A PROTEÇÃO PROCESSUAL DO TERCEIRO DE BOA-FÉ: EMBARGOS DE TERCEIRO.
- Criado em 18/10/2018 Por Vicente Aron Machado da Rocha
Uma relação de direito material cuja efetividade não esteja plenamente concretizada no mundo fático necessita de um ato de coerção estatal promovido através da jurisdição (heteronomia), o que se consubstancia em um processamento público – judicial.
Entretanto, considerando-se que as relações sociais que originam as relações jurídicas não são estanques, em alguns casos outros sujeitos senão aqueles mutuamente obrigados poderão ser afetados em seu âmbito pessoal ou em seu âmbito patrimonial.
Por esse motivo, para que uma relação de direito processual regularmente estabelecida não permaneça rígida quando o direito material de fundo atinja bem juridicamente tutelável de outrem, a legislação prevê na Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil) a possibilidade de um terceiro ingressar em determinada demanda cujo resultado final poderá lhe causar prejuízo ou, ainda, se esta demanda já estiver causando qualquer tipo de constrição que lhe apene no mundo fático. A esse ingresso chama-se “embargos de terceiro”. Logo, determina o artigo 674, caput, da novel legislação:
Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.
Antes de prosseguir, entretanto, mister uma diferenciação. Não se pode confundir os embargos de terceiro com a intervenção de terceiros, haja vista que possuem finalidades diferentes. Nessa, o objeto não precisa haver um ato de constrição determinado, haja vista que o objetivo da intervenção de terceiro é que esse responda, conjuntamente ou em confrontamento, pela demanda proposta por outrem quando houver responsabilidade atribuída pela lei ou por contrato, enquanto naquele (embargos), o objeto da demanda será específico relativamente a ato de constrição judicial consumado ou iminente, não havendo o interesse direto na demanda de fundo em que litigam os embargados (ex. penhora sobre veículo já vendido).
Assim, os embargos de terceiro são uma ação de conhecimento de rito especial, distribuídos por dependência ao juízo originário da causa (artigo 676, caput, CPC), com o objetivo de desconstituir decisão judicial constritiva ou de impedir que uma decisão lhe seja prejudicial. Isso decorre do fato de a responsabilidade patrimonial recair, como regra, aos partícipes da relação jurídica processual (artigo 789, CPC), sendo que um ato constritivo em face de terceiro poderá se caracterizar como ilegal e abusivo, excepcionadas as permissões legais para tal responsabilização.
Sobre constrição judicial entende-se como um ato que lhe tolha a possibilidade de usufruir livremente de direito regularmente adquirido (adquirido de boa-fé). Exemplificativamente, poder-se-ão considerar atos constritivos: penhora, arresto, sequestro, busca e apreensão, imissão na posse, etc.
Importante trazer à baila que os atos de constrição judicial não estão adstritos ao processo de execução, podendo-se verifica-los em procedimentos de rito comum, especialmente diante do poder-dever do juiz em buscar uma decisão integral e efetiva de mérito (artigo 139, IV, CPC). O núcleo central fundamentador dos embargos de terceiro é a constrição judicial oriunda de ato judicial.
De todo modo, na petição inicial dos embargos deve ser preenchido um duplo requisito: prova sumária de sua posse ou de seu domínio e da qualidade de terceiro. Demais disso, considerando-se a brevidade do rito em questão, a prova testemunhal deverá já ser elencada na inicial, sob pena de preclusão, segundo entendimento do STJ.[1] Caso seja recebida a inicial, comprovando-se os requisitos estabelecidos no artigo 677, caput, do CPC, o juiz ordenará liminarmente a suspensão das medidas coercitivas ou a expedição de mandado de manutenção ou restituição do bem litigioso em favor do embargante, que somente receberá os bens mediante caução (real ou fidejussória) suficiente e idônea nos próprios autos (artigo 678, parágrafo único, CPC).
Após tal procedimento, o embargado será citado na pessoa do seu advogado, devendo responder no prazo de 15 (quinze) dias, sem possibilidade de reconvenção em razão da incompatibilidade procedimental entre o rito comum e o rito especial dos embargos de terceiro. Se o juízo entender que, anteriormente à apresentação de defesa, faça-se necessário uma audiência de justificação (artigo 677, §1º, CPC), o termo inicial do prazo para resposta será a data da audiência.
Em sua defesa o embargado poderá alegar toda e qualquer matéria arguível em processo de conhecimento de rito comum, considerando-se, portanto, os embargos de terceiro como de cognição plena. Entretanto, o credor com garantia real possui uma cognição limitada pelo artigo 680 do diploma processual civil brasileiro.
Ultrapassada a fase postulatória, o procedimento então seguirá pelo rito comum (artigo 679). Ao cabo, após audiência de instrução – caso postulada a prova testemunhal na exordial – o juízo promoverá o julgamento, eventualmente confirmando a liminar outrora deferida, levantando-se a caução prestada e condenando a parte contrária ao pagamento dos ônus sucumbenciais; caso a sentença seja de improcedência, a liminar será cassada e a constrição prosseguirá imediatamente, sem a necessidade de maiores formalidades.
O recurso cabível da sentença é o recurso de apelação que, como regra, não terá efeito suspensivo (artigo 1.012, §1º, V, CPC), salvo se expressamente solicitado pelo interessado mediante fundamentação (artigo 1.12, §3º, CPC).
Por fim, conclui-se que o instrumento dos embargos de terceiro é relativamente sucinto e depende de um bom arcabouço probatório previamente produzido, ressalvando-se a possibilidade de produção de prova testemunhal. A proteção que os embargos pretendem trazer, entretanto, restringir-se-á ao terceiro de boa-fé que não tenha concorrido em fraude, haja vista que a má-fé e a ausência de boa-fé processual jamais terão guarida no sistema constitucional de processo. De todo modo, é importante que os terceiros estejam atentos ao seu patrimônio quando se virem envolvidos em muitos negócios, haja vista que haverá maior chance de constrição desse patrimônio quanto maior o seu envolvimento no mundo econômico da sociedade.
VICENTE ARON MACHADO DA ROCHA é advogado especializando em Direito Processual Civil pela Faculdade Meridional - IMED - Passo Fundo/RS e em Direito Tributário pela Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC - Chapecó/SC. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), atua com ênfase em Direito Empresarial, Tributário, Contratual, Administrativo e Penal. É sócio-proprietário do escritório MACHADO DA ROCHA ADVOCACIA CUSTOMIZADA na cidade de Chapecó/SC. Membro do Núcleo de Assessorias e de Consultorias da Associação Comercial de Chapecó (NAC/ACIC) e do Núcleo do Jovem Empresário, da mesma entidade. OAB/RS 102.940 e OAB/SC 46.950-A.
[1] STJ, 2ª turma, Resp 362.504/RS, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 04.04.2006