Considerações sobre o crime de perseguição (stalking): O que você deve saber sobre o novo tipo penal
- Criado em 18/01/2022 Por Wellington Lima
Recentemente entrou em vigor a lei 14.132/21, que atualizou, em parte, o código penal, com a incorporação de um novo tipo bastante peculiar, o crime de stalking, positivado no art. 147-A.
O crime de perseguição não é novo em si, em termos gerais o legislador demorou para entender a necessidade de adequação do código penal aos crimes chamados cibernéticos, assim, embora possa ser considerado certo avanço legislativo, o novo tipo penal já nasceu atrasado e com falhas previsíveis.
Nesse sentido, além de entender o artigo em sua forma pura, é necessário entender o que foi pretendido pelo legislador, bem como as possibilidades a serem exploradas, evidenciado as falhas na redação do art. 147-A e possíveis alternativas para advogados e demais operadores do direito.
Analisando o preceito primário da norma
Ao analisar a redação do art. 147-A é possível notar pontos específicos, como por exemplo a necessidade de reiteração. Vejamos a redação do tipo penal a ser analisado:
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
§ 3º Somente se procede mediante representação.
Quando o legislador usa do termo “reiteradamente” inevitavelmente tem-se a ideia de que para ser caracterizado o crime de stalking, o autor obrigatoriamente precisa agir de forma reiterada, em termos práticos, quem persegue virtualmente alguém apenas uma vez comete fato atípico, tendo em vista que a presença do fator repetitivo do ato ilícito é essencial para construção do tipo penal.
Nesse mesmo sentido, é possível adentrar em outro aspecto intrigante trazido pela lei 14.132/21, o caráter subjetivo do dano causado à vítima.
Não é necessário a existência de dano físico ou psicológico real à vítima, a simples ameaça de dano já constitui fator essencial do tipo penal ora estudado. Cabe salientar que por ser mais específica, a ameaça descrita no art. 147-A constitui elemento diverso do crime previsto no Art. 147, tendo em vista que a ameaça como crime único tem personalidade abrangente e geral, ao passo que o art. 147-A cerca-se de características próprias, logo, a ameaça, ainda que virtual, caracteriza apenas o crime descrito no art. 147 do Código Penal, sem os demais elementos descritos no estudado tipo penal.
Outra característica essencial para caracterizar o crime de perseguição é o resultado do crime praticado (cabendo crítica deste autor), devendo ser prejudicada a capacidade de locomoção da vítima ou perturbando a liberdade ou privacidade.
O grande problema de redação do tipo estudado é a generalização utilizada pelo legislador, ao usar o termo “de qualquer outra forma ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”. O erro incorre na necessidade do legislativo brasileiro em criar tipos penais abertos, passíveis de várias interpretações, sedentos por pacificação jurisprudencial e doutrinária, eventos cada vez mais escassos em um país sem segurança jurídica.
Além da generalização descabida, que força a necessidade de jurisprudência que delimite o tema proposto, o uso de termos genéricos causa certa preocupação para este escritor, tendo em vista que o estado de “perturbação” é essencialmente subjetivo, assim, o que perturba indivíduo A pode não perturbar indivíduo B.
Para exemplificar o problema dos termos genéricos, imaginemos que A acione o poder judiciário em face de C, alegando tal perturbação, no entanto, em sua defesa C discorre que a perturbação alegada por A foi julgada descabida no caso em que B alegou tal perturbação.
Como auferir o estado subjetivo de perturbação sentido por A?
Como presumir que a mesma atitude que causou desconforto em A irá causar a mesma reação em B?
Se pessoas são únicas, como o poder judiciário irá presumir que a conduta que perturbou de forma leve B, irá causar os mesmos efeitos em A?
Logo, presume-se que ao generalizar pressuposto subjetivo, auferindo ao dano valor genérico, é certo afirmar que o tipo penal incorre em contradição, generalizando valores subjetivos, criando a necessidade de pacificação jurisprudencial, medida que no Brasil (país da insegurança jurídica), é totalmente desaconselhável.
Causas de aumento e valoração da pena
O parágrafo primeiro e seus respectivos incisos tratam das situações em que a pena será aumentada, sem prejuízo a demais penas correspondentes a outros crimes praticados em concurso.
De forma geral o § 1º protege os grupos de maior incorrência em crimes violentos, como é o caso de adolescentes e mulheres, cabe ressaltar, entretanto, que a causa de aumento contida no inciso II é baseada nos termos do § 2º-A do art. 121 do código penal, assim, deve-se observar o contexto fático para então, ser aplicada ou não a causa de aumento.
Embora a pena seja de reclusão (6 (seis) meses a 2 (dois) anos), o aumento de metade da pena nos casos mencionados acima é outro fator intrigante, tal aumento tão elevado gera certa estranheza, ora, se aumenta-se tanto as formas “qualificadas” do crime, por qual motivo a pena simples é tão baixa?
De certo, há de se argumentar que penas de valor elevado não previnem e nem ressocializam o condenado, porém, vamos recapitular a história recente dos crimes cometidos contra mulheres, os chamados “feminicídios”.
Infelizmente, tornou-se comum notícias de crimes cometidos contra mulheres, por companheiros (as), atuais ou não, que não aceitavam o fim de um relacionamento, ocorre que em grande maioria dos casos, as ameaças começaram com a prática do crime descrito no art. 147-A, com ofensas, perseguições em redes sociais das vítimas, o que posteriormente desencadeou em crimes mais graves como agressões físicas, cárcere privado e feminicídios.
Não seria prudente combater de forma eficaz (para alguns, o mesmo que “de forma dura”) os crimes como o de ameaça e perseguição?
Não vislumbro cenário em que crimes iniciais sejam combatidos de forma leve e ainda assim possam prevenir o cometimento de crimes mais graves, a realidade brasileira é que não se respeita crimes “com menor potencial danoso”, logo, não torna-se difícil para o autor escolher praticar o crime de feminicídio, uma vez que quando praticou-se o crime de perseguição, não foi punido de forma correta e exemplar, com o fim de fazê-lo desistir de sua escalada criminosa.
Nesse interim, é cabível a lembrança da chamada “broken windows theory” ou “teoria das janelas quebradas”, tão atacada por garantistas, mas com resultados inegáveis na cidade de Nova York, por exemplo. Nos cabe então refletir, criar novos institutos sem comprovação científica de eficácia é mais seguro do que admitir políticas públicas pouco populares, porém eficientes ?
Conclusão
É possível concluir que embora seja um avanço penal, o tipo descrito no art. 147-A carece de correção, não é possível usar a generalização como instrumento de justiça, principalmente em um país que a segurança jurídica tornou-se fábula para jovens acadêmicos.
Não é plausível esperar perfeição em uma legislação que já nasceu cercada de falhas, no entanto, é dever dos operadores do direito, independentemente de cargo ou função, lutar pelo aprimoramento das leis, em especial os dispositivos penais, dado a falibilidade do legislador e a confusa jurisprudência dos tribunais superiores.
Floane Rahmeier da Silva
AdvogadoLinkLei
Advogado