Direito digital versus tecnologia?
- Criado em 04/06/2019 Por LinkLei
Não, direito digital + tecnologia!
O mundo globalizado e interconectado via transmissão da informação imediata em tempo real, trouxe um consectário pelo qual tudo o que acontece em qualquer lugar e a qualquer tempo, repercute e reverbera de modo incoercível, imediatamente em toda parte. A informação, a notícia, os sons e imagens, as culturas e contraculturas, a nova tecnologia descoberta a cada dia, os avanços científicos, os fatos sociais e políticos positivos e negativos, os acidentes ecológicos, guerras e doenças, dentre outros eventos, são compartilhados em tempo real por grande parcela da humanidade.
Esse fenômeno gera influência direta e imediata na sociedade global convergente, provocando respostas e demandas de toda parte, como também interferindo na conduta dos seres humanos por ele afetados individualmente.
Evidente, pois, que o mundo dos negócios privados e das instituições públicas, globalmente interligados em suas complexas e múltiplas faces e relações, não ficou fora dessas profundas alterações que a veloz transmissão de dados por linha telefônica, fibra óptica, via satélite, ondas de rádio ou infravermelho, imprimiu na realidade concreta. Com as mudanças que ocorrem dia a dia, melhor, segundo a segundo na era do tempo real, a quebra de paradigmas e o deslocamento virtual dos negócios são ocasionados pela incessante e acelerada mudança de conceitos, estruturas e fórmulas de trabalho, que emergem da velocidade das transformações tecnológicas influenciadoras dessa nova realidade.
Essa imposição evolutiva de crescente realidade tecnológica presente na vida da sociedade humana em caráter permanente, desde que se deflagrou passou a ser denominada de era da informação ou terceira onda, e transformou o mundo na indigitada aldeia global.Assim, o surgimento da tecnologia digital culminando com a criação da Internet, tornou a informação o bem mais precioso do planeta e possibilitou em seu fluxo, três vantagens preciosas: 1) velocidade crescente na transmissão de informações; 2) origem descentralizada dessas informações e 3) caráter de riqueza inesgotável ínsito à própria informação.
No Brasil, o surgimento relativamente recente em seu ordenamento positivo, de uma nova Lei, nº 12.965/2014 chamada de Marco Civil da Internet, somado a um conjunto de outras regras legais antecedentes, promoveram a amplificação da importância de um novo campo do conhecimento jurídico, que passou a se denominar de direito digital.
Então, essa nova disciplina jurídica que veio para ficar dada a inexorabilidade dos instrumentos tecnológicos que se propagam diariamente em novas modalidades nessa tal Era da Informação, assume em nosso país tanto quanto ao redor do mundo, uma importância fundamental na regulação de relacionamentos pessoais e jurídicos, sejam no campo dos contratos, da arbitragem, dos negócios jurídicos em geral, do comércio eletrônico, da propriedade intelectual em meios digitais, da privacidade e da liberdade de expressão, responsabilidade civil, crimes eletrônicos e da gestão do risco eletrônico no âmbito de uma sociedade digital, como sobretudo naquilo que se refere à segurança de informação, meios de pagamento e proteção de dados pessoais.
Vê-se, portanto, nessa sucinta abordagem, que o tema é inesgotável e atinge todo o universo das inter-relações humanas e entre estados autônomos e independentes, o que permite vislumbrar o natural caminho de evolução de um direito digital internacional, fundamentado em um tecido múltiplo de tratados e convenções internacionais de natureza digital.
Após esse breve preâmbulo em que se buscou sublinhar o universo onde gravita o direito digital, passamos a dar destaque ao cerne fundamental dessa breve análise que diz respeito à proteção de dados pessoais. Nesse particular, temos que o Brasil vem de editar a sua Lei Geral de Proteção de Dados, Lei nº 13.709 de 2018, que dispõe sobre a proteção de dados pessoais e altera a Lei 12.965/2014 o Marco Civil da Internet, dispondo sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou jurídica pública ou privada, com o objetivo de proteger direitos fundamentais tais como, o de liberdade e privacidade com vistas ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Essa norma legal se encontra em período de vacatio legis, posto que embora já editada e publicada em 15 de agosto de 2018, somente entrará em vigor em agosto de 2020 (Medida Provisória 869 de 27 de Dezembro de 2018).
De qualquer forma, somos de opinião que, nada obstante o período de vacatio legis acima, é certo que de jure condenado, as regras programáticas que emanam desse estatuto legal direcionarão, desde logo, a aplicação do direito novo nos conflitos de interesse emergentes, apenas ressalvadas as penalidades previstas na LGPD, que somente poderão ser imputadas após sua efetiva entrada em vigor. No que tange, todavia, às regras de validade e estruturação do sistema, nosso ordenamento legal por meio de sua Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, permite que o juiz, ante a omissão da lei, decida de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, o que permite se trazer a solução por analogia com as regras, princípios e conceitos do sistema legal da LGPD.
Na prática significa que dentro do novo ambiente criado pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), as relações jurídicas, contratuais, de responsabilidade civil etc, passam a ser regidas por essas novas regras, que também tipificam os delitos penais. Assim, a aplicação dos princípios até então vigentes no que tange à neutralidade e privacidade dos dados dos internautas brasileiros em sede de: telecomunicações, provedores de internet, provedores de aplicativos (desde ‘internet banking’, passando por aplicativos de trânsito, táxi, compras, entregas etc), portais de conteúdo, mídias sociais, computação em nuvem (‘cloud computing’), navegação de usuário, geração de dados métricos em marketing digital e mesmo Big Data, passam a ser submetidos às regras desse novo contexto legal, que maximiza proteção de dados.
Esse novo estatuto legal regula o tratamento de dados pessoais nos meios digitais, por pessoas naturais ou jurídicas, públicas ou privadas, dentro do propósito de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, provendo o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Traz expresso em seu artigo 2º os fundamentos em que se baseia para atingir seus objetivos, dos quais destacamos o respeito à privacidade, a liberdade (de expressão, opinião, informação e autodeterminação informativa) e também de (iniciativa e concorrência e desenvolvimento da personalidade), a inviolabilidade (da intimidade, honra e imagem) o desenvolvimento (econômico e tecnológico), e a inovação,dentro de um cenário que observa a defesa do consumidor, os direitos humanos e o respeito à dignidade e à cidadania das pessoas.
Concluindo, é nesse novo contexto de desafio para o empresariado que se faz necessária a união da tecnologia e do direito digital. É fundamental que essas disciplinas caminhem juntas fornecendo suporte uma à outra. Cada vez mais advogados precisarão de evidências forenses para embasar as teses jurídicas e de outro lado antes de qualquer implementação tecnológica será necessária a correspondente orientação jurídica para se garantir que uma nova plataforma ou serviço não incorra em alguma quebra de regulamentos ou legislação.
A integração dos times GRC (Governança, Risco e Conformidade), jurídico e tecnologia se faz mandatória para garantir não apenas a imagem e operação das empresas, mas também em última instância o respeito às liberdades individuais da pessoa.
Por: José Ricardo Maia Moraes e Maurício Palmeira Filho*
Fonte: IT Forum 365
*José Ricardo Maia Moraes é diretor-executivo da Neotel Segurança Digital e Maurício Palmeira Filho é sócio da Palmeira Filho & Nahass Advogados Associados.