Fake News, Direito Penal e a Lei 13.834/2019
- Criado em 03/09/2019 Por Felipe Giacomolli
No decorrer das últimas décadas, influenciados pelo país que joga as cartas no mundo ocidental, vivemos uma certa americanização da vida social: smartphones, fast food, shopping, fake news, startups, legaltech. Tais expressões, não só fazem parte de nosso dia-a-dia, como já substituíram e deixaram no esquecimento seus correspondentes na língua portuguesa. Quem, afinal, nos dias de hoje, utiliza as expressões “centro comercial” ou “comida pronta”, ao invés de shoppings e fast food?
Essa grande influência dos Estados Unidos repercute em praticamente todos os setores da sociedade civil e impacta o Direito de forma indireta – regulação das novas atividades – e direta – importação de institutos. Nesse cenário, insere-se o fenômeno das fake news, ou “notícias falsas/fraudulentas” em tradução literal. Apesar da falsificação de notificas ou da própria mentira acompanhar a sociedade há séculos, a importância do tema tomou grandes proporções nos últimos anos, em razão da velocidade de transmissão de informação no mundo moderno e do impacto imensurável que pode ocasionar a governos e grandes companhias. Não é atoa que, nos Estados Unidos, discute-se o papel da propagação das fake news na eleição do atual presidente norte-americano[1].
Diante desse enorme potencial, o Direito e o Estado passaram a se preocupar com o fenômeno.
No Brasil, a construção de sociedade livre, justa e solidária é um dos objetivos fundamentais insculpidos na Constituição Federal. E como tal, por força do princípio da legalidade (Art. 5º, II, CF), a lei rege as obrigações, deveres e direitos na comunidade, sendo que tudo o que não for proibido, em tese, estaria permitido. Inobstante tramitarem ao menos quatro Projetos de Lei[2] específicos contra as fake news, no âmbito do Direito Civil, a propagação de notícias fraudulentas que atinjam o direito de imagem ou a honra de outrem pode configurar fato gerador de responsabilidade civil (Art. 927, CC).
Já no campo do Direito Penal, não há, até o presente momento, a criminalização propriamente dita de divulgação de fake news. Todavia, há margem para responsabilização penal nos casos em que da notícia fraudulenta decorra outro delito, contra a honra do ofendido ou lesado em particular pela notícia, configurar-se-á os crimes de calúnia, difamação ou injúria. No entanto, o tema está longe de resolução definitiva.
Recentemente a Lei nº 13.834/2019 introduziu ao Código Eleitoral o artigo 326-A, que diz respeito especificamente ao delito de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, criminalizando a conduta de imputar falsamente crime a outra pessoa que sabe ser inocente, dando causa à instauração de investigação ou processo judicial ou administrativo, com a finalidade eleitoral, na seguinte redação:
“Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto.
§ 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.
§ 3º (VETADO)”
Em outras palavras, portanto, se determinado indivíduo, com a finalidade de interferir negativamente no pleito, imputar crime a outra pessoa que sabe não ser culpada, originando a instauração de investigação policial ou algum tipo de processo para apurar a informação, incide no tipo do artigo 326-A do Código Eleitoral, cujas penas correspondem ao tipo da denunciação caluniosa prevista no artigo 339 do Código Penal.
O debate relacionado à disseminação de fake news surge justamente de um dispositivo que foi originalmente vetado pelo Presidente da República, o § 3º, do artigo 326-A (Veto nº 17/2019[3]). O aludido preceito, por ocasião do Projeto de Lei aprovado no Congresso Nacional e antes do veto presidencial, trazia a seguinte redação:
"§ 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído."
Tal parágrafo, objeto de veto presidencial, versava justamente sobre a propalação ou divulgação da informação falsa, com finalidade eleitoral, mesmo sabendo da inocência do caluniado. E a justificativa do veto integral decorreu de “inconstitucionalidade e contrariedade ao interesso público”, além da concepção de que as penas para aquele que cria o ato ou fato calunioso falso não deveriam ser as mesmas de quem o dissemina.
Em que pese a Lei nº 13.834/2019 tenha sido publicada e entrado em vigor no dia 4 de junho de 2019, sem a inclusão do § 3º, do artigo 326-A, no último dia 28 de setembro, o veto presidencial foi derrubado por 48 votos a 6 pelo Senado, e por 326 a 84 no Congresso Nacional. Com isso, a Lei nº 13.834/2019 será alterada para que conste o antigo § 3º, do artigo 326-A, estabelecendo a mesma pena de 2 a 8 anos, e multa, para o sujeito que disseminar a fake news caluniosa com finalidade eleitoral e ciente da inocência do atingido. Com isso, a pena daquele que apenas divulga e repassa a informação é idêntica à do criador ou “fabricante” desta.
Até a data da publicação deste artigo, ainda não houve promulgação do conteúdo anteriormente vetado e a Lei nº 13.834/2019 segue na redação original publicada em 4 de junho de 2019. Cabe, a seguir, ao Presidente da República a promulgação do dispositivo anteriormente vetado, ou, em caso de inércia deste, ao Presidente do Senado e, a seguir, ao Vice-Presidente da Casa.
Então Senhores, qual a opinião de vocês sobre a criminalização da divulgação ou repasse de fake news nesse âmbito? É proporcional a punição daquele que divulga com a mesma sanção do criador da informação?
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Felipe Mrack Giacomolli, OAB/RS nº 110.987, é advogado, especialista em Direito Penal Empresarial pela PUCRS, e sócio do escritório Giacomolli Advocacia e Consultoria, sediado em Porto Alegre/RS, com foco em atuação em delitos econômicos, empresariais e administrativos.
[1] Disponível em: <>>>>https://graziadaily.co.uk/life/real-life/fake-news-facebook-help-get-donald-trump-elected/>
[2] Projetos de Lei nºs 473/2017, 9812/2017, 8592/2017 e 9647/2018.
[3] É possível acompanhar a tramitação do Veto nº 17/2019 no site do Congresso
Nacional, em <>>>>https://www.congressonacional.leg.br/materias/vetos/-/veto/detalhe/12347>
Alexsander Carvalho
AdvogadoBruno Manfro
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