Perspectivas para a regulação dos jogos eletrônicos
- Criado em 25/06/2019 Por LinkLei
Conforme cresce a popularidade dos jogos eletrônicos e há a ascensão de toda uma prática esportiva relacionada a eles — os chamados eSports — surgem novas questões que demandam soluções criativas e eficientes da sociedade e do Direito.
No Reino Unido, o aumento no número de apostas em eSports fez com que a Gambling Commission elaborasse em 2017 um estudo propondo abordagens para se conciliar a interpretação jurídica entre a legislação regulatória de jogos de azar em vigor (The Gambling Act, de 2005) e as novas áreas de encontro entre os jogos eletrônicos e o mercado de apostas[1].
Na mesma esteira, a ESL (Eletronic Sports League), maior organização mundial de eSports, anunciou, em 2015, parcerias com a agência nacional antidoping da Alemanha (Nationale Anti-Doping Agentur — NADA) e com a Agência Mundial Antidoping (World Anti-Doping Agency — WADA) para criar e disseminar um programa antidoping no âmbito dos campeonatos de jogos eletrônicos, mostrando o caráter cada vez mais profissional que os eSports vêm adquirindo[2].
No Brasil, tramitam no Congresso Nacional diversos projetos que visam regular aspectos relacionados aos videogames. A maioria demonstra alguma preocupação em relação aos jogos considerados violentos, e tenta proibir ou limitar a venda e locação destes, tais como o PL 1654/1996, PL 7319/2010 e o PL 1577/2019. Entre outros tópicos relacionados ao assunto, alguns projetos tentam trazer imunidades ou isenções tributárias para fomentar a produção de jogos eletrônicos, como o PL 514/2011 e a PEC 51/2017.
Há também o PLS 383/2017, que dispõe sobre a regulamentação dos eSports. O projeto define o significado de atividade esportiva eletrônica, dá o status de atleta ao praticante de esportes eletrônicos, estabelece os objetivos dos eSports, reconhece as instituições fomentadores da prática dos jogos eletrônicos e institui o “Dia do Esporte Eletrônico”[3].
A relevância que os eSports ganharam nos últimos anos tem chamado a atenção não só dos diversos setores da sociedade, como também de órgãos estatais que precisam oferecer uma resposta para questões que surgem em decorrência de novas tecnologias emergentes.
Vale destacar que em âmbito nacional, a Agência Nacional do Cinema (ANCINE) já acenou, em fevereiro deste ano, positivamente para a possibilidade de incluir em sua Agenda Regulatória a questão dos jogos eletrônicos, seguindo as recomendações da Análise de Impacto Regulatório (AIR) feita em 2016 pela própria agência[4].
A proteção da propriedade intelectual nos jogos eletrônicos
Conforme levantado na AIR, a proteção dos jogos eletrônicos no âmbito da propriedade intelectual passa por uma grande dificuldade de conceituação. Tal produto contém diversas manifestações artísticas diferentes expressas através de um software, de modo que um único jogo eletrônico congrega diversos aspectos da propriedade intelectual, além de reunir elementos audiovisuais e de programas de computador[5].
Como não há uma previsão legal específica para os jogos eletrônicos, eles podem ser considerados tanto como obra audiovisual quanto como programa de computador[6]. Atualmente cada parte de um jogo é protegida em separado, resultando em “burocracias excessivas, complexidades e fragilidades”[7]. A trilha sonora, por exemplo, recebe a proteção da Lei dos Direitos Autorais, enquanto o código-fonte é regulado pela Lei do Software e eventuais marcas pela Lei de Propriedade Industrial. Enquanto entre os profissionais nacionais do ramo é comum que se defenda a classificação dos jogos eletrônicos como obras audiovisuais[8], há jurisprudência que os considerou programas de computador[9]. Diante deste quadro, é possível argumentar que esta dificuldade conceitual pode acarretar insegurança jurídica.
