QUIET PERIOD EM VOGA NA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS
- Criado em 03/10/2018 Por Arthur Martinelli
O Diretor da Comissão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Sr. Pablo Rentaria, Relator do processo administrativo sancionador CVM nº 19957.002327/2016-11 Reg. Col. nº 0392/2016, Rio de Janeiro, julgado em 30 de janeiro de 2018, demonstrou sua insatisfação com o instituto do Quiet Period (Período de Silêncio) vinculado às sociedades anônimas de capital aberto, propondo uma reflexão aos seus colegas, em relação à matéria[1]. Entretanto, importa a análise do regime, para devida apreciação dos pontos em quaestio, no intuito de compreender os fundamentos que levaram o presente pleito a ser explanado em plenário pelo próprio Presidente da Autarquia.
O Quiet Period foi introduzido nos Estados Unidos como intuito de evitar especulações com as ações em períodos que precedam mudanças na gestão, nos produtos ou mercados de atuação, mudanças essas capazes de gerar no investidor médio uma pressão para mudança de posição[2]. Todavia, o mercado tinha uma forma de processamento de dados. Negócios não eram céleres e informações não eram disseminadas rapidamente, como agora, do qual necessitou a regulamentação para acompanhar a evolução do mercado mobiliário.
O Comitê de Orientações para Divulgação de Informações ao Mercado (CODIM) que tem como objetivo discutir e sugerir a utilização das melhores formas de divulgação de informações das companhias abertas para os seus mais diferentes usuários, através de pronunciamentos de orientação a serem produzidos e ou disseminados no mercado por todas as entidades participantes direta ou indiretamente[3], editou, em 22 de setembro de 2009, pronunciamento de orientação nº 07 e em 11 de janeiro de 2012, pronunciamento de orientação nº 14, onde orienta as companhias a adotarem um período de silêncio antes da divulgação das demonstrações financeiras e o período de silêncio em ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, ou seja, duas modalidades.
Entretanto, o período de silêncio que precede a divulgação dos resultados trimestrais e anuais (demonstrações financeiras) foi inventado pelo mundo corporativo[4], já que não existe regulação obrigando tal silêncio. Denota-se que se tornou um tempo em que as companhias conseguem trabalhar, sem prestar contas ao mercado, sendo uma prática útil e eficaz nos dias atuais.
Já o silêncio em Ofertas Públicas, a CVM trouxe um modelo de quiet period como obrigatório para o ordenamento jurídico, com a Instrução CVM nº 400/2003, da qual dispõe que:
Art. 48. A emissora, o ofertante, as Instituições Intermediárias, estas últimas desde a contratação, envolvidas em oferta pública de distribuição, decidida ou projetada, e as pessoas que com estes estejam trabalhando ou os assessorando de qualquer forma, deverão, sem prejuízo da divulgação pela emissora das informações periódicas e eventuais exigidas pela CVM:
(...)
IV - abster-se de se manifestar na mídia sobre a oferta ou o ofertante até a divulgação do Anúncio de Encerramento de Distribuição nos 60 (sessentas) dias que antecedem o protocolo do pedido de registro da oferta ou desde a data em que a oferta foi decidida ou projetada, o que ocorrer por último; e
A redação deste dispositivo teve alterações em 2010, com a Instrução nº 482 e em 2014, com a Instrução nº 548, mas que ao contrário da subjetividade prevista em outras situações, impôs um período de silêncio de 60 (sessenta) dias.
Este período de silêncio, instituído especificadamente pela Instrução CVM nº 482/10, foi instituído precipuamente com o fim de: propiciar um acesso homogêneo dos investidores da companhia às informações que possam influenciar nas decisões de investimentos, evitar a disseminação de informações capazes de influenciar demanda e preço de valores mobiliários; permitir que haja um controle por parte da CVM em relação às informações divulgadas e evitar a divulgação de informações a agentes específicos do mercado, em detrimento do público geral.
