A MPV Nº 881/19 E O FIM DA EIRELI?
- Criado em 30/05/2019 Por Arthur Martinelli
A MPV nº 881/19 intitulada como Declaração de Direitos de Liberdade Econômica apresentou ares de inovação, prestigiando as Startups e suas características liberais. Ao mesmo tempo, inúmeras legislações esparsas foram retocadas e refinadas, sendo uma delas, o Código Civil. Nesta tomada, se pregou um acréscimo substancial a famosa EIRELI, com o advento do § 7º ao art. 980-A do referido diploma[1] e ainda a criação da sociedade unipessoal, tão criticada pelos doutrinadores, quando da criação Empresa Individual de Responsabilidade Limitada[2], com a Lei nº 12.441 de 2011, que alterou a Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
Antes de adentar aos preceitos da sociedade unipessoal, importante observar que a fim assegurar os anseios econômicos e contratuais das empresas, a EIRELI se encontra em constante adaptação junto ao Departamento de Registro Empresarial e Integração – DREI, com mudanças significativas e importantes para o direito societário, como por exemplo, a Instrução Normativa nº 47 de 2018 que possibilitou a constituição de uma EIRELI por pessoa jurídica.
Ou seja, encontra-se em constante debate, devido suas vantagens e finalidades.
Todavia, ao contrário da EIRELI que possui regras específicas, como a necessidade de integralizar o capital social com quantia não inferior a 100 (cem) salários mínimos, além da limitação da constituição de apenas uma única empresa por pessoa natural, entre outros, a sociedade unipessoal vem para desconstituir todas as burocracias inerentes a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada.
O parágrafo único do art. 1.052, instituído pela MPV de nº 881/19 cria preliminarmente o instituto sem qualquer restrição ou entrave, baseado nas normas das sociedades (Título II do Código Civil), vejamos:
Parágrafo único. A sociedade limitada pode ser constituída por uma ou mais pessoas, hipótese em que se aplicarão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.
O que inicialmente apresenta pontos práticos e evidentemente positivos causa também, ampla rediscussão doutrinária da sua real viabilidade contextual, posto que, havendo a simples outorga do poder legislativo, constata-se que não haveria óbices para sua propositura no ano de 2011, como defendido por uma parcelada de estudiosos.
A referida viabilidade contextual mencionada, decorre do fato de que a sociedade unipessoal acaba indo de encontro ao pressuposto, de que, para haver um contrato social, há a necessidade de ter no mínimo dois sócios, devido à impossibilidade de contratar consigo mesmo.
O direito brasileiro, até então, não admitia a sociedade limitada originalmente unipessoal. O Código Civil apenas permitia a unipessoalidade incidental e temporária, nos casos de dissolução parcial, em que podia permanecer nesta situação por no máximo 180 (cento e oitenta) dias. Passado este período, automaticamente ocorreria a dissolução da sociedade.
No que tange a Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019, interessante observarmos que nas razões políticas e econômicas que motivaram sua apresentação e posterior publicação, a EIRELI e a Sociedade Unipessoal foram mencionadas no mesmo parágrafo, nos seguintes termos:
Também se prestigia o valoroso papel de avanço, por mais liberdade econômica, pelo Congresso Nacional, ao se restaurar os fins devidos para que a EIRELI(Empresa Individual de Responsabilidade Limitada) foi criada. Com altos requisitos (e, então, elevados custos de transação para estabelecimento), essa modalidade previa uma desconsideração de personalidade jurídica mais restrita. Entretanto, veto presidencialem outra época acabou por sustar o benefício, sem retirar as obrigações mais elevadas e custosas. Faz-senecessária essa correção, conforme era o intento do Congresso Nacional. Na mesma toada, seguindo a tendência mundial que se consolidou há décadas, regulariza-se, finalmente, a sociedade limitada unipessoal, de maneira a encerrarmos a prática que se multiplicou exponencialmente em que um sócio é chamado tão somente para preencher a necessidade de pluralidade, sem real cota significativa no negócio. Outros países, incluindo a República Federal da Alemanha, a República Popular da China e os Estados Unidos da América, também possuem modalidade idêntica de sociedade (ou companhia) limitada unipessoal.
O que demonstra o interesse do governo em manter a EIRELI e suas regras, mesmo que caia em desuso, caso não haja uma regulamentação diferenciada a este novo ente societário. Contudo, ressalta-se que não havia a necessidade de apresentação de uma nova estrutura societária, que desempenha o mesmo objetivo da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e que já fora objeto de análise por estudiosos.
Cumpre reforçar que já está consolidada a diferença entre ambos os institutos, sendo até mesmo matéria de enunciado e restando definido que a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada não é sociedade unipessoal[3].
Se o objetivo era facilitar a livre iniciativa, meros ajustes na própria EIRELI supririam este anseio, visto que a mesma foi bem recebida pela comunidade jurídica e pelo mundo empresarial. Caso o Congresso aprove a medida provisória nestes termos, fatalmente a EIRELI cairá em desuso, como outras pessoas jurídicas presentes em nosso Código Civil[4].
[1] “§ 7º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude.”
[2] Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
(…)
VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.
[3][3] Enunciado 3, da I Jornada de Direito Comercial, com o seguinte teor: “a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária”.
Enunciado 469, da V Jornada de Direito Civil, com o seguinte teor: “A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado”.
[4] Sociedade em Nome Coletivo e Sociedade em Comandita Simples.
Anônimo