Esta questão não é exclusividade brasileira. Segundo estudo realizado para a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), os ordenamentos jurídicos dividem-se para classificar os jogos eletrônicos dentro dos âmbitos de proteção da propriedade intelectual. Em países como Argentina, Canadá, China, Israel, Itália, Rússia, Singapura, Espanha e Uruguai, por exemplo, a jurisprudência e a doutrina consideram que os jogos eletrônicos são, predominantemente, programas de computador, por conta de seu funcionamento e da dependência de um software[10].
Já países como a Bélgica, Dinamarca, Egito, França, Alemanha, Índia, Japão, África do Sul, Suécia e Estados Unidos, seguem a mesma interpretação que o Brasil, e oferecem proteção legal em separado, de acordo com a natureza da cada trabalho presente no jogo eletrônico[11].
Por último, um pequeno grupo de países, no qual o Quênia e a Coréia do Sul estão incluídos, considera que os jogos eletrônicos são obras essencialmente audiovisuais[12].
Perspectivas para a regulação
É de extrema relevância que movimentos regulatórios quanto ao tema dos jogos eletrônicos tratem da questão da proteção à propriedade intelectual, tema ao qual não foram encontrados projetos relacionados em tramitação no Congresso Nacional.
Recentemente foi sancionada a Lei Complementar nº 167/2019 que instituiu o Inova Simples, regime especial que estimula a criação e o desenvolvimento de startups. Um dos pontos de destaque da lei foi a simplificação dos procedimentos para registro de marcas e patentes, permitindo a comunicação automática entre a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Toda regulação nesse sentido deve se pautar na finalidade do reconhecimento dos direitos à propriedade intelectual que é, justamente, promover a produção humana, e não constituir um obstáculo a ela. Mecanismos regulamentares para se facilitar a proteção intelectual dos jogos eletrônicos, que levam em conta as suas complexidades e especificidades, certamente colaborarão para o crescimento deste promissor setor da economia brasileira.
Por: Allan Nascimento Turano e Gustavo Devaux Parma
Fonte: https://www.lexmachinae.com/2019/06/24/regulacao-jogos-eletronicos/
[1] REINO UNIDO, Gambling Commission. Virtual currencies, eSports and social casino gaming – position paper. 2017. p. 1. Disponível em: <>https://www.gamblingcommission.gov.uk/PDF/Virtual-currencies-eSports-and-social-casino-gaming.pdf>. Acesso em: 24 fev. 2019.
[2] GRAHAM, Bryan Armen. Anti-doping in eSports: World’s largest gaming organization will test for PEDs. The Guardian, Nova Iorque, 24 jul. 2015. Disponível em: < >https://www.theguardian.com/technology/2015/jul/23/anti-doping-in-e-sports-worlds-largest-gaming-organization-will-test-for-peds>. Acesso em: 24 fev. 2019.
[3] BRASIL, Senado Federal. Projeto de Lei do Senado Nº 383, de 2017. Disponível em: <https://legis. senado.leg.br/sdleg-getter/ documento?dm=7224197 &ts=1550693784667 &dispositi Acesso em: 23 fev. 2019.
[4] BRASIL, Agência Nacional do Cinema. Deliberação de Diretoria Colegiada N.º 131-E, de 2019. Disponível em: <https://www.ancine.gov.br/sites/default/files/deliberacao-reunioes- dc/DDCs RD 714 - 12.02.2019.pdf> . Acesso em: 20 fev. 2019.
[5] BRASIL, Agência Nacional do Cinema. Análise de Impacto Regulatório Nº 1/2016/SEC. Disponível em: <>https://www.ancine.gov.br/sites/default/files/consultas-publicas/AIR-JogosEletronicos_0.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2019. p. 81.
[6] Ibid., p. 88.
[7] Ibid., p. 70.
[8] Ibid., p. 83.
[9] Ibid., p. 85.
[10] RAMOS, Andy. et. al. The Legal Status of Video Games: Comparative Analysis in National Approaches. 29 jul. 2013. Disponível em: <>https://www.wipo.int/export/sites/www/copyright/en/activities/pdf/comparative_analysis_on_video_games.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2019. p. 11.
[11] Ibid., p. 11.
[12] Ibid., p. 11.