Nulidades no Tribunal do Júri
- Criado em 14/01/2022 Por Wellington Lima
1. Introdução
Atuar no plenário do tribunal do júri pode ser considerado o ápice da carreira do advogado criminalista, no entanto, trabalhar especialmente neste ramo do direito requer densa preparação, não apenas teórica, mas também prática, sendo no iniciar da audiência que todo conhecimento se faz valer.
Dada a abertura da audiência, constatada nulidade, o defensor já deve estar preparado para se manifestar quanto ao feito, o que demonstra a necessidade do criminalista conhecer este instituto tão útil para à defesa.
Segundo Santos (2019) “nulidade é uma sanção imposta pelo Estado-Juiz ao ato que não cumpriu as formalidades estabelecidas pela lei. Em sentido amplo, pode-se dizer que há um vício no ato praticado.”
Logo, não basta conhecer as nulidades ora estudadas na universidade, apenas de modo formal, é preciso saber utiliza-las em momento oportuno e com o fim adequado, buscando sempre o resultado específico, seja o saneamento da nulidade, seja a dissolução do conselho de sentença e a realização de nova audiência em plenário.
2. Nulidade absoluta e nulidade relativa
As nulidades absolutas dizem respeito a vícios gravíssimos, que afetam o processo como um todo uma vez que não respeitados princípios constitucionais. (ROMANO, 2012, p. 3)
Assim, observa-se que[...]são violadas garantias decorrentes, direta ou indiretamente, da Constituição Federal. Não depende de comprovação das partes, o juiz deve inclusive declará-la de ofício. Não há preclusão (insanável, portanto). O prejuízo é presumido. (SANTOS, 2019)
A legislação processual penal aborda com clareza as nulidades absolutas, sendo que estas devem causar prejuízos insanáveis, gravíssimos, portanto, gerando prejuízos efetivos para à acusação ou para defesa. Nesse sentido, Junior e Ocampos (2020) dissertam que:
De acordo com o art. 563 do CPP, "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa", somente havendo falar em declaração de nulidade, seja ela relativa, seja ela absoluta, se do ato praticado advier prejuízo.Nesse contexto, pelo princípio ora estudado, ainda que a nulidade seja do tipo absoluta, somente haverá o seu reconhecimento se resultar do ato praticado efetivo prejuízo, o que tem sido recorrentemente cobrado em provas de concurso.(JUNIOR e OCAMPOS, 2020, p. 529)
Sobre as nulidades relativas, as quais acontecem com maior frequência nos tribunais, Santos (2019) afirma que o defeito não chega a gerar prejuízo às partes de forma evidente, havendo violação de norma infraconstitucional. Sendo assim, o interesse de agir é essencialmente privativo da parte a quem interesse o reconhecimento da nulidade. Lembrando sempre que o defeito é sanável, sendo imperioso a demonstração efetiva de prejuízo para a parte interessada.
É importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que para o reconhecimento de nulidade relativa em sede recursal, é imprescindível a demonstração de prejuízo efetivo, sem tal feito, a mera arguição de nulidade não é capaz de tornar o ato recorrido como nulo, mesmo que relativamente.
3. Momento para arguir nulidade
Tão importante quanto entender quais fatos podem caracterizar alguma nulidade é saber qual o momento certo de trazer à apreciação do juízo. Neste ponto é necessário que o defensor avalie qual a melhor estratégia seguir, já que as nulidades possuem momentos distintos para serem pleiteadas a depender de sua natureza.
No que tange às nulidades absolutas, em regra, podem ser arguidas a qualquer tempo. (SANTOS, 2019) Tendo uma parte alegado a ocorrência de uma nulidade absoluta, ficará ela exonerada de provar a existência do prejuízo, já que este é presumido. (JUNIOR e OCAMPOS, 2020, p. 532)
Assim, se o advogado reconhecer a existência de alguma nulidade de caráter absoluto nos autos, esta poderá ser alegada em qualquer tempo, inclusive após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória ou absolutória imprópria, como destacado por Junior e Ocampos (2020).
Já as nulidades relativas devem ser arguidas em momento próprio (estabelecido pela lei). Do contrário, não sendo arguidas em ocasião oportuna, serão convalidadas. (SANTOS, 2029)
Rius (2017) ressalta que as nulidades relativas possuem momento certo para serem arguidas, havendo a possibilidade de preclusão. Portanto, caso o advogado perca o momento processual para se manifestar, não poderá pedir o reconhecimento da nulidade em momento posterior, uma vez que sua inércia convalidou o ato relativamente nulo.
se as nulidades relativas forem verificadas no julgamento em plenário do júri, em audiência ou em sessão do julgamento, estas deverão ser arguidas imediatamente depois de ocorrerem, sob pena de preclusão temporal e consequente convalidação do vício. (JUNIOR e OCAMPOS, 2020, p. 534)
Infelizmente é comum o pensamento popular de que o advogado busca atrasar os atos processuais, o que embora possa ser benéfico caso alcance a prescrição, não é o objetivo principal da defesa. Movidos por esse pensamento, muitos magistrados indeferem os pleitos de nulidades postulados pelos advogados criminalistas, ainda que seja latente o caráter absolutamente inválido do ato ou momento processual.
Nesses casos, se o magistrado não reconhecer os argumentos defensivos, é de extrema importância que o advogado requisite que conste em ata a negativa do juízo em reconhecer a nulidade alegada. Tal ação é imprescindível para que posteriormente possa ser alegada em fase recursal o reconhecimento da nulidade indeferida pelo juiz singular.
