O papel do MCTIC na coordenação das políticas federais de incentivo à inovação
- Criado em 12/07/2019 Por LinkLei
Breves comentários ao Acórdão TCU 1237/2019
O Tribunal de Contas da União realizou recentemente auditoria operacional no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e outros órgãos e entidades federais com o objetivo de (i) identificar atores, políticas, iniciativas e arranjos institucionais do sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I); e (ii) avaliar os fatores que poderiam estar contribuindo para o persistente baixo posicionamento do Brasil nos rankings de inovação, propondo ações mitigadoras.
A auditoria operacional conduzida no âmbito da TC 017.220/2018-1 e que culminou na edição do Acórdão 1237/2019 buscou responder questionamentos sobre quais fatores influenciariam a produção de inovações, como são atualmente definidas a estratégia e o planejamento de longo prazo para seu fomento e como são monitoradas e avaliadas as políticas públicas federais de fomento à inovação no setor produtivo.
Esta auditoria é marcada por um traço distintivo: teve como foco a avaliação do tratamento concedido ao tema inovação. Assim, não foi analisado um programa específico, mas o conjunto de políticas públicas federais atualmente existentes que visam aumentar o grau de inovação do setor produtivo brasileiro e suas eventuais lacunas. Além disso, o órgão de controle realizou análise comparativa entre o tratamento conferido à inovação no Brasil e o que é dispensado ao tema em outros países, principalmente aqueles que ocupam melhores posições que o Brasil em rankings que aferem o grau de inovação dos países.
Conforme consta do documento final produzido pelo TCU, a auditoria operacional priorizou “a análise de aspectos associados à governança das iniciativas de inovação apresentadas pelos atores governamentais e paraestatais auditados, mais precisamente aspectos de institucionalização, coordenação e articulação política (…) e questões relacionadas com a visão de longo prazo para o tema e com os mecanismos de monitoramento e avaliação das iniciativas no tocante aos resultados da atuação de governo”.
Em que pese a possibilidade de questionamento acerca de o órgão de controle federal estar se imiscuindo em opções políticas legítimas e propondo políticas públicas, é inegável que o acórdão em questão traz contribuições no debate do tema, principalmente naquilo que concerne ao diagnóstico do status atual do sistema de ciência, tecnologia e inovação e das políticas públicas de fomento à inovação e de seu grau de efetividade.
Esta breve análise busca sintetizar e avaliar o teor da referida auditoria operacional, especificamente no que se refere ao diagnóstico da governança do sistema de ciência, tecnologia e inovação e às propostas formuladas pelo órgão de controle para enfrentamento das dificuldades identificadas.
O sistema de fomento à inovação no Brasil
No estudo em análise, partiu-se da premissa que os ministérios com efetiva atuação no sistema de apoio à inovação são o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e o Ministério da Economia, através de sua Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade.
É inegável, contudo, o ator político mais apto a atuar na definição de diretrizes estratégicas que nortearão as iniciativas de fomento à inovação no Brasil é o MCTIC. Isto porque é este ministério que detém legalmente a função de coordenador das atividades nacionais de CT&I, conforme previsto no Decreto 9.677/2019, Anexo I, art. 1º, o qual estabelece como área de competência do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), dentre outras: (i) a elaboração de políticas nacionais de pesquisa científica e tecnológica e de incentivo à inovação; e (ii) o planejamento, coordenação, supervisão e controle das atividades de ciência, tecnologia e inovação.
No segundo nível de atuação do Poder Executivo sobre o tema, foi levantado o papel das agências de fomento, responsáveis por alocar os recursos públicos por meio de diversos instrumentos de apoio às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Dentre elas, cumpre destacar o papel da FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos, empresa pública federal que tem por missão promover o desenvolvimento econômico e social do país através do fomento público à Ciência, Tecnologia e Inovação em empresas, universidades, institutos tecnológicos e outras instituições públicas ou privadas.
Sobre o sistema de fomento à inovação no Brasil, o Tribunal de Contas da União identificou que a despeito da existência de um ministério que tem a inovação como de atribuição precípua, não haveria uma real coordenação das políticas federais de fomento à inovação sob uma perspectiva integrada de governo e entendeu que não haveria clareza na definição das atribuições de coordenação das políticas públicas federais de inovação.
Apontou, ainda, que o MCTIC não teria apresentado estruturas e mecanismos de articulação política e orientação com vistas a alinhar as políticas, programas e iniciativas e não estaria atuando no sentido de propor a política, planos, metas ou prioridades de inovação do país.
Como riscos decorrentes das fragilidades encontradas na governança das políticas, programas e iniciativas federais de fomento à inovação foram levantados a possibilidade de fragmentação dessas políticas e pulverização na distribuição dos recursos destinados à inovação.
Para fazer frente à situação atual encontrada, em que coexistem diversas iniciativas voltadas ao fomento da inovação sendo implementadas de forma descoordenada por ministérios setoriais, o TCU recomendou a adoção de uma abordagem integrada do governo e a estruturação de uma estratégia comum para o fomento à inovação no setor produtivo em substituição.
