A escolha pela advocacia é apenas o começo
- Criado em 02/07/2019 Por LinkLei
As principais modalidades da advocacia e suas peculiaridades
Costumamos dizer que o operador do Direito é obrigado a tomar decisões quase sempre arriscadas e sem a maturidade necessária para a importância e consequência de tais atos.
Tudo começa no vestibular, quando precisamos escolher nossa profissão e, sem ao menos ter estudado o rol de direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição Federal, optamos pelo Direito.
Em muitos casos, a escolha pelo curso é exclusivamente baseada na sua facilidade em defender causas (justas, supomos) na infância, somada à facilidade nas matérias escolares de português, geografia e/ou história.
No que depender do tipo de criação, não é raro que um estudante, uma vez matriculado no curso de Direito e tendo iniciado as aulas, comece a sofrer pressões de familiares e amigos: a felicidade e reconhecimento profissionais parecem passar necessariamente pelo concurso público.
Em outro cenário também muito frequente, um estudante com criação diferente daquela narrada acima sente os mesmos tipos de cobranças e expectativas, com a diferença de que, para seus familiares e amigos, a carreira ideal se encontra nas grandes bancas da cidade.
Não importa qual seja a função pública ou o escritório, o tema do almoço de domingo é o mesmo, com familiares pregando de forma insistente a importância da estabilidade do cargo, bem como dos salários muito superiores à média do mercado.
Nesse cenário, escolher trilhar o caminho da advocacia equivale a ser “do contra”, ignorar o darwinismo ou, simplesmente, ter certeza de que nasceu para advogar. A julgar pelas nossas experiências, esse é, sem sombra de dúvidas, o momento mais difícil para um futuro advogado.
Talvez pela dificuldade, muitos advogados encaram a escolha pela advocacia/iniciativa privada como o ciclo final de sua formação profissional, ainda que busquem, paralelamente, seu aperfeiçoamento técnico, com formação em cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado.
Entretanto, passa despercebida pelo profissional em construção a necessidade de analisar seu perfil e compará-lo ao tipo de advogado e o nicho de mercado pretendido.
O presente artigo tem por objetivo traçar três tipos de modalidades/segmentos que podem parecer interessantes aos advogados em início de carreira, descrevendo o perfil de cada uma delas e suas particularidades.
1. O advogado das grandes bancas de advocacia
Começamos por essa modalidade por uma questão óbvia: quase todos os estudantes ou advogados recém-formados almejam trabalhar nas maiores e mais renomadas bancas de advocacia. E isso é magnífico.
Ser contratado por grandes escritórios é ter uma oportunidade única de desenvolver habilidades até então desconhecidas, como praticar idioma de língua estrangeira, participar juridicamente das grandes operações do mercado (daquelas que estão diariamente nos jornais, por exemplo) e, o mais importante, ser moldado por profissionais que são verdadeiras fontes do saber jurídico.
Porém, todos os benefícios descritos acima possuem uma grande e árdua contrapartida, considerando que nesse tipo de ambiente profissional os advogados são cobrados diariamente a darem tudo de si, com jornadas habituais de trabalho que superam em muito a média do mercado. Parafraseando o Plano de Metas do ex-presidente Juscelino Kubitschek, é como viver 50 anos em 5.
Não se trata apenas de vontade, mas também de o estudante/advogado conhecer seus próprios limites e reconhecer que a jornada é longa, uma verdadeira maratona. É frequente vermos os integrantes desses escritórios dando tudo de si durante 3 ou 4 anos e, após esse período, simplesmente abandonarem suas carreiras, física e mentalmente esgotados.
Isso tudo em um ambiente em que o tempo necessário para que um advogado vire sócio gira, em média, em torno de 10 a 15 anos. Portanto, é preciso ter combustível para toda a jornada.
Diversos profissionais atuam nessas tradicionais bancas por décadas, transformando-se em advogados renomados e bem-sucedidos, gestores de áreas importantes, com absoluta autonomia intelectual e financeiramente realizados.
De forma genérica, o profissional que se destaca nesse ambiente tem por característica o bom conhecimento técnico e o comprometimento integral com seu trabalho, não apenas em horário comercial, mas também trazendo para a sua vida pessoal o conceito de dedicação e disponibilidade full time.
Sendo assim, optar pela carreira em grandes escritórios é muito mais uma questão de perseverança e comprometimento integral com a carreira profissional, sabendo que rotineiramente será necessário adaptar sua vida pessoal às demandas profissionais, quase sempre emergenciais.
2. O advogado dos pequenos e médios escritórios de advocacia
Engana-se quem espera que essa modalidade seja um atenuante às dificuldades apontadas no tópico anterior. O advogado de pequenos e médios escritórios tem que ser integralmente comprometido com um serviço personalíssimo e atendimento full service de seus clientes.
Para um advogado ambicioso, é inegável que os pequenos e médios escritórios são uma atraente oportunidade de rápido (por vezes, meteórico) crescimento. Porém, também pode significar uma evidenciação desagradável de um despreparo e/ou falta de maturidade e postura profissionais.
