Análise de um caso concreto: o porquê de sempre desconfiar do argumento de autoridades (parte II).
- Criado em 11/09/2018 Por João Ralph Gonçalves Castaldi
Continuação da >história de uma moça, seu balanço, uma árvore supostamente agredida e servidores públicos adeptos ao desserviço.
Resumão: uma moça sofreu agressões e manipulada por servidores públicos através de seu desconhecimento, e desistiu de punir delitos sofridos.
Em razão da extensão do artigo, na parte II apenas elencarei legislações pertinentes, com breves comentários sobre as condutas de todos. Os fundamentos do porquê a situação do servidor era, na melhor das hipóteses, extremamente desfavorável, e poderia afetar gravemente sua vida pública e certamente a pessoal, bem como da tipificação das condutas dos policiais militares, ficarão para a parte III.
Recapitulemos as ações dos servidores públicos:
Técnico administrativo:
- Da maneira mais descortês possível, mandou desamarrar o balanço da árvore para ser confiscado e ordenou que as três se retirassem do parque;
- Subitamente puxou o balanço que estava na mão da moça e a arrastou por alguns metros no chão;
- Comunicou aos policiais que a moça cometera crime ambiental.
Policiais militares:
- Um advertiu a moça que, caso fosse à justiça, o servidor poderia processá-la por crime ambiental estava no regimento interno daquele lugar, o outro apenas o acompanhou.
Pois bem, a gravidade da situação do servidor público do parque se deve porque abusou de sua autoridade, e suas condutas se tipificam facilmente como tal, senão, vejamos algumas disposições pertinente da Lei 4.898/1965:
- Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
- a) à liberdade de locomoção;
- [...] i) à incolumidade física do indivíduo;
- Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
- [...]h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;
Tal lei funciona como um plus à repressão e punição, que soma-se àquelas dadas aos "homens comuns" somente pelo fato de serem servidores públicos.
Mas a lei do abuso de autoridade não vale somente para autoridades? Por exemplo policiais ou profissões semelhantes?
Para fins penais, qualquer pessoa que tenha um mínimo de poder delegado pelo estado já é considerada autoridade, de acordo com o artigo 5º da lei:
- Art. 5º Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.
E sendo somente um plus, cominam-se as sanções com as dos "delitos ordinários". Isso mesmo, poderão coexistir dois processos distintos para punir "uma mesma conduta", é que um será para o abuso da autoridade e outro para o delito comum, matéria pacificada nas esferas extraordinárias.
Apesar de pouco citados em peças "ordinárias", tratados internacional pertinente, ressaltando que tratados internacionais possuem a característica da supralegalidade, estando abaixo apenas da Constituição Federal na hierarquia das leis.
No presente caso seria conveniente citar a CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ (1994), para ,em suma, enfatizar que é dever do estado brasileiro tomar providências utilizando todas as medidas judiciais contra a violência sofrida, pois foi violência sofrida por mulher. E que o estado cumpra seu dever sem demora!
Retornando às legislações nacionais, o servidor público do parque, por exemplo, poderia ser enquadrado, além daqueles artigos da Lei 4.898/1965, nos seguintes crimes:
- art. 129, CP (lesão corporal).
- art. 138/139, CP (calúnia/difamação).
- art. 146, CP (constrangimento ilegal).
- art. 157, c/c art. 14, II, CP (roubo tentado).
- art. 158, CP (extorsão).
- art. 163, pár. único, I, CP (dano qualificado por violência contra pessoa).
- art. 171, CP (estelionato).
- art. 350, pár. único, IV, CP (o artigo 350 é, basicamente, uma cópia do art. 4º da Lei do Abuso de Autoridade, inclusive o inciso IV é comicamente genérico "efetua, com abuso de poder, qualquer diligência.").
Uau, quanta coisa! Alguns são bem fáceis de se visualizar, mas roubo, extorsão, dano qualificado e estelionato? Viajou na maionese!
De fato, é necessário ir um pouco além do convencional, mas nada fora da interpretação permitida, nenhuma grotesca "ginástica" de interpretativa jurídica.
Conforme informado no início, conclusão da análise do caso concreto se dará com as fundamentações para cada imputação, explicadas na ordem cronológica dos acontecimentos, na próxima parte.
P.S.: Havia uma frase perdida no meio do artigo a respeito das condutas dos policiais, que retirei, mas a informação pertinente constará na finalização.