A determinação do intervalo de sessenta dias se deu em decorrência do anseio dos participantes do mercado de capitais em ter informações mais objetivas sobre o período de silêncio. Frise-se que além de definir um período preciso para o início do silêncio, mesmo que discutível e determinados casos, concedeu às empresas à possibilidade de encurtamento deste período, desde que consigam comprovar que a oferta foi decidida com antecedência inferior aos 60 dias.
A questão relacionada ao período de silêncio acabou por trazer, também, previsão adicional, esclarecendo que as divulgações habituais de informações pelo emissor, que ocorrem no curso normal das atividades desenvolvidas, não devem ser interrompidas por conta da realização da oferta. Ou seja, o período de silêncio vale para manifestações na mídia, mas não impede que as empresas possam divulgar suas informações habituais ao mercado.[5]
Além destes, há um terceiro modelo, baseado no juízo subjetivo do Diretor de Relações com o Investidor (DRI), da qual o legislador importou e implantou da teoria do business judgment rule, a partir do § 6°, do art. 159 da LSA[6], que tem como base o silêncio vinculado em qualquer matéria envolvendo a companhia de modo indiscriminado, que nada mais é que um transplante, para norma do anonimato, de princípios gerais de direito.
Neste ínterim, referida regra sintética, cristalizadora de princípios[7] não estabelece nenhuma isenção de responsabilidade por fraude, má administração, decisões apressadas ou impensadas. Pelo contrário, exige do administrador um elevado de conduta e desempenho de sua atividade, visto que existe uma multiplicidade de situações em que um administrador, agindo com a maior lisura e boa-fé, pode tomar uma decisão errada, do ponto de vista de políticas de negócios e, com isso, causar prejuízos à companhia e seus insiders, inclusive com o silêncio.
Todavia, o que denota a insatisfação do Diretor da CVM é o segundo modelo de quiet period, previsto legalmente (CVM nº 400/2003) na qual a Comissão de Valores Mobiliários é acionada para analisar pedidos[8], termos de compromisso[9] ou até mesmo julgar determinadas condutas[10] constantemente, tornado um sistema inseguro na esfera jurídica e de aplicabilidade temerária pelas Companhias, especialmente em torno no marco temporal.
[1] “Por fim, antes de concluir este voto, gostaria de aproveitar o julgamento deste caso para propor, de maneira prospectiva, uma reflexão sobre o chamado “período de silêncio” das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários. De uma parte, os fatos abordados neste processo são, a meu ver, bastante ilustrativos do porquê se proíbe que as pessoas envolvidas na distribuição pública se manifestem na mídia sobre a oferta ou o ofertante. Nessa direção, parecem confirmar que, passados mais de quinze anos de vigência da Instrução 400, a vedação permanece atual e importante para a proteção do investidor. 38. De outra parte, cuida-se do segundo caso em que o defendente é absolvido, em razão de a manifestação na mídia ter ocorrido após a efetiva cessação dos esforços extraordinários de venda que caracterizam a oferta pública, muito embora dentro do “período de silêncio” estabelecido na norma, o qual, a rigor, só termina com a publicação do anúncio de encerramento da oferta. Tal fato constitui, a meu ver, um indício de que o marco temporal adotado no preceito normativo não seja o mais apropriado. Por isso, considero oportuno que, em futura reforma da Instrução CVM nº 400, de 2003, tal questão seja objeto de renovados estudos e debates, tendo em vista o aprimoramento da regulamentação do mercado de capitais.”
[2] OCHMAN, R. Atos Societários Relevantes. A companhia e os investidores. 1. Ed. São Paulo: Impressão Régia, 2013. Fls. 100.
[3] http://www.codim.org.br/ocodim.asp visualizado em 09 de junho de 2018
[4] http://ri.grendene.com.br/PT/Governanca-Corporativa/Periodo-de-Silencio. Visualizada em 18 de julho de 2018.
http://ri.camilalimentos.com.br/wp-content/uploads/sites/3/2017/12/Camil-Política-de-Divulgação-e-Negociação.pdf (Fls. 25 e 26). Visualizada em 18 de julho de 2018.