Considerando as competências legalmente estabelecidas e a vocação natural para o tema, a qual foi registrada em mudança de nomenclatura ocorrida em 2011, entendemos que a coordenação, articulação política e orientação dos diversos atores estatais e paraestatais que operam no sistema de C,T&I devem ser conduzidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC).
Esta coordenação pode – e deve – obedecer atender às prioridades do governo. Pode fazê-lo observando os parâmetros fixados pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), órgão de assessoramento superior do Presidente da República para formulação e implementação da política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico. Este conselho foi criado pela Lei 9.257/1996 e reativado por meio do Decreto 8.898/2016 e detém as seguintes competências:
Art. 1º O Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia – CCT, de que trata a Lei nº 9.257, de 9 de janeiro de 1996 , é órgão de assessoramento superior do Presidente da República para formulação e implementação da política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico, ao qual compete:
I – propor a política de Ciência e Tecnologia do País, como fonte e parte integrante da política nacional de desenvolvimento;
II – propor planos, metas e prioridades de governo referentes à Ciência e Tecnologia, com as especificações de instrumentos e de recursos;
III – efetuar avaliações relativas à execução da política nacional de Ciência e Tecnologia; e
IV – opinar sobre propostas ou programas que possam causar impactos à política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico, bem como sobre atos normativos de qualquer natureza que objetivem regulamentá-la.
Na condição de secretaria-executiva do CCT e responsável por sua convocação trimestral, o MCTIC pode conduzir tecnicamente os trabalhos para a criação de uma Política Nacional de Ciência e Tecnologia e assegurar seu cumprimento através da coordenação dos atores estatais e paraestatais que operam no sistema de C,T&I, notadamente através da FINEP.
Este entendimento vem satisfazer lacuna apontada através da indicação de que inexistiria uma unidade de assessoramento atuante para o tema inovação vinculada à Presidência da República. Esta conclusão, que não desconsidera a existência do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, deriva de avaliação de que o CCT não tem atuado de forma efetiva na formulação e apresentação de diretrizes para a implementação de uma política nacional de inovação.
Em nosso entendimento, as propostas trazidas por alguns atores do setor e ventiladas no acórdão, de criação de uma Câmara de Inovação ou de um órgão articulador ministerial vinculado à Presidência da República, não contribuiriam de forma significativa para a mudança do cenário de ausência de coordenação das políticas federais de fomento à inovação. Isto porque a estrutura do CCT já contempla representantes de vários ministérios e tem em sua autoridade maior o Presidente da República. Assim, seria possível que, desde logo, fosse utilizado o arcabouço institucional e político já existente para formulação de políticas públicas de inovação integradas. As fragilidades identificadas poderiam ser solucionadas através da (i) condução eficiente e propositiva na condução dos trabalhos do Conselho por sua secretaria-executiva; e (ii) atuação do MCTIC para efetiva implementação do decidido pelo Conselho de Ciência e Tecnologia através das estruturas de fomento que lhes são subordinadas, como a FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos.
Por outro lado, certo é que a atuação do MCTIC na implementação da política nacional de inovação proposta pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e na coordenação das políticas públicas de fomento à inovação seria fortalecida com a transformação do CCT em órgão deliberativo e vinculante, conforme defendido pelo Movimento Empresarial pela Inovação (MEI) e já suscitado no âmbito do próprio Conselho.
Conclusão
O Tribunal de Contas da União avaliou através de auditoria operacional o tratamento que vem sendo conferido pelo Estado brasileiro à inovação tecnológica, tema profundamente relevante na conjuntura econômica mundial e que afeta diretamente a produtividade e o desenvolvimento do país. Especificamente no que concerne à governança sobre o tema, identificou a fragmentação das políticas de incentivo a inovação no Brasil e a ausência de coordenação das políticas federais de fomento à inovação e recomendou a criação ou aprimoramento das instâncias de governança para a tomada de decisão de C,T&I de forma a robustecer a articulação política para tratar do tema inovação e melhorar a interlocução entre os setores público e privado.
Esta breve análise teve por finalidade sintetizar as conclusões obtidas pelo órgão de controle e apontar que as estruturas institucionais existentes já permitem o enfrentamento das fragilidades apontadas, desde que o Conselho de Ciência e Tecnologia seja dotado de caráter deliberativo e vinculante e que o MCTIC atue no sentido de implementar o aprovado pelo CCT e assegurar a integração das iniciativas de fomento à inovação através da agência de fomento que lhe é vinculada, a saber a FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos.
Referência
Acórdão 1237/2019 – TCU – Plenário. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/1722020181.PROC/ /DTRELEVANCIA desc, NUMACORDAOINT desc/0/ ?uuid=966eb5e0-9859-11e9-95b8-2537453d60df
MARIANA LA POENTE – Graduação em Direito e mestrado em Direito Público na UERJ e atualmente cursa Doutorado em Administração na Universidade de Bordeaux. Leciona 2 disciplinas na educação executiva da FGV-Rio: Compliance e Governança Corporativa.