A necessidade de mudança de mindset dos operadores do Direito
- Criado em 24/06/2019 Por LinkLei
Alterações em decorrência de novos contornos de mercado e de empresa
Nos últimos meses os empreendedores brasileiros presenciaram uma série de alterações legislativas, promovidas pelo Governo Federal, como reflexo da constatação da necessidade emergente de alteração da estrutura governamental altamente burocrática, intervencionista e regulatória, que há tempos vinha obstaculizando o crescimento e desenvolvimento econômico e mercantil do país.
Em um país com mais de 12 mil startups já em operação1, foi apenas com a Lei Complementar nº 167, de 24 de abril de 2019, que a primeira regulação sobre startups se positivou, com a Sessão II “Do Apoio à Inovação e do Inova Simples da Empresa Simples de Inovação”.
Em seu art. 65-A, a referida lei conceituou startups como sendo empresas de caráter inovador, que se desenvolvem em condições de incerteza, requerendo, pois, experimentos e validações constantes, podendo ser de natureza incremental ou disruptiva. De acordo com a lei, seria uma startup incremental aquela destinada a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos já existentes e startup disruptiva aquela destinada à criação de algo totalmente novo.
Uma vez preenchidos os requisitos para fins de enquadramento da empresa como Startup, será permitido ao empreendedor fazer uso do Inova Simples, um regime especial simplificado e automático para fins de abertura e fechamento de empresas, a ser realizado em sítio eletrônico oficial do governo federal, com a possibilidade de integração e comunicação direta com o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Vejam que o Inova Simples torna acessível aos pequenos e médios empreendedores, em início de atividade empresarial, que ainda sequer se constituíram formalmente, o que representa parcela considerável de empreendedores em fase embrionária de desenvolvimento de uma ideia, projeto ou startup, a possibilidade de, ao invés de proceder à abertura pela via custosa e demorada do registro na Junta Comercial de seus respetivos Estados, realizar o procedimento por uma via mais rápida, simples e econômica, totalmente online.
Ainda sobre a Lei Complementar 167/2019, a criação das Empresas Simples de Crédito (ESC), para realização de operações de empréstimo, financiamento e desconto de títulos de crédito, dentro dos seus limites de atuação, também retrata um benefício às startups, que se propõe a facilitar o levantamento de recursos, uma vez que, por não possuir estrutura robusta ou meios/instrumentos de garantia, o processo de captação pelas startups junto a instituições tradicionais de crédito possuía taxa de sucesso mínima.
Dando prosseguimento ao plano de alterações governamentais, em 30 de abril de 2019, na semana seguinte à publicação da LC 167/2019, o Governo Federal publicou a Medida Provisória nº 881/2019, a “Medida da Liberdade Econômica”, que tratou de instituir a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecer uma série de garantias de livre mercado, bem como realizar algumas alterações no Código Civil, dentre outras questões.
Sem a pretensão de esmiuçar todas alterações trazidas pelo referido texto legislativo, tampouco fazer uma análise crítica sobre os dispositivos legais e/ou processuais alterados e inseridos em detrimento à finalidade ao qual se prestavam a atingir, o ponto ao qual não se pode deixar desapercebido, nesse momento, é que a finalidade buscada com a medida provisória, nitidamente, foi fomentar o desenvolvimento e o crescimento econômico do país e, para isso, proporcionar liberdade entre as partes para contratar e exercer atividade econômica, o que é repetidamente assegurado ao longo dos dispositivos.
Outro ponto que merece destaque na Medida Provisória é que o setor privado ganha mais força e autonomia, de modo que o Estado passa a atuar de forma “subsidiária, mínima e excepcional”. Se estas alterações irão – ou não – refletir a realidade no mercado, teremos que aguardar as cenas dos próximos capítulos.
Importante observar que, embora a Medida Provisória nº 881 não traga disposições específicas sobre Startups, inovação ou empresas em fase embrionária de operação, incontroverso os reflexos diretos que ela trará para o ecossistema, tendo os empreendedores e/ou empresas, mais liberdade e facilidade para atuação no mercado e fluidez em seus negócios.
