Caso Kiss: A constituição imaginária do STF
- Criado em 18/01/2022 Por Wellington Lima
É certo que acompanhar os diversos entendimentos da Suprema Corte Brasileira é tarefa árdua, difícil e exige muito do psicológico de quem se atreve a tentar entender como os protetores da constituição cumprem seu papel de forma brilhante.
O ministro Luiz Fux, agraciou a comunidade jurídica com o mais novo (não tão novo) entendimento, que de certa forma é inédito, sobre a possibilidade de sustar efeito de Eventual (e aqui leia-se “imaginário”, “inexistente”, “sequer impetrado” e “possivelmente, nem redigido pelo advogado”) concessão de habeas corpus.
Para refletirmos sobre tal “inovação”, precisamos afastar o anseio popular por vingança do comentado caso Kiss, deixemos as questões do Tribunal do Júri para o próprio tribunal do povo.
Torna-se necessário analisar tecnicamente a decisão (com o perdão da possível má utilização dos termos “tecnicamente” e “decisão”) do presidente do STF, para assim, esclarecermos para toda comunidade jurídica o que entende o guardião da Constituição pátria.
Sustar os efeitos de um Habeas Corpus em si não é um ato aterrorizante, ao analisarmos o fato sem adentrarmos no mérito do caso específico, sob o ponto de vista dogmático, trata-se apenas de certa modulação de efeitos de determinada decisão, algo que já é recorrente na suprema corte brasileira.
O grande problema então, passa a ser a eventualidade da coisa, a forca imaginária, o recado de “você está se afogando, mas se tentar se salvar, vamos lhe empurrar para baixo”.
Não há nada mais tosco do que suprimir efeitos de um remédio constitucional em sua forma putativa, imaginária, cercear a defesa sem que a mesma possa ter seu pleito decidido nos remete ao sistema absolutista em sua essência.
Nos cabe refletir, qual o dispositivo Constitucional que permite a suspensão de efeitos de eventual concessão de Habeas Corpus? Qual dispositivo infraconstitucional fundamenta tal decisão? A resposta é simples, NENHUM.
EIS AQUI A MAIS NOVA MARAVILHA JURÍDICA DO ATIVISMO JUDICIAL.
Aos amantes das decisões sem fundamento legal de juízes, trajadas de suposta adequação social, meus sinceros parabéns, eis uma decisão sem qualquer fundamentação, pautada no pensamento de justiça social de um juiz.
Passadas as felicitações, continuemos.
Ainda há de ser dito que o Presidente do Supremo Tribunal Federal cria jurisprudência contra o próprio entendimento do Supremo Tribunal Federal, o qual decidiu em 2019, sem nenhum viés político, pela impossibilidade de execução da pena de forma provisória, em face da garantia Constitucional da não culpabilidade.
Assim, negar o direito de apelar em liberdade, de condenação em primeiro grau, nos remete ao pensamento de qual jurisprudência seguir, a do colegiado do STF ou a de seu presidente, nosso guardião maior da Constituição Federal.
De algum modo, é inevitável pensar que talvez, há uma pequena possibilidade de aplicação do princípio da presunção da inocência, impedindo o cumprimento de pena imediato, apenas para aqueles indivíduos de notável valor pessoal para os doutos ministros do Supremo Tribunal Federal, talvez exista e possibilidade ínfima de se prender após a condenação em primeira instância em todo o Brasil, salvo ex-presidentes.
De toda sorte, a “inovação” em cercear efeitos de Habeas Corpus, aliada ao posicionamento contrário da jurisprudência do próprio STF, sem qualquer fundamentação legal na Constituição para tal, demonstra mais uma vez o quão instável e frágil é o sistema jurídico brasileiro.
Por sorte, ainda podemos subtrair o sentimento de Beccaria, quando o mesmo escreveu sua obra Dos delitos e das penas, reafirmando que tudo poderíamos recear, se esses pequenos tiranos se lembrassem um dia de ler nossas obras e entendê-las; mas, os tiranos não leem, e por isso, ainda escrevo, em liberdade.
Esperamos ansiosamente, a próxima inovação dos guardiões da Constituição.
Para acompanhar o caso, acesse: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6320154