A começar por um contato mais frequente com os clientes. Nas pequenas e médias bancas é comum que um advogado menos experiente tenha contato com clientes em um estágio mais precoce da carreira.
Essa é uma excelente oportunidade para o desenvolvimento de técnicas de abordagem profissional e comercial, com particular atenção às dificuldades enfrentadas pelo cliente e suas possíveis soluções jurídicas.
Evidente que tal oportunidade deve ser precedida de uma busca incansável pelo aperfeiçoamento técnico do profissional. Ao contrário dos grandes escritórios, a qualificação nesse tipo de ambiente quase sempre está na busca por cursos externos, sejam aqueles de longa ou curta duração. É o que possibilita ao advogado se imiscuir nas principais discussões doutrinárias e jurisprudenciais contemporâneas.
No entanto, a opção pelos pequenos e médios escritórios costuma ser mais arriscada e precisa ser bem calculada. Isto porque, a chance de estagnação profissional é muito maior, seja pela ausência de um ambiente extremamente competitivo, ou mesmo pela falta de casos desafiadores ou situações em que o advogado passa a cuidar de causas cujo tema lhe é exaustivamente repetitivo.
Isso sem falar no contexto macroeconômico, tendo em vista que as pequenas e médias bancas são as primeiras a sentirem os efeitos de eventual crise econômica, como aconteceu recentemente no Brasil. São situações em que demissões passam a ser frequentes, ainda que naturalmente ocorra um novo ciclo de contratações posteriormente. Isso tem enorme impacto na vida financeira pessoal, considerando as obrigações normais de todo cidadão.
Finalmente, talvez seja interessante aos advogados com perfil para esse tipo de escritórios, que façam uma constante revisão de sua atual situação no escritório, bem como uma avaliação do crescimento da própria banca, passando a observar indícios positivos ou negativos que lhe serão essenciais para a constatação do benefício ou prejuízo de continuar naquele posto de trabalho.
3. O advogado corporativo ou “in house”
Essa área da advocacia é extremamente relevante e desafiadora e requer uma formação completa do advogado. São exigidas capacidades que vão da estruturação de contratos trabalhistas até o auxílio em operações de fusões e aquisições (“M&A”), sendo necessário o mínimo de conhecimento de diversas áreas do Direito.
É verdade que muitas empresas delegam a escritórios terceirizados a representação de seus interesses em ações judiciais, porém, a presença do advogado corporativo será uma importante interface junto aos prestadores de serviço, sendo responsável pela entrega de relatórios de acompanhamento, revisão de trabalhos e esclarecimentos adicionais ao quadro diretivo da companhia.
No caso das multinacionais, o advogado interno ganha ainda mais relevância, uma vez que diversos questionamentos e teses jurídicas são apontadas pela matriz, quase sempre localizada em países estrangeiros, o que requer bom conhecimento técnico, boa interlocução e aptidão de língua estrangeira.
É comum que o advogado corporativo tenha relevância na elaboração dos mais diversos tipos de contrato da empresa, bem como seja uma importante fonte de consulta jurídica decorrente das atividades cotidianas de outras áreas da empresa. A matéria é vasta e compreende áreas como o Direito Societário, Tributário, Trabalhista, Ambiental e, até mesmo, Penal.
No que diz respeito ao plano de carreira, o advogado corporativo tem como grande vantagem os benefícios laborais geralmente acima da média do mercado jurídico, tendo em vista que, a negociação por melhorias salariais e benefícios ao trabalhador, em sua maioria, é feita pelo órgão representante de todos os trabalhadores da empresa (com grande representatividade), aumentando o apelo e as condições negociais.
De outro ângulo, a ascensão no setor é bem menos célere e obedece à uma hierarquia institucional da companhia. Ademais, há situações em que as contratações para as posições de direção e gerência jurídicas são realizadas de formal lateral, ou seja, de profissionais que estejam fora da empresa, majoritariamente advogados advindos de grandes bancas, onde o know how em resolução de conflitos e tomada de decisões emergenciais é robusto.
De forma geral, o advogado corporativo deve investir em desenvolver seus conhecimentos técnicos, ter uma percepção de longevidade na empresa e paciência em relação às promoções e bonificações, sendo importante valorizar os benefícios dados pela empresa, maior estabilidade e envolvimento em projetos a médio e longo prazo.
Conclusão
É evidente que as três modalidades de carreiras mais frequentes na advocacia não compreendem um rol restrito, havendo outras diversas formas de atuação no mercado.
É importante que os estudantes de Direito ou mesmo os advogados recém-formados busquem conciliar suas próprias características e ambições profissionais e pessoais com cada uma das áreas descritas acima, de forma a estarem minimamente preparados para os bônus e ônus de suas escolhas.
BRUNO CHATACK MARINS – Sócio de Contencioso Cível Estratégico e Direito do Agronegócio do Sigaud Marins & Faiwichow Advogados.
ALEX SCHUR FAIWICHOW – Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Extensão em Direito Tributário Internacional no Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Especialização em Master in Business and Management na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT)
Fonte: https://www.jota.info/carreira/a-escolha-pela-advocacia-e-apenas-o-comeco-28062019