26 em Disposições Finais, na lei antiga, com a seguinte redação: art. 26 Esta lei será devidamente cumprida, sob pena de responsabilidade do agente público, que ficará sujeito às sanções administrativas, civis e penais aplicáveis.
Com toda certeza observaríamos uma significativa melhora em todos os setores burocráticos, além de que a lei atingiria plena e eficazmente sua finalidade.
Em meio a tantos contras, há um lado positivo sobre a nova lei, pois, o seu §2º, do art. 3º, deu uma (minimamente) melhor aplicabilidade à Lei nº 7.115, de 1983, bem como instituiu o "Selo de Desburocratização e Simplificação", com uma premiação para quem cumprir (melhor) com a legislação vigente.
Talvez com um incentivo, a administração pública cumpra com seu dever, certo? Quem sabe um dia os legisladores estudem ao menos um pouquinho mais antes de desperdiçarem o tempo e dinheiro públicos na criação de novas leis? Sonhar (por enquanto) não custa, certo?
Sofia Parrini
Advogado