Lawyer Plus Machine: A Lei de Kasparov e a advocacia na era da inteligência artificial
- Criado em 01/08/2018 Por LinkLei
Garry Kasparov é um Grande Mestre Enxadrista, nascido no ápice da Guerra Fria na então República Socialista Soviética do Azerbaijão, União Soviética, atual Azerbaijão. Colecionador de diversos títulos, inclusive o de campeão mundial de xadrez quando tinha apenas vinte anos, ele é tido por muitos como o maior enxadrista de todos tempos.
No entanto, o que lhe deu notoriedade de forma massiva foi sua batalha em 1997 contra o supercomputador Deep Blue, desenvolvido pela IBM, no encontro que ficou popularmente conhecido como “a última resistência do cérebro”. Após o embate, em que saiu como perdedor, Kasparov declarou de forma bastante pessimista que ele seria o “último humano campeão de xadrez”.
Contudo, após muito refletir sobre o evento, Kasparov recentemente mudou sua visão negativa sobre a evolução computacional. A máquina da IBM jogava xadrez com uma capacidade sobre-humana, mas tinha suas limitações. De fato, o Deep Blue é um exemplo perfeito de inteligência artificial estreita (ANI), aquela que é capaz de desempenhar atividades matemáticas que nenhum ser humano consegue – mas é só isso.
Enquanto o raciocínio de alto nível exige muito pouca computação, as habilidades preponderantemente humanas e tidas como fáceis ou banais por conta de sua naturalidade, tais como sensibilidade, percepção e versatilidade, tem sido extremamente difíceis para os robôs administrarem.
Kasparov, ao refletir sobre os campeonatos de xadrez freestyle, onde é permitida combinação de jogadores humanos e robôs, verificou que o supercomputador de xadrez Hydra não era páreo para um ser humano com um simples laptop. Em suas palavras, “a orientação estratégica, combinada com a precisão tática do computador, foi sobrepujante.”
No entanto, a maior surpresa veio no encerramento do evento. O vencedor não foi um grande mestre enxadrista com um computador de ponta, mas dois jogadores amadores utilizando-se de três computadores, o que o permitiu chegar a conclusão de que um homem médio mais máquina mais processo melhor é superior a um expert mais máquina mais processo inferior.
Assim, enquanto não alcançamos a inteligência artificial geral (AGI), o máximo que veremos são ANIs extremamente potentes e trabalhando em conjunto, o que não permite que se chegue nem perto da capacidade criativa humana, por exemplo. Em vez de nos preocuparmos com o que as máquinas podem fazer, devemos focar naquilo que elas estão longe de realizar.
As máquinas estão alcançando feitos notabilíssimos, mas também estão alcançando os limites práticos da ciência de dados, uma vez que, embora milhares de dados dizem pouco e bilhões de dados digam muito, trilhões de dados não são muito diferentes desses últimos. Além do mais, a contextualização e tomada de decisões com base nas informações das extraídas da big data é feita naturalmente por seres humanos, mas dificilmente por uma máquina.
A modernidade já está repleta de exemplos cômicos e trágicos na falha da máquina em contextualização. Um exemplo da inépcia das máquinas em adequar o contexto está relacionado a uma gíria russa para “chat online” que consiste nas três letras УЯТ do alfabeto cirílico. Usuários de redes sociais usam o termo como referência para sua audiência de colegas virtuais, algo como “olá, internautas!”. Contudo, УЯТ também é uma sigla para чувствительных ядерных технологий (УЯТ) – em português, Tecnologias Nucleares Sensíveis. Embora nenhum humano vá elevar a Escala Defcon por conta de jovens russos dialogando no Twitter, a história é um alerta para o fato de que, muitas vezes, as máquinas são ineficientes em traduzir o que humanos externalizam em seu cotidiano, permitindo que haja uma séria poluição dos dados que pode comprometer completamente o resultado da sua mineração.
A tecnologia permite que os advogados ganhem tempo, tornando-se mais produtivos, bem como verifiquem detalhes impercetíveis para olhos humanos em seus casos, ora pelo volume de documentos que devem analisar, ora por correlações que somente o aprendizado de máquinas é capaz de revelar com a sua detecção de padrões. E justamente porque máquinas são boas naquilo que os humanos são ruins e vice-versa, nós, advogados, devemos reconhecer as nossas fraquezas humanas e supri-las com a eficiência das máquinas a fim de produzirmos o melhor resultado possível que é a prestação dos serviços jurídicos com excelência.
Atualmente, detemos todo o conhecimento adquirido pela humanidade na palma da mão dentro de nossos smartphones (outboard brain) e o nosso grande desafio é lidar com esse bombardeio de dados que nossos cérebros recebem a fim de nos tornar melhores profissionais. Há um portfólio enorme de lawtechs disponíveis para melhorarmos a forma que advogamos e diversas iniciativas de capacitação e preparação para advogados. Desde que haja uma boa interface (UI) e seja proporcionado ao usuário uma experiência agradável e útil (UX), as lawtechs poderão ajudar os advogados a se capacitarem e as utilizarem de forma a explorarem todo o seu potencial. As oportunidades estão a vista para serem abraçadas, adotadas e incorporadas ao dia a dia da profissão.
Ao menos a médio prazo, a ininterrupta pesquisa e desenvolvimento em inteligência artificial apenas enfatizará a importância da inteligência dos advogados, uma vez que permitirá que eles deixem de lado trabalhos repetitivos e tediosos para se dedicarem ao que realmente importa. É previsivelmente inevitável que os advogados que vencerão no amanhã utilizarão tecnologia de ponta para melhorar os resultados e aprimorar procedimentos, tudo isso aliado a uma forte inteligência relacional humana. Até mesmo os algoritmos mais avançados são apenas ferramentas para que possamos expandir as nossas habilidades e o nosso conhecimento.
Além disso, não é só a colaboração com máquinas que moldará o futuro da advocacia, mas também a formação de equipes interdisciplinares envolvendo outros campos do conhecimento humano, como tecnologia da informação, estatística e engenharia, a fim de que se alcancem soluções qualitativas para os clientes.
Enquanto ainda não viramos redundantes pela evolução tecnológica, a solução é utilizar as inúmeras ferramentas que vêm sendo desenvolvidas para exercermos a advocacia do Século XXI, amplificada pela tecnologia da informação, focada na criatividade e impulsionada por técnicas como gerenciamento de projetos, gestão de informação, design thinking, automação de documentos e ciência de dados. Pedindo licença pelo truísmo, a soma advogado mais tecnologia supera advogado sem tecnologia.
Daniel Becker e Pedro Lameirão
Fonte: https://www.lexmachinae.com/2018/05/16/lawyer-plus-machine-a-lei-de-kasparov-e-a-advocacia-na-era-da-inteligncia-artificial/
Anônimo
Arthur Bicudo Furlani
Advogado