Publicidade na advocacia: da proteção ao desamparo
- Criado em 23/08/2019 Por LinkLei
Ao restringir a publicidade na advocacia, OAB dificulta que advogados recém-formados consigam primeiros clientes
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) possui em seus fins, de acordo com o inciso II do art. 44 de seu próprio Estatuto, promover a defesa “dos advogados em toda a República Federativa do Brasil”.
E foi pensando exatamente nisso que, em defesa de todos os advogados, a Ordem possui em sua trajetória uma histórica luta contra a restrição de acesso ao mercado por grandes e poucos escritórios de advocacia.
Por essa razão, é conhecida sua atenta e enérgica “captação indevida” de clientes e “mercantilização da profissão” de clientes através da oferta de seus serviços em algum meio de publicidade.
A publicidade na advocacia foi inicialmente disciplinada no Capítulo IV do Código de Ética e Disciplina da Ordem editado em 1995, permitindo, sem maiores detalhes, o anúncio de serviços profissionais de advogado “com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente informativa”, com o simples fim de indicar o escritório a que pertence a qualificação do profissional, sendo “vedada a utilização de outdoor ou equivalente”[1].
Um dos principais fundamentos da OAB para vedar a utilização de publicidade para oferecimento de serviços advocatícios é não permitir que os altos custos necessários para a veiculação de publicidade em um jornal de alta circulação, no horário nobre em uma mídia televisiva ou em um outdoor, impeçam uma justa concorrência entre os grandes e já consolidados escritórios de advocacia – quem poderia arcar com os altos custos da publicidade – e a grande massa de advogados em início de carreira, que só aumenta a cada semestre letivo.
O custo, por exemplo, para realizar uma propaganda com duração de 10 segundos no horário nobre da Rede Globo pode chegar a aproximadamente R$ 423.000,00[2]. No jornal O Estado de S. Paulo, o valor de uma publicidade que ocupe uma página em seus cadernos diários pode atingir o valor de aproximadamente R$ 574.000,00[3].
Olhando para esses números não é difícil entender o porquê da tão ferrenha luta patrocinada pela Ordem contra o uso de publicidade por advogados na captação de sua clientela. Foi talvez ainda com esse pensamento que, quando da edição do novo Código de Disciplina da OAB (2015), este tenha trazido a seguinte disposição sobre a realização publicidade através de meios virtuais:
Art. 46. A publicidade veiculada pela internet ou por outros meios eletrônicos deverá observar as diretrizes estabelecidas neste capítulo.
Parágrafo único. A telefonia e a internet podem ser utilizadas como veículo de publicidade, inclusive para o envio de mensagens a destinatários certos, desde que estas não impliquem o oferecimento de serviços ou representem forma de captação de clientela.
Ora, como um advogado recém-formado, em um universo de 1.406 faculdades formando uma média de 200 novos profissionais por dia[4], de mais de um milhão e cem mil advogados[5], ganhando em média menos de dois mil reais mensais por mês[6], poderia arcar com os custos para a realização dessas publicidades? Só escritórios já consolidados poderiam promover publicidade dessa forma, gerando uma indesejada reserva de mercado para aqueles nele já estabelecidos.
Colocando dessa forma realmente parece que a Ordem dos Advogados do Brasil procura impedir a prática da reserva de mercado pelos grandes escritórios quanto proíbe a publicidade de serviços advocatícios, certo? E, não faz muito tempo, não só parecia como era correta essa percepção.
Contudo, o cenário histórico de altos custos de veiculação em mídias sobre o qual se baseia toda a atual luta da Ordem contra a publicidade na advocacia se alterou, e ficou lá, na história.
Hoje vivemos uma realidade exponencialmente diversa, o que tem se convencionado chamar de a “quarta revolução industrial[7]”. O meios de comunicação e as suas formas de acesso foram amplamente democratizados.
No Brasil já existem 230 milhões de smartphones em uso[8], sendo que, de acordo com o IBGE[9] o país possui menos de 210 milhões de habitantes. Dentre estes 130 milhões são usuários do Facebook, 50 milhões são usuários do Instagram[10].
E, na Era Revolução Tecnológica, também estão sendo democratizados os meios de se realizar publicidade. Com o gasto de apenas R$20,00 o usuário pode alcançar aproximadamente até 9.200 pessoas no Instagram[11], da mesma forma, o usuário do Facebook[12] ou um contratante do Google Ads[13], poderá criar uma “campanha de marketing”, escolhendo o quanto pretende gastar, e, mesmo com um investimento exponencialmente menor do que aquele destinado às mídias tradicionais, atingir milhares de pessoas.
