A validade do contrato privado na compra e venda de bens imóveis
- Criado em 17/04/2019 Por Vicente Aron Machado da Rocha
A lei brasileira permite que as pessoas capazes negociem livremente direitos disponíveis (que não envolvam questões sociais e/ou coletivas) para que formem relações jurídicas que criem, modifiquem ou extingam obrigações recíprocas sem que haja a necessidade – como regra – de solenidades específicas. Em outras palavras: a regra é a liberdade contratual. Entretanto, quando se trata de negócios envolvendo bens imóveis, especialmente no que tange à compra e venda, o legislador imprimiu uma maior preocupação com relação à legalidade e a consolidação do direito de propriedade, determinando que negócios dessa natureza que excedam a trinta salários mínimos sejam consolidados mediante escritura pública (artigo 108, Lei nº 10.406/2002).
Diante desse cenário, é corriqueiro que as pessoas tenham dúvidas em relação à validade de um contrato de compra e venda particular, assinado ou não por duas testemunhas, para a transferência da propriedade de um bem imóvel. Em verdade, esse tipo de negócio é válido entre as partes, podendo ser, inclusive, executável no que tange às obrigações pessoais (pagamento de valores, por exemplo). Perante terceiros e para fins de consolidação da propriedade em si, todavia, esse “contrato de gaveta” não produz qualquer efeito prático.
Logo, para que haja a real transferência da propriedade, resguardando-se as partes e terceiros de efeitos reflexos da propriedade (como a incidência de impostos), a legislação determina que haja a lavratura de escritura pública específica de compra e venda e seu respectivo depósito junto ao Registro de Imóveis da cidade do bem (artigo 1.245, Código Civil), sob pena de invalidade do negócio perante terceiros. A ausência de observância de formalidade pode ensejar a nulidade de contrato, nos termos do artigo 166, IV e V, do Código Civil. A propósito, na compra e venda, como regra, há incidência de ITBI (imposto sobre transmissão de bens imóveis), cuja alíquota varia e cujo teto é de 5% (cinco por cento) do valor venal.Nesse sentido, o contrato privado por si só não tem o condão de transferir a propriedade e não gera presunção do direito real de propriedade, embora possa ser ratificado mediante ação judicial competente por outros meios de prova. Por esse motivo, enquanto não houver a confecção e assinatura da escritura pública de compra e venda para registro, para todos os efeitos legais perante terceiros, o imóvel permanece de propriedade do vendedor e somente este teria a obrigação de regularização de todas as situações que estejam ligadas ao imóvel, salvo disposição contratual expressa em contrário.
A propósito, a liberdade contratual relativa nesse tipo de negócio permite a inserção de cláusulas que sejam interessantes e disponíveis às partes como meio de proteger a ambas de eventuais inadimplementos da parte contrária, tais como renúncias a impenhorabilidades, estabelecimento de prazos processuais específicos em caso de cobrança, modo de pagamento, cláusula penal, irretratabilidade, etc; entretanto, tais negociações jamais poderão atingir a esfera do meio de transferência da propriedade, porque absolutamente ilegal e inválida, por força de lei.
Como consequência, pode-se dizer que o contrato privado possui efeitos limitados e é válido perante aqueles que o assinaram, revestindo o negócio de boa-fé e produzindo todos os efeitos tal como qualquer outro. Para que haja a efetiva transferência do domínio do imóvel, contudo, faz-se imprescindível o registro do título aquisitivo, por meio de escritura pública, junto ao Cartório de Registro de Imóveis, sob pena de continuidade da responsabilidade pessoal do vendedor perante órgãos públicos e eventuais outros credores que podem requerer a indisponibilidade do bem para pagamento de dívidas.
Leia também: http://www.machadodarocha.adv.br/a-validade-do-contrato-privado-na-compra-e-venda-de-bens-imoveis/
Márcio Augusto Nunes de Figueiredo
AdvogadoRe: Vicente Aron Machado da Rocha
AdvogadoGrande abraço!