BREVE ENSAIO SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL.
- Criado em 06/03/2019 Por Vicente Aron Machado da Rocha
A ausência do dever objetivo de cuidado dos agentes, nas situações cotidianas, levam, necessariamente, a uma desestabilização das relações sociais que podem ser passíveis de reprimenda do Poder Judiciário, a depender da verificação da extensão dos danos causados. Por esse motivo, o ordenamento jurídico estabelece que a toda infração normativa haverá uma correspondente sanção jurídica como meio de se manter a própria integridade do sistema.
Nessa senda, a responsabilidade civil estabelece como premissa a necessidade de os agentes agirem em conformidade com a boa-fé e a equidade como meio de manter a pax social, obedecendo-se a regras básicas de convivência previamente estabelecidas pelo legislador. Trocando-se em miúdos: a existência da responsabilidade civil, necessariamente, consiste em uma reação à violação de normas previamente estabelecidas, por meio de uma ação ou omissão do agente, que gera um direito à uma obrigação de reparação de eventuais danos na seara pessoal ou patrimonial de outrem.
De todo modo, o dever jurídico de observância às normas pode ter duas origens: a legislação (ex lege) ou os contratos (ex voluntae), ambos com força coercitiva reconhecida pelo próprio ordenamento que gerarão, na prática, os mesmos efeitos: o dever de indenizar em caso de infração ou inadimplemento.[1]
Ainda assim, para que haja a reprimenda do Judiciário perante aquele que praticou determinado ato não basta, como regra, que haja uma ação/omissão voluntária: há que se verificar a existência de culpa do agente para que o dano ocorresse. A culpa lato sensu[2], assim nomeada a culpa no âmbito civil, traduz-se como a ausência de cuidado do agente diante de situações potencialmente danosas pretensamente previsíveis[3], configurando-se em imprudência, negligência e imperícia.
Diante da verificação de culpa do sujeito, ainda, para a quantificação de eventual reparação de danos, há que se levar em consideração a gravidade da culpa (se grave ou leve); a natureza da culpa (se contratual ou extracontratual); a origem da culpa (in elegendo, in vigilando ou in custodiendo) e ainda a extensão da culpa (se exclusiva ou concorrente).[4]
Adiante, partindo-se da premissa da existência dos dois pilares anteriores (ação/omissão e culpa), no escalonamento da regra geral da responsabilidade civil, é necessário que seja esclarecido o liame de responsabilidade, ou seja, o nexo de causalidade: a ligação direta da ação/omissão com a culpa que ocasionou o dano à vítima. Nesta vereda, o nexo é a relação necessária entre o fato apurado e o respectivo prejuízo.
Importante ressaltar, entretanto, que não há necessária relação entre uma causa e um prejuízo. O ordenamento civil estabelece que, em determinadas situações, poderá haver concausas que levaram à concretização do dano, sendo elas sucessivas ou simultâneas. Nas concausas simultâneas há um só dano ocasionado por mais de uma causa, podendo ser essas causas atribuíveis a mais de uma pessoa, hipótese em que haverá solidariedade legal, se o dano decorre de responsabilidade aquiliana (artigo 942, parágrafo único, Código Civil). Tratando-se de concausas sucessivas, a seara torna-se mais complicada, porque não há uma exatidão exata na relação causa-dano, porque todas as causas contribuiriam para a ocorrência do evento danoso; por esse motivo, a jurisprudência e a doutrina tratam o nexo decorrente de concausas sucessivas a partir da teoria da equivalência das condições, da consequência imediata e da causalidade adequada.[5]
Assim, como regra, havendo ação/omissão do agente, com a verificação de culpa e havendo ligação entre a ação e o seu proceder que resultou um dano, nascerá de pleno direito uma relação obrigacional de responsabilidade civil, o que comumente se traduz como “direito de indenização”. Lembrando que na responsabilidade objetiva é dispensada a comprovação da culpa do ofensor.[6]
Existem fatos, entretanto, que afastam o dever de indenizar pelo rompimento do nexo de causalidade entre a culpa e a ação/omissão do agente, sendo que as motivações são diversas, mas estão necessariamente ligadas à impossibilidade de previsão do agente acerca das consequências da ação e/ou permissividade legal para atuar de acordo com a conduta verificada no caso concreto. Essas causas excludentes de responsabilidade civil não serão aprofundadas neste breve ensaio, porém, as principais são as seguintes: estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de um direito, estrito cumprimento do dever legal, culpa exclusiva da vítima, culpa de terceiro, caso fortuito, força maior, cláusula de não indenizar e a prescrição.
