Como as novas tecnologias podem contribuir com as varas de execuções criminais brasileiras
- Criado em 06/09/2018 Por LinkLei
Este artigo tem por objetivo sugerir o uso dos comandos do Smart Contract, ou contrato autoexecutável, no cumprimento de alvarás de soltura junto às Varas de Execuções Penais Brasileiras.
1. Fotografia atual da população carcerária nacional
2. Comandos do Smart Contract
3. Aplicação dos comandos na justiça penal
4. Conclusão
1. Fotografia atual da população carcerária nacional
A população carcerária brasileira ultrapassou a marca de 726,7 mil reclusos, o que faz do Brasil o terceiro país do mundo em maior população atrás das grades.
A confirmação desses dados se deu graças a implementação do Cadastro Nacional dos Presos, do CNJ: um banco de dados contendo informações de todos os presos a nível nacional e em tempo real pelo programa BNMP2.0, objetivando o monitoramento dos mandados de prisão e de soltura, seus cumprimentos.
Operando desde maio de 2018 em nível Nacional, o CNJ apresentou neste mês de agosto de 2018 relatório com dados e estatísticas sobre a população carcerária nacional, onde se extrai que do total de presos, mais de 40% encontra-se recluso ainda sem condenação.
Além disso, temos uma parcela de presos que cumpriram integralmente a pena, com alvará de soltura expedido e não cumprido, agraciados com indultos, com pena prescrita ou, ainda, que já atingiram os requisitos para progredir de regime.
Não se sabe ao certo a porcentagem exata das pessoas que estejam presas no Brasil irregularmente, mas sabe-se que além de custar a liberdade desse cidadão, o que é impossível de se atribuir um valor, certo é que efetivamente custa dinheiro ao Estado, mais precisamente cerca de R$ 2.400,00/mês por preso, ao erário público.
Ressaltamos que, pelo Sistema Penal Brasileiro, é necessário o presidiário REQUERER e provar em juízo o fundamento do seu pedido de soltura ou progressão de regime, acostando aos autos o boletim informativo ou demonstrando o indulto. Isso nunca se dá de ofício.
Em outras palavras, se hoje um recluso finaliza o cumprimento de sua pena, tem de aguardar o peticionamento de seu advogado requerendo a soltura, a juntada dessa petição pelo cartório, ainda que digitalmente, a remessa aos autos com vista ao MP, o retorno deste ao Magistrado, para somente após todo este trâmite, que pode levar meses, ser expedido o alvará junto à penitenciária.
Isso quando o preso tem procurador constituído….
A situação é tão complexa, burocrática e absurda no país, que todos os anos tanto a Defensoria Publica quanto a OAB realizam mutirões para atender os presos desassistidos de advogados, para que se possa solicitar a liberdade dos mesmos.
Em plena revolução tecnológica, é inconcebível cogitar que para requerer a LIBERDADE de um cidadão que já obteve o direito à liberdade, por qualquer motivo que o seja, prescinda de um peticionamento em Juízo, ficando refém da demora do Judiciário.
A título de exemplo, em dezembro de 2015, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro constatou que somente naquele estado haviam 5.086 casos de presos que poderiam estar em liberdade, levando a Defensoria Pública a ingressar com 1.440 habeas corpus.
E esta condição de permanecer encarcerados presos que poderiam estar em liberdade custa, somente ao estado do Rio de Janeiro, R$ 67 milhões ao ano.
Além do custo de manutenção dos presos, cabe também ao Estado indenizar este cidadão que ficou preso além do tempo devido, o que acaba por impactar em outro problema: a superlotação.
Em recente julgado, de fevereiro de 2017, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Estado deve indenizar moralmente o preso que permaneceu recluso em cela superlotada, pois é dever da União prover infraestrutura mínima e com dignidade para o cumprimento da pena.
2. O que é a tecnologia Smart Contract – comandos
O conceito de Smart Contract surgiu em 1997, por criação do jurista Nick Szabo, porém ganhou destaque nos últimos anos com a criação da moeda Bitcon, através da rede Blockchain, com as operações transacionadas pelos Smart Contracts.
