A RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL E A FALÊNCIA À LUZ DA REALIDADE ECONÔMICA ATUAL – breves considerações.
- Criado em 16/07/2018 Por Vicente Aron Machado da Rocha
É fato notório que o Brasil tem passado nos últimos quatro anos por um período de recessão e de arrocho fiscal oriundo de uma série de políticas econômicas equivocadas e, certamente, pela ausência de deliberação de temas importantes para a saúde financeira do país que acabaram esquecidos em nome de interesses que podem ser considerados como fora da alçada do que a Constituição denomina “interesse público”.
Nesse diapasão, não se pode negar que diversos setores produtivos do país acabaram tendo seu crescimento arrefecido pela ausência de concessão de créditos, pela necessidade de renegociação de passivos fiscais e trabalhistas gerados em anos de bonança e, por fim, pela própria inadimplência de outras empresas que integram a cadeia produtiva de determinado seguimento. Por conseguinte, as sociedades empresárias tiveram que se reestruturar administrativamente para suportar e se adequar aos tempos de míngua econômica.
Interessante perceber, assim, que o cenário político-econômico desfavorável fez aumentar a dúvida dos empresários acerca das saídas possíveis para uma recuperação econômica pessoal mais favorável em detrimento de medidas mais drásticas, no que se inclui até mesmo o fechamento das portas.
O fenômeno, entretanto, não é recente: a preocupação do direito com a saúde financeira das empresas remonta o início do século XX, quando da crise global denominada crash da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929, considerada o primeiro fenômeno global de bankrupt, ou seja, foi o primeiro estopim que levou empresas e empresários à “bancarrota”, primeiro nome dado no ordenamento jurídico brasileiro à chamada “falência”. A propóstio, bankrupt significa, em inglês, “quebra da banca do empresário”; não por acaso, a mesma denominação foi por muito tempo utilizada no Brasil para denominar a “falência”.
No Brasil a regulamentação legislativa das falências e das recuperações judiciais (antiga “concordata”) remonta o ano de 1860, quando houve a publicação da Lei Imperial n. 1.080, que tratava da quebra dos bancos de circulação – primeiro fenômeno de falência observado no Brasil, cuja economia essencialmente agrária ainda não detinha um complexo sistema mercantil como já deslanchava na Europa. De qualquer maneira, foi com a Lei de Falências e Concordatas que o instituto tornou-se mais evidente sob o ponto de vista da segurança jurídica: abrangia a grande parte dos tipos societários vigentes à época no país e deixava de fora apenas alguns tipos específicos, como as cooperativas (as quais até hoje não se submetem aos efeitos direitos da lei de falências).
Entretanto, até a publicação da atual Lei n. 11.101/2005, na prática a Lei de Falências e de Concordatas tinha o objetivo específico de preparar a empresa, colaboradores e sócios para uma inevitável bancarrota, tendo em vista o caráter engessado quanto à venda de ativos e pagamento a credores. A concordata, por exemplo, diferentemente da recuperação judicial atual, alcançava apenas aos credores quirografários, deixando os demais credores (trabalhistas, tributários, com privilégio especial, etc) perseguirem individualmente a satisfação do seu montante o que evidentemente inviabilizava qualquer planejamento viável e impedia a formação de um plano efetivo de recuperação de uma empresa.
De qualquer maneira é importante que o empresário tenha em mente que o seu primeiro objetivo, obviamente, é a gestão empresarial com controle dos riscos de modo que não perca o controle sobre as suas ações, impedindo, assim, a necessidade de uma intervenção judicial ou extrajudicial na administração do seu patrimônio. Como consequência, gestão dos riscos engloba não apenas a blindagem patrimonial da empresa contra eventuais dissídios trabalhistas ou fiscais, mas principalmente a capacidade de antever situações potencialmente danosas no dia-a-dia da empresa e a possibilidade de recuperação de créditos civis, administrativos e tributários por meio das ações judiciais competentes.
Assim, plenamente possível e viável a utilização dos instrumentos judiciais da recuperação judicial e até mesmo da falência para a reorganização da vida cotidiana da sociedade empresária, porque esses meios de preservação da empresa permitem ao empresário que exerça ao seu ofício com segurança e com a certeza de que nem todas as soluções jurídicas que passam pelo Poder Judiciário são potencialmente danosas: ao contrário, é necessário utilizar-se das ferramentas concedidas pelo legislador para que se consiga reverter o quadro de crise por que passa o Brasil.
VICENTE ARON MACHADO DA ROCHA é advogado especializando em Direito Processual Civil pela Faculdade Meridional - IMED - Passo Fundo/RS. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, atua com ênfase em direito empresarial, tributário, contratual, administrativo e Penal. É sócio-proprietário do escritório MACHADO DA ROCHA ADVOCACIA CUSTOMIZADA na cidade de Chapecó/SC. Membro do Núcleo de Assessorias e de Consultorias da Associação Comercial de Chapecó (NAC/ACIC).