Amazônia, compromissos ambientais e o (des)acordo entre Mercosul e União Europeia
- Criado em 27/08/2019 Por LinkLei
As repercussões da crise na Amazônia fragilizam a concretização de importante acordo para o Brasil
Com o mundo cada vez mais ciente do aumento vertiginoso das queimadas e, por consequência, do desmatamento do bioma Amazônia, surgem repercussões drásticas ao Brasil. Não bastasse o grave escândalo ecológico e humanitário, as consequências desse quadro alcançam níveis sensíveis contra os objetivos tutelados pelas relações internacionais estabelecidas pelo Estado brasileiro.
No recente acordo entre Mercosul e a União Europeia – intermediado por cerca de vinte anos de negociações diplomáticas entre as nações – , para que sejam firmadas as variadas concessões tarifárias, comerciais, econômicas, jurídicas e políticas deverão ser cumpridos compromissos ambientais expressos, os quais, confrontados com o momentum por que passa o Brasil, geram indiscutível necessidade de revisão do modo pelo qual a ordem político-jurídica brasileira lida com tais obrigações firmadas.
Melhor dizendo: toda a gama das concessões político-econômicas almejadas pelo acordo está diretamente ligada à observação de objetivos específicos fixados, dentre eles o compliance ambiental do Brasil face às medidas fixadas pelo acordo.
O contexto agrava-se, na medida em que notícias dão conta dos pronunciamentos da França, Alemanha e Irlanda, através de avisos diretos ao atual governo brasileiro apontando oposição à assinatura1. O cumprimento do recentíssimo acordo entre Mercosul e a União Europeia parece distanciar-se da efetiva concretização. Além de uma crise ambiental, geram-se extensas repercussões políticas e econômicas despercebidas pelo Estado brasileiro, que fragilizam, portanto, a manutenção de todos os essenciais benefícios prometidos pelo acordo.
É de se ressaltar que no aludido acordo celebrado no último dia 28/06/2019,2além de medidas de reciprocidade em nível de Direito Tributário (reajustes tarifários em importação e exportação), de Direito Civil (Direito de Propriedade Intelectual) e também de Direito Administrativo (Licitações e Compras Públicas), há, em contrapartida, expressos compromissos de Direito Ambiental intitulados como “Medidas Sanitárias e Fitossanitárias” e “Comércio e Desenvolvimento Sustentável’’.
Nas Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, estipulou-se o objetivo: “Proteger a vida e a saúde humana, animal ou vegetal no território das partes, bem como facilitar o comércio entre as partes no âmbito da implementação das disposições sanitárias e medidas fitossanitárias”, diretamente ligada à regulação de agrotóxicos.
Por outro lado, no capítulo dedicado ao “Comércio e Desenvolvimento Sustentável’’ o Brasil obrigou-se a reconhecer “a importância do manejo florestal sustentável e o papel do comércio na busca desse objetivo e da restauração florestal para conservação e uso sustentável”. Ou seja, condição fragilizada pelo recente e perturbador índice de conservação do bioma Amazônia, cuja crise ocupa as mídias nacional e internacional.
Não há discussão, como visto, quanto à intrínseca obrigação implicada ao Estado brasileiro ao cumprimento de adequação de todo o complexo de gestão política, legislativa e jurídica em conformidade com os citados compromissos ambientais estipulados no referido acordo internacional, ainda que o instrumento não tenha sido incorporado pelo direito doméstico no parlamento de cada país interessado. São condições prévias para o acordo tomar forma e ser concretizado. Vale dizer: a política e a economia dependem desse compliance ambiental, é inescapável tal relação.
Para além dessas obrigações, no acordo ainda fixou-se que União Europeia e Mercosul “comprometem-se, de acordo com os europeus, a implementar efetivamente o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, que inclui, entre outros assuntos, combater o desmatamento e a redução da emissão de gases do efeito estufa”. As mudanças climáticas incluem-se no acordo, exigindo observação das medidas de combate a seu agravamento pelo Estado brasileiro.
Sem sombra alguma de dúvida, não apenas pelo que já ocorreu, mas pela atual retórica irretocável do Poder Executivo sobre a Amazônia (discussão sobre as causas do aumento de queimadas e desmatamento), somado ao descumprimento e desrespeito (por que não falar omissão) aos aludidos compromissos ambientais fixados, cada vez mais o Brasil se afasta dos benefícios almejados pelo acordo internacional, gerando, inclusive, potenciais embargos e sanções ao comércio brasileiro3.
Esse acordo, com vinculação direta ao Direito Internacional Público, mais do que nunca exige um compliance ambiental, com o respeito à sensível situação a que estão submetidos a Amazônia e o estado de coisas da governança ambiental brasileira. É momento crucial de constatar o que se concebe por desenvolvimento sustentável, aquele em que mundialmente se defende a união dos níveis social, econômico e ambiental, com matriz socioambiental forte.
Com isso, o Estado brasileiro, por seus três poderes, deve agir, revendo, por exemplo: a) cortes orçamentários e de pessoal na gestão ambiental no Poder Executivo Federal (como nos órgãos e fundos de ajuda internacional – como Fundo Amazônia); b) a concertação dos pontos controversos nas legislações e nos projetos de lei em análise pelo Congresso (agrotóxicos e licenciamento ambiental); e c) a atuação do Poder Judiciário quanto às repercussões jurídicas pelas omissões e descumprimentos ao ordenamento legal ambiental interno e externo.
Há um evidente desacordo entre o que as autoridades brasileiras esperam das benesses do Acordo Mercosul-União Europeia e aquilo que de fato deve ser implementado, subestimando-se as condições ambientais nele exigidas. Deve-se rever do discurso à prática estatal, assim como a postura de toda o complexo industrial e empresarial privado dependente das concessões do acordo.
Logo, imprescindível que o Estado brasileiro estabeleça uma concepção unívoca da importância do bioma Amazônia e da observação do complianceaos compromissos ambientais internacionais do Acordo Mercosul – União Europeia, no enfrentamento dos desafios ecológicos, evitando, no mesmo passo, a possibilidade extrema de um grave desacordo com as nações integrantes, sob pena de distanciamento irreversível dos indiscutíveis objetivos almejados pelo instrumento.
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1 França se opõe a acordo Mercosul-EU; presidente acusa Bolsonaro de mentir sobre clima. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/08/23/franca-se-opoe-a-acordo-mercosul-ue-presidente-acusa-bolsonaro-de-mentir-sobre-clima.ghtml Acesso em 23/08/2019.
2 Inteiro teor do “Acordo Mercosul – União Europeia”. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/20626-texto-do-acordo-mercosul-uniao-europeia Acesso em 23/08/2019.
3 “Pela Amazônia, convocações de boicote a produtos do Brasil começam a se espalhar”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/patriciacamposmello/2019/08/pela-amazonia-convocacoes-de-boicote-a-produtos-do-brasil-comecam-a-se-espalhar.shtml Acesso em 23/08/2019.
BRUNO TEIXEIRA PEIXOTO – Advogado, Pós-graduando em Direito Ambiental e Urbanístico (Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina/CESUSC).