Reguladores tentam se atualizar para acompanhar inovação
- Criado em 16/07/2019 Por LinkLei
MP da Liberdade Econômica e sandbox pretendem incentivar disrupção,
ao reduzir caos regulatório
Por todo o mundo, as plataformas baseadas em economia compartilhada têm transformado a vida das pessoas e impactado a organização econômica e espacial de várias cidades. Aplicativos de transporte e ferramentas de locação de curta temporada são os exemplos mais comuns de uma tendência irreversível e debatida à custa de disputas judiciais e conflitos entre empresas e poder público. Estes embates costumam emergir só depois de as operações já se encontrarem em pleno funcionamento.
De acordo com Juliet Schor, professora de sociologia do Boston College e do Radcliffe Institute, na Universidade Harvard, a economia compartilhada está criando mercados que expandem o volume de comércio e impulsionam o poder de compra, gerando atividades que não existiriam de outra forma – mais viagens, mais corridas em veículos particulares – e não apenas trocando a compra de um tipo de fornecedor para outro.
Segundo ela, pesquisas realizadas por seus alunos indicam que usuários de plataformas de aluguel por temporada fazem mais viagens do que antes de sua existência, da mesma forma que as caronas baratas têm desviado as pessoas do transporte público.
No Brasil, o primeiro setor da economia compartilhada a passar pelo crivo regulatório foi o de serviços de motorista por aplicativo, como Uber, 99 e Cabify. A relação estabelecida entre estas plataformas e seus motoristas — que alguns classificam como trabalhista e outros, não — fizeram com que estes serviços se tornassem, inclusive, mote de protestos de rua. O impacto dos aplicativos foi grande: levou muita gente dos ônibus para os carros e passou a gerar renda para milhares de pessoas, seja como ocupação principal ou como complemento no orçamento doméstico.
A regulação se deu na base de ações judiciais e muita discussão em plenários de Câmaras Municipais e mesas do Executivo. Foi custoso para todos os envolvidos, teve muito vai-e-vém e muita insegurança jurídica.
O universo regulatório costuma agir a reboque dos fatos e em um tempo muito diferente das empresas que colocam as inovações nas telas das pessoas. Diante de crescentes e persistentes dificuldades em lidar com a disrupção, começa-se a ver iniciativas do poder público para criar um ambiente favorável para lidar com os debates que virão com as novidades do mercado.
Um exemplo é a Medida Provisória da Liberdade Econômica (MP nº 881, de 2019), pacote para desburocratizar a abertura de empresas e facilitar a vida de empreendedores, aprovada em comissão mista do Congresso na semana passada. De acordo com Luciano Timm, secretário nacional do Consumidor e professor da Unisinos e FGVSP, o instrumento deve tornar obrigatória a elaboração de análises de impacto regulatório, o que ajudará a balizar as regras impostas pelo poder público a plataformas disruptivas.
“As análises são uma prática recomendada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e poderiam ser feitas antes do início da operação e refeitas de dois a cinco anos depois, para avaliar se os efeitos desejados foram obtidos”, explica Timm.
Outra iniciativa, específica para a área financeira por enquanto, foi a criação de um sandbox regulatório, no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários, do Banco Central, da Superintendência de Seguros Privados e do Ministério da Economia. Trata-se de um ambiente para que fintechs possam testar seus serviços e produtos com o público, enquanto as autoridades avaliam seu impacto, para que estejam aptas a regular com mais preparo quando chegar a hora.
Dentro do emaranhado regulatório brasileiro na área tributária, a discussão sobre os impostos incidentes em empresas de tecnologia é um capítulo à parte. “A decorrência natural dos serviços da economia compartilhada é que as empresas podem prestar serviço de qualquer lugar do mundo. Por isso é tão difícil tributá-las”, explica a tributarista Vanessa Rahal Canado, pesquisadora do Insper e diretora do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).
“Este é o principal desafio da economia B2C (business to consumers), baseada na importação de serviços digitais para pessoas físicas prestados pessoas jurídicas no exterior”, afirma. A proposta de reforma tributária apresentada pelo CCiF, que deu origem à PEC 45/09 que tramita na Câmara dos Deputados, estabelece a unificação de impostos sobre o consumo, o que já poderia endereçar boa parte da discussão sobre contratação de serviços digitais.
Segundo Cláudia Viegas, economista da LCA Consultoria e especialista em regulação econômica, a variável mais relevante do mercado é a inovação, pois é o ganho em inovar que motiva as empresas. “Transformar lucro em novos produtos é aumentar a concorrência: os preços caem e o consumidor é o principal beneficiado. Quando uma empresa começa a fazer algo de maneira distinta ao que vinha sendo feito, há uma ruptura de mercado. Todo o dilema é se esse modelo disruptivo é duradouro e capaz de trazer um equilíbrio maior do que o existente ou se é apenas um movimento oportunista”, diz ela.
Para a economista, “o papel da regulação é garantir o primeiro cenário e inibir o segundo, com o cuidado de não servir de entrave à inovação.” Se os esforços recentes dos reguladores vão, de fato, criar um ambiente favorável à inovação no país, ainda é cedo para dizer. Mas a intenção de não atrapalhar já é uma grande coisa.
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Mariana Barros – Jornalista e sócia-fundadora da Cidades 21, focada no atendimento a empresas que atuam com temas urbanos. Trabalhou em grandes redações como Veja, Veja São Paulo, Arquitetura e Urbanismo (aU) e Folha de S. Paulo. É criadora da plataforma de debates urbanos Esquina e colaboradora do Estadão Media Lab