Finalmente, mas não menos importante, no mês de maio o Governo Federal publicou uma consulta pública para a elaboração do Marco Legal de Startups e Empreendedorismo Inovador, que aceitará contribuições até o dia 23 de junho de 2019. A finalidade é consultar e provocar a participação da sociedade civil para definir os melhores caminhos a serem seguidos na referida legislação, de modo que o texto final represente políticas públicas que, de fato, atendam os anseios e as necessidades no ambiente de inovação.
Com a atuação integrada do governo, parlamentares e membros de associações e instituições representativas do ecossistema das startups, a expectativa é de que o Marco Legal de Startups eleve a discussão e o ambiente regulatório sobre inovação na legislação brasileira a outro patamar, trazendo segurança jurídica e previsibilidade aos empreendedores em temas importantes, como business plan, relações trabalhistas, investimentos, incentivos fiscais, dentre tantas outras que hoje trazem vulnerabilidade ao negócio, ante a falta ou inadequada previsão legal.
Se antes o pronunciamento do mercado e dos investidores, principalmente externos, era de que o Brasil estava engatinhando, quando o assunto era facilitação e estímulo ao desenvolvimento e fomento às Startups, hoje podemos afirmar que os primeiros passos já foram dados. A expectativa para próximos meses? Que as referidas alterações externem resultados práticos efetivos, de modo que em um futuro próximo o país esteja estruturado para oferecer um ambiente atrativo aos negócios e aos investimentos.
É justamente nesse contexto que o presente artigo, sem qualquer pretensão de esgotar a discussão sobre o tema, suscita a reflexão sobre a conduta dos operadores do direito. Fato incontroverso que, conforme brevemente demonstrado acima, o país tem passado por alterações mercadológicas e comportamentais que já estão refletindo em sua estrutura legal.
O questionamento que se faz, portanto, é se nós, operadores do Direito, sejamos magistrados, promotores, advogados, doutrinadores ou estudantes, estamos preparados (e sobretudo dispostos) para enfrentar, atender e trazer as soluções jurídicas para estas novas demandas e seus contornos.
Há poucos dias me deparei com uma resenha de um brilhante jurista e professor em que, com o devido acatamento, proferiu várias conclusões equivocadas sobre a relação entre inovação e Direito. Dizer que o uso de Lawtechs pode ser tudo, menos Direito, ou ainda, que a inserção das novas tecnologias na seara do Direito representaria o seu fim demonstra, claramente, uma característica típica da estrutura rígida do sistema jurídico: o conservadorismo, a resistência em readaptação às transformações socias ou, me permitindo ousar um pouco, a insegurança em não acompanhar as referidas evoluções.
E ele não foi o único, nem será. Infelizmente o estrutura jurídica brasileira é enraizada sob a cultura da judicialização, com certa aversão a inovações, ainda que estas se insurjam com a proposição de facilitar ou auxiliar na realização do serviço. Justamente neste ponto é que a reflexão proposta deve ser instigada.
Muitas novas demandas, das quais o modelo tradicional de resolução de conflitos ou mesmo a legislação atual não preveem ou não comportam um resultado adequado às nuances do caso concreto já estão surgindo no mercado.
Seja para o advogado, ao assessorar seu cliente em casos consultivos ou contenciosos, seja para o magistrado, ao se deparar com lides envolvendo novas relações societárias, de trabalho ou de investimento, ou, ainda, sejam para os estudantes ou interessados no assunto: o momento para se debruçar sobre a matéria, enfrentar os novos instrumentos postos em disposição e, principalmente, utilizar a inovação e a tecnologia em favor da Instituição Jurídica já é carência do presente, o que reflete na necessidade de mudança de mindset de seus operadores e desconstrução da perspectiva do Direito como instrumento rígido que o é.
CAMILA BRAMBILLA COSTA – Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Educação Executiva em Direito em Startups pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER). Pós Graduanda em LLM em Direito Societário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Vice Presidente da Comissão de Startup, Proteção de Dados e Inovação da OAB/ES. Advogada e Startup Legal Advisor.