4. Nulidades na prática
Tão importante quanto entender a teoria é saber utilizar o conhecimento acadêmico na prática, de tal modo, é comum o entendimento de que não pode ser realizada leitura da peça de pronúncia dos acusados, conforme dispõe o código de processo penal:
Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:
I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
No entanto, segundo o STJ a simples menção ou mesmo a leitura da sentença de pronúncia não implica, obrigatoriamente, a nulidade do julgamento, até mesmo pelo fato de os jurados possuírem amplo acesso aos autos.
Outra nulidade muito comum de ocorrer na prática, principalmente em comarcas pequenas, é o uso de algemas pelo réu, sob fundamento de perigo à integridade física alheia, ora, o réu passa por revista ao adentrar o edifício do tribunal, quando já está preso preventivamente o risco do réu portar objeto capaz de ferir outrem é quase inexistente, ademais, todas as audiências contam com amplo apoio de policiais armados no plenário do júri, e outras dezenas por toda extensão do tribunal como um todo.
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. Súmula vinculante 11 do STF
Assim, revela-se um desejo intrínseco do juiz presidente em condenar o réu, é irredutível o entendimento que o uso de algemas perante os jurados é sinônimo de condenação.
Neste mesmo sentido, é comum em pequenos polos judiciários a inobservância de regras que para muitos já são plenamente aceitas, é o caso da menção do silêncio do acusado como argumento de autoridade pelo Parquet ou assistente de acusação. Diante de tal situação é necessário pleitear a nulidade do fato imediatamente, com fulcro no Art. 478, inc. II do CPP:
Art. 478.(CPP) Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
Há casos no entanto, que por caracterizarem nulidade relativa, deve ser comprovado o dano à defesa (como já tratado acima), desse modo, a falta de intimação de testemunha de defesa, arrolada anteriormente em caráter de imprescritibilidade é nulidade relativa, defendo o advogado demonstrar que tal ausência interfere diretamente na tese defensiva, posteriormente no entendimento dos jurados sobre os fatos.
Súmula nº 155, STF: “É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha.”
Entender a jurisprudência dos tribunais superiores sobre as nulidades tornou-se tarefa fundamental para o advogado criminalista, assim, é possível traçar qual o melhor momento de argui alguma nulidade, e se esta, pode ser aceita, ainda que em fase recursal.
Sobre o entendimento jurisprudencial, é importante ressaltar o posicionamento da 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça que ao enfrentar a alegação de nulidade sobre o procedimento de júri no qual o réu foi impedido de trocar o uniforme de presidiário por vestimentas pessoais, entendeu que atenta o princípio da imparcialidade a utilização de roupas de presidiário pelo réu que está em julgamento, prejudicando a concepção neutra dos jurados ao ver o réu com roupas de quem já é considerado condenado.
Por mais óbvio que seja, o STJ foi instigado a pacificar este entendimento para os demais tribunais, sendo estratégia importantíssima para o defensor pleitear que o seu cliente possa usar roupas comuns em seu julgamento, tornando o réu mais “humano” perante os jurados, sendo tratamento digno e inerente à qualquer cidadão que possa sentar no banco dos réus.
5. Conclusão
Nulidades processuais são o caminho para diversos casos em que aos olhos da defesa dificilmente será obtido êxito no plenário do júri, no entanto, é necessário afastar o entendimento de que as nulidades são “brechas” na lei utilizadas para disseminar a impunidade.
Ter o conhecimento teórico acerca do tema é tão importante quanto o conhecimento prático em saber usar as nulidades no momento oportuno. No entanto, é necessário ressaltar que o advogado que pleiteia nulidade não está tentando atrasar o procedimento do júri, mas somente fazer com que se cumpra todos os dispositivos legais criados pelo próprio Estado-juiz que regem o processo penal.
Portanto, é necessário que o advogado criminalista esteja atento ao procedimento do júri, pronto para defender seu cliente em qualquer tipo de nulidade processual, afinal, o plenário do júri pode não ser uma arena na prática, mas a vida do acusado (que em vários casos é inocente) pode ser destruída de igual modo era feito com aqueles que pereciam no coliseu.
Ad defensionem nunquam dormit.
Referências
______. Código de Processo Penal. decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm>. Acesso em: 28 de Ago. 2020.
JUNIOR, João Carlos de Freitas; OCAMPOS, Lorena. Coleção carreiras jurídicas: processual penal. Brasília: CP Iuris, 1ª ed. 2020.
RIUS, Carolina Eichemberger. Nulidades no processo penal. Publicado em: 07 de Fev. de 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/55679/nulidades-no-processo-penal>. Acessado em: 25 de Ago. de 2020.
ROMANO, Rogério Tadeu. Nulidades no processo penal. Publicado em: 24 de Jan. de 2012. Disponível em: <https://www.jfrn.jus.br/institucional/biblioteca-old/doutrina/doutrina253_NulidadesNoProcessoPenal.pdf>. Acessado em 26 de Ago. de 2020.
SANTOS, Jander. Nulidades e processo penal. Publicado em 14 de Out. de 2019. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/768553739/nulidadeseprocesso-penal>. Acessado em: 25 de Ago. de 2020.
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AdvogadoCaroline Francescato
Advogado