[5] MORAES, Luiza Rangel de Moraes (Autor). Doutrinas Essenciais Direito Empresarial: Mercado de Capitais. WALD, Arnold (Org.). A Revisão da Regulamentação sobre Oferta Pública para Distribuição de Valores Mobiliários – Inovações da Instrução CVM 482/2010. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. V.3º. Pág. 644.
[6] Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.
(...)
§ 6° O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia.
[7] Manne (1967) explica que a business judgment rule decorre da ideia de sociedade anônimas funcionando num sistema de livre empresa, acrescida da suspeita ou falta de familiaridade do século XIX com a regulamentação governamental. E acrescente que ela é a mais importante doutrina do direito das sociedades anônimas e, provavelmente, a menos entendida.
Para Hern (1970) a business judgment rule sustenta os negócios da companhia e imuniza os administradores contra a responsabilidade quando a transação: a) se circunscreve dentro dos limites dos poderes da companhia (intra vires) e dos limites de competência dos administradores; e b) envolve o exercício do dever diligência e fiel observância do dever de lealdade. (CORRÊA-LIMA, O.B. Sociedade Anônima. 3º ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 200-210).
[8] A Requerente deseja também ser dispensada das restrições impostas pelo art. 48 da Instrução 400/03 no que diz respeito ao período de silêncio. O período de silêncio se estende pelo prazo da oferta. Numa oferta tradicional, após o período de silêncio, o emissor pode se comunicar com o mercado nos termos da regulação. Contudo, no caso da Requerente, a oferta dos contratos derivativos seria contínua e por prazo indeterminado, impossibilitando qualquer comunicação com os investidores caso a regra do art. 48 prevalecesse para a Ofertante. O produto é novo no mercado, e o Requerente entende que precisaria prover uma assessoria técnica aos potenciais usuários da Plataforma Forex. Para isso criaria um call center e disponibilizaria na Plataforma relatórios, análises, pesquisas e notícias sobre o Mercado Forex (Processo Administrativo CVM nº RJ2010/9101 Reg. Col. nº 7276/2010).
[9] Trata-se de apreciação de proposta de Termo de Compromisso apresentada pelo Sr. André Santos Esteves, na qualidade de Diretor Presidente do Banco BTG Pactual S.A. ("Banco"), previamente à eventual instauração de Processo Administrativo Sancionador pela Superintendência de Registro de Valores Mobiliários – SRE, nos termos do § 3º do art. 7º da Deliberação CVM 390/01.
A CVM havia instaurado processo administrativo para apurar se as declarações prestadas pelo proponente à imprensa sobre a oferta pública de distribuição primária e secundária de units de emissão do Banco ("Oferta"), antes da publicação do anúncio de encerramento da Oferta e, portanto, durante o chamado período de silêncio, teriam caracterizado infração ao disposto no art. 48, inciso IV, da Instrução CVM 400/03. (APRECIAÇÃO DE PROPOSTA DE TERMO DE COMPROMISSO – PROC. RJ2012/4734 - BANCO BTG PACTUAL S.A.)
[10] O Colegiado, com base na manifestação da área técnica consubstanciada no Memo/SRE/GER-2/29/10, entendeu que as companhias abertas que praticam habitualmente ações de comunicação associadas à divulgação de seus resultados financeiros podem realizá-las ainda que estejam no "período de silêncio" a que se refere o inciso IV do art. 48 da Instrução 400/03, desde que todo e qualquer evento ou ação de comunicação venha acompanhado de um aviso, de teor a ser previamente aprovado pela SRE, alertando o público quanto (i) à existência de oferta pública de distribuição em curso ou em vias de ser realizada, conforme divulgado ao mercado, e (ii) à necessidade de qualquer pessoa interessada ler atentamente o prospecto divulgado ou a ser divulgado, especialmente a seção sobre fatores de risco, antes de tomar qualquer decisão com relação à oferta. O Colegiado ressaltou que a companhia aberta que adotar esse procedimento não estaria descumprindo o disposto no IV do art. 48 da Instrução 400/03.