A importância da moral e dos costumes na legislação.
- Criado em 11/09/2018 Por João Ralph Gonçalves Castaldi
Cada país possui seu conjunto próprio de costumes considerados bons, os quais estrangeiros poderão considerar estranhos. Por exemplo, no Japão oferecer um assento comum (não exclusivo) aos idosos ou dar gorjeta para garçons são condutas consideradas desrespeitosas.
A moral e os bons costumes estão intimamente ligadas ao direito, tanto o é que criam-se leis voltadas exclusivamente para os mesmos, por exemplo, em Singapura, cidade do sudeste asiático, é ilegal cuspir qualquer substância ou expelir muco do nariz em qualquer rua ou lugar público sob pena de multa de pelo menos dois mil dólares, podendo chegar até dez mil dólares caso o indivíduo repita a conduta por três vezes (dados de março de 2015). Todos os cidadãos concordam com tal lei, tanto que anualmente Singapura é eleita uma das cidades mais limpa do mundo.
Mas afinal, que diabos são bons costumes?
Podemos dizer que são as regras de "conduta limpa" na sociedade em geral, condutas que estão em harmonia com o bem comum defendido pela cultura moral vigente, em outras palavras, o conjunto de ações e/ou condutas que são consideradas boas para todos.
No Brasil, a moral e os bons costumes podem se confundir, sendo fontes secundárias de direito, uma vez que serão aplicados após consulta à legislação vigente. A propósito, vejamos os artigos 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas Brasileiras - LINDB:
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
A importância dos bons costumes é tamanha que existem previsões expressas na legislação, podem inclusive cercear direitos. Apesar da palavra "costumes" aparecer apenas sete vezes no Código Civil, a influência dessa palavra na vida civil é gigantesca. Vejamos seis das sete aparições pertinentes no Código Civil:
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.
Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.
§ 1 o Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-se, até prova em contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes, sendo estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
[...] III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
Art. 1.735. Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam:
[...] IV - os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena;
Ou seja, nestes dispositivos, diversos direitos individuais se submetem diretamente à moral e aos bons costumes, e indiretamente ao restante da legislação vigente.
Pertinente relatar que "leis" de boa convivência, ironicamente, não são leis, mas combinações de artigos e interpretações de nossa legislação vigente, que sempre devem ser voltadas aos bons costumes, à boa-fé e a moral. Por exemplo, pode-se dizer que a "lei" de boa convivência em condomínio nada mais é que a combinação de alguns dos artigos e incisos constantes na Seção I, do Capítulo VII, do Código Civil, mas resumidamente, nos dispositivos abaixo copiados:
Art. 1.335. São direitos do condômino:
[...]II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;
[...]Art. 1.336. São deveres do condômino:
[...]IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
Aliás, as "leis" de boa convivência basicamente se resumem ao artigo 187, do mesmo Código:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Ou seja, em suma, a lei mostra-se sempre favorável à moral e aos bons costumes em detrimento do direito individual ao ponto de tornar seu abuso ato ilícito.
Conclui-se que a moral e os bons costumes são fortíssima influência para a criação e aplicação da lei, além de possuirem preponderância sobre o individualismo, um exercício pleno da democracia onde o bem comum reverbera diretamente na aplicação da lei.