Superadas tais questões, o dano indenizável a ser arbitrado terá a exata extensão da lesão ao bem jurídico tutelado, eis que a inobservância de tal parâmetro configurar-se-á como locupletamento ilícito. Esses bens jurídicos lesados poderão configurar nomenclaturas de “danos” diversas, porque são classificados como: patrimônio, corpo, vida, saúde, honra, crédito, saúde, etc), entretanto, via de regra, há somente duas espécies na esfera civil: o dano material, que se refere a lesão a todo e qualquer direito não ligado diretamente à humanidade do sujeito e o dano moral, que se consubstancia como residual.
De qualquer modo, importante salientar que somente os danos diretos e efetivos, por efeito imediato do ato culposo, encontram suporte à indenização; certo que sem dano não há indenização, porque é a partir dele que a relação jurídica obrigacional é estabelecida. Nesse sentido, o dano hipotético não pode ser admitido no ordenamento jurídico, baseado na premissa “(...) e se (...)”; ainda que diante de lucros cessantes, deve haver o arbitramento do dano indenizável a partir de provas concretas do que razoavelmente a vítima deixou de ganhar, afastando-se todo e qualquer achismo.
Conseguintemente, fato é que toda relação obrigacional pode ser convertida em pecúnia (perdas e danos) e, por esse motivo, a responsabilidade civil se traduz, como regra, em pagamento de prestação pecuniária pelo ofensor à vítima. Assim, tratando-se de verdadeira exceção no ordenamento jurídico, o direito à indenização somente pode ser pleiteado quando efetivamente verificado o tripé balizador da responsabilidade, sob pena de ausência de interesse processual, inclusive. Como já sopesado, a infração às normas que possuem em si incutidas um dever jurídico de cuidado é a premissa do nascimento da pretensão indenizatória, supondo-se que, em todo caso, o legislador optou pela proteção integral não apenas dos direitos individuais e coletivos, mas principalmente pela punição a qualquer ação que modifique o status quo de uma sociedade equânime.
[1] A responsabilidade civil CONTRATUAL tem fulcro no artigo 389 do Código Civil, enquanto a EXTRACONTRATUAL, AQUILIANA ou GENÉRICA tem previsão no artigo 186 do mesmo diploma legal.
[2] No âmbito da responsabilidade civil, para efeitos práticos, não há distinção entre culpa stricto sensu e dolo. O conceito que se traz no âmbito da culpa é a mera conduta arriscada, desimportando se há ou não a intenção do agente no cometimento do dano in concreto.
[3] A imprevisibilidade é motivo suficientemente forte para o rompimento do nexo de causalidade e exclusão do consequente dever de indenizar, especialmente na responsabilidade contratual. No âmbito da responsabilidade aquiliana, pode-se traduzir a imprevisibilidade como caso fortuito, força maior ou ainda como dano provocado por ato de terceiro.
[4] A regra imposta pelo ordenamento é a RESPONSABILIDADE SUBJETIVA (teoria da culpa), ou seja, a necessidade de prova da conduta culposa do agente na constituição do evento danoso. Entretanto, o ordenamento permite a verificação da RESPONSABILIDADE OBJETIVA (teoria do risco), do que se extrai que a vítima não tem a obrigação legal de provar a conduta culposa do ofensor, mas tão-somente o dano suportado. Essa última, portanto, constitui-se como verdadeira EXCEÇÃO no ordenamento jurídico; entretanto, trata-se de presunção juris tantum, invertendo-se o ônus probatório para que o ofensor faça a prova de que agiu com normalidade. Exemplificativamente, tem-se a responsabilidade civil objetiva dos entes fazendários, do fornecedor de produtos/serviços na relação de consumo, do empregador por atos de seus prepostos e dos educadores na relação com os educandos.
[5] Essas teorias visam mitigar o contexto das concausas simultâneas para sopesar todas as causas que levaram ao evento danoso, podendo-se chegar à resposta da seguinte indagação: qual dos eventos mais contribuiu para o dano? Qual dos eventos que levou ao prejuízo? Em qual relação entre ação e culpa se pode considerar como fato imediato para a ocorrência do dano?
[6] A jurisprudência afirma, entretanto, que ainda que haja a inversão do ônus probandi em casos de responsabilidade objetiva, a vítima deve fazer prova mínima do direito alegado, sob pena de improcedência do seu pedido. Sobre o assunto: STJ - AREsp: 1381131 SP 2018/0255162-0, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Publicação: DJ 16/11/2018)