Perceba o que esses números representam: a publicidade passou de limitadora do acesso ao mercado pela grande massa de advogados – que não integra os grandes e consolidados escritórios –, para justamente permitir tal acesso.
Não obstante a mudança de paradigma trazida pela democratização do acesso aos meios de comunicação e à publicidade, a OAB segue aguerrida sua histórica luta. Mas, sem perceber, agora combate suas batalhas no lado oposto: em defesa da reserva de mercado por alguns poucos e consolidados escritórios.
Isso porque, ao impedir a publicidade dos serviços advocatícios a Ordem não mais impede os grandes escritórios de captarem quase que de forma exclusiva mais clientes (em razão dos altos custos para a publicidade no passado), mas sim impede aquele advogado recém-formado tenha a possibilidade de captar seus primeiros clientes, aquele recém-formado no mar de mais de um milhão e cem mil advogados, aquele em um país em que em média quase 200 pessoas por dia terminam o curso de direito, aquele que não tem alternativa senão trabalhar em um escritório muitas vezes por mais de oito horas diárias e menos de dois mil reais mensais.
O que pode ser considerado “indevido” nessa estória? A captação de clientes por meio de uma publicidade democratizada? Ou a eliminação dessa possibilidade obrigando milhares de jovens advogados formados a cada semestre a venderem suas horas de serviços, muitas vezes, por menos de R$ 2.000,00 mensais (quando não menos) em um escritório?
E, esse mesmo escritório, é quem a proibição da realização de publicidade, protege e o qual não oferece ao jovem advogado nenhuma perspectiva de crescimento (talvez muito pela certeza de que terá um exército de desempregados qualificados esperando para serem convocados quando terminar de explorar ao máximo a juventude/vitalidade do anterior).
Ordem, não se pede aqui que se entregue em sua luta histórica, e sim que a mantenha, mas do lado do qual nunca deveria ter saído, aquele que protege advogados brasileiros.
Se a Ordem dos Advogados do Brasil não parar de olhar para o passado, enxergar o presente e se preparar para o futuro, ela não será capaz de efetivar uma das suas principais finalidades: a da promoção da defesa dos advogados brasileiros, e, daqueles que mais precisam de seu amparo, os jovem advogados.
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[1] Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, 1995.
Art. 28. O advogado pode anunciar os seus serviços profissionais, individual ou coletivamente, com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente informativa, vedada a divulgação em conjunto com outra atividade.
Art. 30. O anúncio sob a forma de placas, na sede profissional ou na residência do advogado, deve observar discrição quanto ao conteúdo, forma e dimensões, sem qualquer aspecto mercantilista, vedada a utilização de “outdoor” ou equivalente.
[2]https://negocios8.redeglobo.com.br/Storage Planejamento Rede/Lista de Preços out 2018 a mar 2019.pdf
[3]https://docs.wixstatic.com/ugd/08d9b0_d851c789378244ea992996d98d1b8833.pdf
[4] https://www.startse.com/noticia/mercado/62518/1406-esse-e-o-numero-de-faculdades-de-direito-no-brasil-lawtech
[5] https://blogexamedeordem.com.br/brasil-ultrapassa-a-marca-de-um-milhao-e-cem-mil-advogados
[6] https://www.epdonline.com.br/noticias/quanto-ganha-um-advogado-recem-formado/2095
[7] https://www.bbc.com/portuguese/geral-37658309
[8] https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/04/brasil-tem-230-milhoes-de-smartphones-em-uso.html
[9] https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/08/29/brasil-tem-mais-de-208-milhoes-de-habitantes-segundo-o-ibge.ghtml
[10] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/10/1931057-com-50-milhoes-de-usuarios-brasil-e-segundo-no-ranking-do-instagram.shtml
[11] https://rockcontent.com/blog/instagram-ads/
[12] https://www.facebook.com/business/help/753932008002620?helpref=faq_content
[13] https://www.upster.com.br/quanto-custa-anunciar-no-google/
ANDRÉ H. PARIS – Autor do Livro “Compliance – Ética e Transparência como Caminho". Certificação Profissional em Compliance Anticorrupção – CPC-A pelo LEC Certification Board. Educação Executiva em Compliance pelo Insper (SP), em Implementação Prática de Programas de Compliance, em Investigações Internas de Compliance e em Proteção de Dados, todos pela Legal, Ethics & Compliance (LEC). Ll.m em Direito Societário pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduado em Ciências Penais pela LFG.
ANNA LUIZA CABRAL GUERZET – Educação Executiva em Direito das Startups pelo Insper (SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo.
FONTE: https://www.jota.info/carreira/publicidade-na-advocacia-da-protecao-ao-desamparo-23082019