Moedas virtuais e seu impacto no Direito de Família e Sucessões
- Criado em 25/09/2018 Por LinkLei
Começam a surgir problemas relacionados com as heranças e os divórcios.
As moedas virtuais, tais como o Bitcoin e o Eteherium, alcançaram uma grande notoriedade na atualidade e há cada vez mais pessoas que estão investindo nesta nova forma de “armazenamento de capital”. Antes de adentrar nas questões sobre o Direito de Família de Sucessões, objeto deste artigo, faz-se necessário explicar o que são as moedas virtuais e um pouco do seu funcionamento sob o ponto de vista técnico para uma correta compreensão do tema.
O que são as moedas virtuais e como elas funcionam?
Alguns entendem que as moedas virtuais são uma divisa financeira, uma forma de dinheiro ou moeda, e outros já o reconhecem como um valor mobiliário, uma espécie de direitos sobre as commodities, ações do mercado de capitais ou ouro virtual. Independente da natureza das moedas virtuais, o fato é que ela possui um valor econômico e está sendo usada como uma forma de armazenamento de riqueza e assim pode ser objeto de uma eventual partilha de bens.
As moedas virtuais foram desenvolvidas a partir da vontade de se realizar transações no ambiente virtual sem a necessidade de um terceiro intermediário, tais como, bancos comerciais e operadoras de cartão de créditos, assim como desenvolver uma moeda livre de políticas monetárias e de interferência pelos bancos centrais.
Dessa forma, os desenvolvedores do Bitcoin, que é a moeda pioneira e mais popular na atualidade, criaram um ativo que pode ser transmitido de pessoa para pessoa, sem que terceiros, tais como as instituições financeiras, intermediassem as transações. Os terceiros, no caso das moedas virtuais, apenas desempenham a função de validar a transação.
Tecnicamente isso é feito através da criação de uma nova tecnologia conhecia como cadeia de blocos (blockchain), que nada mais é que uma rede que armazena dados de todas as transações de forma descentralizada, ao contrário dos bancos comerciais e operadoras de cartão de crédito que o fazem através de registros contábeis centralizados.
Assim, essa rede desempenha duas funções primordiais, verifica a existência da moeda virtual e autentica todas as transações. Isso é feito por meio de um processo chamado mineração, que é uma atividade computacional que gera dados para serem incorporados à cadeia de blocos. A cada nova transação, é acrescentado um bloco de informações aos blocos já existentes, num processo infinito que possibilita a verificação da existência do bloco e as suas respectivas transações com segurança.
É possível adquirir moedas virtuais de duas formas, através do processo de mineração ou recebendo de uma pessoa que detém essas moedas. Como nem todas as pessoas se dedicam a mineração, surgiram as “casas de cambio de moedas virtuais” ou plataformas de operações com moedas virtuais, que são instituições que em alguns casos trocam dinheiro real por moedas virtuais.
Nestas plataformas o usuário se cadastra e por meio de depósitos bancários ou outras formas de pagamento de dinheiro real adquire uma determinada quantidade de moedas virtuais. Algumas funcionam como um mercado de valores mobiliários e é possível que o usuário faça diversas operações de compra e venda desses ativos, o que pode fazer com que o valor em dinheiro real investido aumente exponencialmente em razão da alta volatilidade das moedas virtuais.
A forma original de armazenamento das moedas virtuais são em uma carteira virtual (wallet), na qual somente é possível ter acesso através de uma chave de acesso privada (uma senha) que se combina com uma chave pública reconhecida pela rede, geralmente armazenada nas aplicações de carteiras virtuais. Somente a pessoa que detém a senha pode ter acesso ao conteúdo da carteira e realizar transações através dela. Não é possível que um terceiro acesse a carteira virtual de uma pessoa sem ter a chave de acesso.
Outra questão igualmente relevante se relaciona com a descentralização da cadeia de blocos, pois isso impossibilita identificar corretamente quanto cada pessoa detém ou movimenta nas transações com as moedas virtuais, bem como não é possível que o Estado ou alguma instituição financeira consiga bloquear ou transferir compulsoriamente os valores. Apesar das transações serem públicas, já que a cadeia de blocos acaba formando uma espécie de escrituração do histórico da moeda que pode ser acessado através da rede, ainda á muito difícil vincular uma carteira virtual à determinada pessoa.
Tudo isso é um desafio às regulamentações existentes e faz com que seja necessário adaptar as práticas legais e jurídicas a esta nova realidade. Algumas questões importantes que ainda se encontram em aberto. Elas podem ser de natureza tributária, de como tributar os ganhos em capital investido em moedas virtuais ou identificar remessas internacionais de capitais para serem objeto de tributação, e de natureza penal, principalmente como descobrir se as transações desses ativos não estão sendo usado para lavar e financiar atividades ilegais.
As moedas virtuais e o Direito de Família e Sucessões
No Direito de Família e Sucessões, a questão também pode ser complicada nos casos de partilha e sucessão de bens. Em diversos países já se há relato de problemas relacionados com as heranças, os divórcios e as partilhas dos bens.
Desta forma, surgem algumas questões importantes. Como transmitir aos herdeiros as moedas virtuais armazenadas em uma carteira virtual? Como descobrir se algum dos cônjuges mantém carteiras virtuais que são ocultadas em caso de um divórcio e partilha dos bens? Como descobrir a quantidade de moedas virtuais que alguém armazena em uma carteira virtual? Longe de esgotar este tema que acaba de surgir, podemos buscar algumas soluções.
No caso das sucessões e para transmissão da herança é muito importante que as pessoas que sejam proprietárias delas informem aos seus herdeiros, ou pelo menos deixem por escrito, através de testamento, por exemplo, a existência da carteira de moedas virtuais, em qual aplicação ela está armazenada e as suas chaves de acesso, para que o inventariante e os herdeiros possam acessar e poder herdar esse patrimônio sem nenhum problema.
Já no caso de divórcio, a situação pode ser complicada quando um dos cônjuges realiza este investimento de forma oculta e não o declara em uma eventual partilha de bens. Como não é possível identificar corretamente o proprietários das carteiras virtuais, eventuais mediadas de oficiar as instituições financeiras para descobrir se existe alguma conta em nome da pessoa são inócuas. Aliás, esta é uma nova forma de ocultar o patrimônio e lembra muito os casos de contas não declaradas em paraísos fiscais.
Os advogados devem prestar atenção nisto e buscar assessorar corretamente seus clientes. Uma alternativa, nestes casos, é descobrir em qual plataforma de compra e venda de moedas virtuais a pessoa adquiriu as moedas virtuais e buscar alguma tutela judicial para que a plataforma forneça os dados de movimentações das contas vinculadas à pessoa que quer ocultar o patrimônio, bem como verificar através das transações bancárias com o dinheiro real, entre o usuário e as plataformas, quanto foi investido em moedas virtuais.
Outro ponto que merece destaque é que mesmo se algum dos cônjuges consegue encontrar patrimônio oculto sob a forma de moedas virtuais, não é possível solicitar judicialmente o bloqueio e a transferência destes valores e poderá ser necessária uma tutela de obrigação de fazer ou o cumprimento voluntário e espontâneo daquele que é proprietário da carteira virtual e portanto possui as chaves de acesso ao dinheiro virtual.
Ainda existem muitas questões em aberto e os advogados de família e sucessões devem informar os seus clientes para que eventualmente eles não sejam prejudicados pelo desconhecimento técnico sobre o assunto.
Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/moedas-virtuais-e-seu-impacto-no-direito-de-familia-e-sucessoes-02032018