Every Breath you take II: Scotus decide sobre a necessidade de mandado judicial para obter dados de localização coletados de celulares
- Criado em 13/08/2018 Por LinkLei
No dia 22 de junho de 2018, a Suprema Corte dos Estados Unidos, por maioria (5 x 4), em uma decisão inédita e importante sobre privacidade na era digital, decidiu restringir o acesso da polícia aos dados de localização de telefones celulares determinando que, para tanto, seja necessário um mandado judicial.
Dessa maneira, a Corte decidiu em favor de Timothy Carpenter, que foi condenado por vários assaltos à mão armada com a ajuda de dados de localização de seu celular, que o ligaram às cenas dos crimes.
Relembrando o caso, Carpenter desafiou a admissibilidade dessas informações argumentando que foram obtidas sem ordem judicial o que afrontaria a Quarta Emenda e o SCA (Store Communications Act). Foram reunidas 12.898 localidades diferentes de Carpenter pelo período de 127 dias. Os registros mostraram que o telefone de Carpenter estava por perto quando vários dos assaltos aconteceram. Ele foi condenado e sentenciado a 116 anos de prisão.
A Constituição deve levar em conta as grandes mudanças tecnológicas, escreveu o presidente da Suprema Corte, John G. Roberts, observando que os dados digitais podem fornecer uma visão abrangente, detalhada e intrusiva dos assuntos privados que seria impossível imaginar há alguns anos.
E o presidente da Suprema Corte americana ainda completou: “embora a doutrina de terceiros se aplique a números de telefone e registros bancários, não está claro se sua lógica se estende à categoria qualitativamente diferente de registros de sites de celular”. “Afinal, quando Smith foi decidido em 1979, poucos poderiam imaginar uma sociedade em que um telefone fosse onde quer que seu proprietário fosse, transmitindo à operadora de telefonia celular não apenas dígitos discados, mas um registro detalhado e abrangente dos movimentos da pessoa”.
A decisão estabeleceu exceções para emergências como ameaças de bomba e seqüestros de crianças. “Tais exigências”, escreveu ele, “incluem a necessidade de perseguir um suspeito em fuga, proteger indivíduos que estão ameaçados de dano iminente ou impedir a destruição iminente de evidências.
Nesse sentido e observando a lógica da decisão, a necessidade de mandado aplicar-se-ia a outros dados digitais que podem fornecer informações pessoais de um indivíduo incluindo e-mail e mensagens de texto, pesquisas na internet, registros bancários e de cartão de crédito.
Vale pontuar que o entendimento da Suprema Corte sugere um marco para a União Americana de Liberdades Civis (ACLU), uma vez que obtenção de dados a partir da localização de um celular sem uma ordem judicial e pautado apenas em uma suspeita por parte dos policiais demonstra um nítido abuso ao direito à privacidade. Tal argumento jurídico foi adotado pela Suprema Corte que reconheceu que a Quarta Emenda deve se aplicar a registros de tal amplitude e sensibilidade.
O juiz Roberts pontuou que “mapear a localização de um celular ao longo de 127 dias fornece um registro abrangente do paradeiro do detentor“, citando uma opinião anterior. “Assim como as informações de GPS, os dados com registro de data e hora fornecem uma janela íntima para a vida de uma pessoa, revelando não apenas seus movimentos específicos, mas também suas” associações familiares, políticas, profissionais, religiosas e sexuais“.
Em uma dissensão, o juiz Anthony M. Kennedy disse que os “registros de localização de aparelhos celulares são especialmente adequados para ajudar o governo a desenvolver uma causa provável para apreender alguns dos criminosos mais perigosos do país: serial killers, estupradores, incendiários, ladrões e assim por diante”.
Todavia, a maioria dos juízes rejeitou a idéia antiquada de que voluntariamente renunciamos a nossa privacidade apenas por possuirmos dispositivos digitais. Foi rechaçado o argumento de que as pessoas consentem acerca da revelação de um abrangente arcabouço de informações por utilizarem um celular.
Diante do exposto, faz-se necessário tecer algumas observações sobre a decisão acima mencionada:
- A Quarta Emenda não é estática. Com a evolução da tecnologia e, consequentemente, em face da facilidade de fazer algumas pesquisas ou com o surgimento de novas técnicas, as proteções jurídicas da Quarta Emenda também devem progredir.
- As pessoas têm a expectativa razoável de que a sua localização e outros dados obtidos pelo celular sejam mantidos em sigilo.
- A Corte também apontou que tais dados não são compartilhados de maneira voluntária e por meio de consentimento expresso. Esses aparelhos. apenas por estarem ligados. emitem sinais para as torres de telecomunicações gerando dados.
- Restou, ainda, consignado que o acesso a sete dias de dados é suficiente para levantar as preocupações e possíveis violações a Quarta Emenda.
Como apontado anteriormente, o caso em análise demonstra uma tendência da Suprema Corte americana em adaptar as regras da Quarta Emenda em face da quarta revolução tecnológica.
Um ponto que norteou o entendimento dos juízes é a facilidade de obter dados e informações por meio das atividades de um celular. Em resumo, terceiros, como provedores de aplicações de internet que recebem e transmitem dados sensíveis, não devem ser obrigados a fornecer dados pessoais sem ordem judicial. É certo que surgirão litígios sobre a coleta de outras informações, incluindo potencialmente informações de localização em tempo real.
Ademais, com essa decisão, a Corte reconhece que as nossas vidas são constantemente registradas online e, assim, as expectativas nesses espaços estão mudando. Muitas pessoas acreditam que as proteções designadas às suas propriedades e os seus efeitos devem ser estendidos para as plataformas digitais.
Por último, a Suprema Corte americana orienta que as plataformas digitais que detenham formas de coletar a localização de seus consumidores devem esperar uma ordem judicial ou pelo menos argumentar que um mandado é necessário se lhes for requerido que forneçam tais informações para auxiliar uma investigação judicial.
Por: Daniel Becker e Kizzy Mota
Fonte: https://www.lexmachinae.com/2018/07/05/every-breath-you-take-scotus-mandado-judicial-dados-localizacao-celulares/
Tamyris Michele Padilha
Advogado