A teoria da Katchanga e os fundamentos de Alexy: Como entender a corte suprema brasileira?
- Criado em 18/01/2022 Por Wellington Lima
É inerente do ser humano questionar, duvidar do que lhe é posto na mesa, na seara judicial, tal senso de dúvida torna-se ainda mais latente, uma vez que em termos genéricos, o conceito de “justiça” é altamente relativo e varia de indivíduo para indivíduo.
Ao observar o atual cenário do país, torna-se evidente a sensação de ruptura dos poderes, fator que independe de posicionamentos políticos comuns, mas se baseia no forte embate de ideias entre os três poderes soberanos da nação. O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, está no “olho do furacão” neste conflito, ministros que outrora atuavam nos bastidores da nação, hoje desfilam como atrações principais nos telejornais diários.
I – Alexy e a atuação de um Tribunal Supremo
Ao discorrer sobre a atuação dos direitos fundamentais, Robert Alexy elaborou a tão importante teoria dos princípios fundamentais, a qual aborda as estruturas e bases das leis constitucionais, bem como seu modo devido de aplicação.
Alexy indica a existência de um ponto máximo, o que corresponderia com a existência de uma única resposta correta na aplicação de princípios (p. 584), no entanto, tal aplicação necessita de certas adequações, seja no aspecto da necessidade, na proporcionalidade ou nos limites de aplicação, momento no qual a atuação do Tribunal maior se faz necessária (começando então os problemas).
Nesse sentido, embora o papel exercido pelo STF seja de suma importância, cabe lembrar que tratam-se de indivíduos, dotados de erros e acertos, seres humanos (há quem pense o contrário) que podem errar, ainda que na melhor das intenções.
II – A tão usada Teoria da Katchanga
Para entender os “erros” ou “contradições” tão recorrentes da corte maior, seja na aplicação de princípios ou na interpretação da Constituição, precisamos menciona o conceito da Teoria (brasileiríssima) da Katchanga, criada por Luis Alberto Warat, discorrida por George Marmelstein, in verbis:
Um rico senhor chega a um cassino e senta-se sozinho em uma mesa no canto do salão principal. O dono do cassino, percebendo que aquela seria uma ótima oportunidade de tirar um pouco do dinheiro do homem rico, perguntou se ele não desejaria jogar.
- Temos roleta, blackjack, texas holden’ e o que mais lhe interessar, disse o dono do Cassino.
- Nada disso me interessa, respondeu o cliente. Só jogo a Katchanga.
O dono do cassino perguntou para todos os crupiês lá presentes se algum deles conhecia a tal da Katchanga.
Ninguém sabia que diabo de jogo era aquele.
Então, o dono do cassino teve uma ideia. Disse para os melhores crupiês jogarem a tal da Katchanga com o cliente mesmo sem conhecer as regras para tentar entender o jogo e assim que eles dominassem as técnicas básicas, tentariam extrair o máximo de dinheiro possível daquele “pote do ouro”.
E assim foi feito.
Na primeira mão, o cliente deu as cartas e, do nada, gritou: “Katchanga!” E levou todo o dinheiro que estava na mesa.
Na segunda mão, a mesma coisa. Katchanga! E novamente o cliente limpou a mesa.
Assim foi durante a noite toda. Sempre o rico senhor dava o seu grito de Katchanga e ficava com o dinheiro dos incrédulos e confusos crupiês.
De repente, um dos crupiês teve uma idéia. Seria mais rápido do que o homem rico. Assim que as cartas foram distribuídas, o crupiê rapidamente gritou com ar de superioridade: “Katchanga!”
Já ia pegar o dinheiro da mesa quando o homem rico, com uma voz mansa mas segura, disse: “Espere aí. Eu tenho uma Katchanga Real!”. E mais uma vez levou todo o dinheiro da mesa…
O “conto” do ilustre professor George reverbera até a mais atual obra constitucional, no século do “ativismo judicial”, nome elegante para substituir “usurpação de competência do poder legislativo”, torna-se óbvio que quem faz a regra do “jogo” nunca sairá perdendo.
A Constituição Federal é a base de atuação do Estado, das relações interpessoais e de toda a convivência em sociedade, basta lembrarmos de Kelsen e sua Teoria Pura do Direito para termos essa certeza. No entanto, quem irá interpretar o que a Carta Maior aborda? Por óbvio é o Supremo Tribunal Federal, que embora não seja detentor das “regras da katchanga”, é quem as aplica nos casos concretos.
O pensamento distorcido da teoria de Alexy leva, por muitas vezes, a subversão de princípios, normas e até mesmo preceitos constitucionais, em busca do anseio do conceito de “justiça” pelo tribunal maior.
Tal decisionismo judicial muitas vezes encontra-se travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo (LIMA, 2012).
III – Conclusão
Portanto, é certo que para entendermos os posicionamentos controversos do STF devemos nos atentar para a teoria da Katchanga, ainda que de forma superficial, todos os aplicadores do direito sabem que a Constituição necessita de intérpretes, sendo papel intrínseco do Supremo Tribunal Federal pacificar tais interpretações, prezando sempre pela Carta Maior e o Estado Democrático de Direito.
No entanto, nada impede de ouvirmos um “Katchanga real” a cada interpretação exclusiva de cada humano ministro, ou ministro humano.
Referências:
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
LIMA, George Marmelstein. Alexy à brasileira ou a Teoria da Katchanga. Revista Jus Navigandi, ISSN
1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3222, 27 abr. 2012. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/21646. Acesso em: 7 set. 2021.
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