Segundo Pedro Vilela Resende Gonçalves em seu artigo “Blockchain, Smart Contracts e “Judge as a Service” no Direito brasileiro”, “Uma maneira de delinear a ideia de Smart Contract e a de que este é a representação de um acordo no qual se verifica o cumprimento de uma condição anteriormente estabelecida, a qual ocasiona uma consequência, também previamente consentida. Assim, o funcionamento do Smart Contract segue a lógica “se X, então Y”, contida no código pelo qual o contrato será regido.”
Apesar de conter em sua nomenclatura a palavra “contrato”, certo é que o Smart Contract nada mais é do que uma tecnologia pela qual inserem-se comandos – códigos – em seu registro, os quais condicionam uma ação ao cumprimento de outra, sendo que essa execução é automática e independe de ação humana prévia.
Em outras palavras, “Os smart contracts são scripts (códigos de computador) escritos com linguagens de programação, sendo os termos do contrato sentenças puras e comandos no código que o forma”.
As possibilidades de aplicação dos Smarts Contracts são incontáveis e vêm sendo objeto de muitos artigos acadêmicos no Brasil e no mundo, dado a sua característica peculiar de dispensar a ação humana e eliminar intermediários.
3. Aplicação dos comandos na Justiça Criminal
Considerando que hoje a Justiça Criminal faz uso do BNMP2.0, seria muito interessante aliar este programa à tecnologia e comandos dos Smarts Contratcs, incluindo como parte integrante dessa rede as penitenciárias, delegacias, cartórios e Varas de Execuções Criminais.
Aplicar a tecnologia do Smart Contract nesta base de dados contribuiria imensamente para mudar o cenário catastrófico em que vivemos hoje, no que tange à realidade prisional brasileira.
Com a inserção do tempo inicial e o final da pena, ao concluir o prazo, lance-se um comando ao Poder Judiciário e ao presídio para a soltura do cidadão; avisar-se-ia também quando da possibilidade de progressão de regime. Se há remissão no cumprimento da pena, inclui-se a informação no código para que se faça o cômputo correto, dentre outras muitas possibilidades que essa tecnologia permite.
Quanto aos indultos, uma vez que o banco de dados com as informações integrais dos presos encontra-se atualizado, ao lançar as condições do indulto, os presos que se encontram naquela condição poderão ser agraciados automaticamente com a saída imediata, pois haveria comunicação direta com o presídio no qual o recluso encontra-se.
Frisa-se que, não obstante o BNMP2.0 tenha trazido muita inovação e acelerado os trâmites do processo penal, certo é que a condição de peticionamento prévio a fim de requerer a liberdade de um preso persiste.
Nesta hipótese que sugerimos, a problemática de presos desassistidos de advogados e que, portanto, não conseguem requerer de imediato a sua liberdade, é resolvida.
Com a aplicação dessa tecnologia não mais seria necessária a intermediação, pois haverá segurança nos dados obtidos e, com fundamento justamente nessa confiabilidade, é que os alvarás de solturas poderão ser expedidos automaticamente com a comunicação imediata com o presídio.
4. Conclusão
As novas tecnologias estão sendo timidamente testadas e inseridas em nosso dia a dia, porém será questão de tempo para que acabem por dominar nossa rotina pessoal, empresarial e governamental.
É claro que, para a aplicação dos comandos dos Smart Contracts nas Varas de Execuções Criminais de forma satisfatória, não só é necessária a inclusão da tecnologia em si no sistema, como também a alteração na Lei de Execução Penal.
Aplicar as melhorias que os avanços tecnológicos trazem junto ao Poder Judiciário e em favor do direito à liberdade é sem dúvida alguma utilizá-las da melhor forma possível, agregando valor social às mesmas.
Por fim, agradecimentos ao querido professor, advogado e empreendedor Renato Saraiva, pelo desenvolvimento dos insights, que originaram o presente trabalho.
Fonte: https://www.lexmachinae.com/2018/09/05/novas-tecnologias-varas-de-execucoes-criminais-brasileiras/
Por: Julia Dutra Magalhães e Gabriela Barreto