A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DE DECISÃO DE RATIFICAÇÃO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E A REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ
- Criado em 20/04/2023 Por Felipe Giacomolli
É sabido que toda decisão tomada no decorrer de um processo penal deve ser fundamentada, nos termos da Constituição Federal e do Código de Processo Penal. A fundamentação das decisões judiciais é um princípio fundamental e norteador do processo penal, pois permite que as partes (fundamentação interna) e toda a sociedade (externa) tomem conhecimento das razões e justificativas para a tomada daquela decisão, garantindo não só a transparência e publicidade processual, como também a própria legitimidade do procedimento. Ademais, a fundamentação das decisões é essencial para possibilitar a impugnação pelas partes – através dos meios recursais ou meios de impugnação constitucionais –, permitindo, também, que a Corte de revisão avalie a correção e legalidade da decisão.
No processo penal, após o oferecimento da denúncia, recebimento pelo magistrado, citação do acusado e oferecimento da resposta à acusação pela defesa técnica prevista no artigo 396-A do Código de Processo Penal, os autos retornam ao juiz para que reanalise a denúncia sob a luz das alegações trazidas pela defesa, que podem dizer respeito desde a eventuais nulidades ocorridas, causas extintivas da punibilidade, causas excludentes de ilicitude do fato, causas excludentes de culpabilidade do denunciado, até questões relativas à tipicidade do fato denunciado. Caso prevista alguma das hipóteses do artigo 397 do Código de Processo Penal, o juiz pode absolver sumariamente o acusado, sem a necessidade de marcar a instrução processual, ou, ausentes aquelas hipóteses, será mantido o recebimento da denúncia e marcada audiência de instrução e julgamento. A questão que se coloca é a seguinte: a decisão que ratifica (ou não) o recebimento da denúncia após o cumprimento do artigo 396-A do CPP exige uma fundamentação sobre as teses defensivas?
A motivação, nas palavras de Ferrajoli, “exprime e ao mesmo tempo garante a natureza cognitiva em vez da natureza potestativa do juízo”#_ftn1" target="_blank">[1]. Logo, a decisão que ratifica a inicial acusatória ou absolve sumariamente o acusado, assim como todo provimento jurisdicional, não dispensa uma fundamentação suficiente. Se a fundamentação das decisões constitui uma garantia e também a regra geral no processo penal (artigo 93, IX, da CF e artigo 315, § 2º, do CPP), esse importante ato jurisdicional deve ser concretamente motivado – ainda que sucintamente – a partir da contraposição entre as teses apresentadas na defesa preliminar e a hipótese acusatória, sob pena de violação ao contraditório e à ampla defesa, bem como de nulidade do decisum com fulcro no artigo 564, V, do CPP. Essa hipótese de nulidade, conforme Renato Brasileiro de LIMA, “abrange, a nosso juízo, não apenas as hipóteses em que a decisão for proferida sem qualquer motivação, mas também aquelas em que a fundamentação se revelar precária, deficiente, insuficiente”#_ftn2" target="_blank">[2].
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, no Habeas Corpus n. 523480-MG#_ftn3" target="_blank">[3], confirmou a indispensabilidade da fundamentação da decisão que ratificou o recebimento da denúncia, anulando a decisão do juízo de primeiro grau que recebeu a inicial em desfavor do paciente sem, todavia, tecer minimamente referências aos argumentos apresentados pela defesa técnica na resposta à acusação. Na decisão, o Min. Rogério Schietti Cruz, ilustrando com diversos precedentes da 6ª Turma, ressaltou que “a decisão que ratificou o recebimento da denúncia [...] olvidou de analisar os argumentos defensivos e não fez a mínima alusão aos argumentos suscitados, ainda que de forma superficial”. Em conclusão, concedeu a ordem para anular o processo a partir da decisão denegatória da absolvição sumária para a prolação de nova decisão, dessa vez com a necessária apreciação dos termos da defesa prévia, em atendimento ao comando constitucional do artigo 93, IX, da Constituição Federal.
Com isso, a Corte Superior garante que a decisão que realiza novo filtro de admissibilidade da ação penal seja orientada, também, pela análise das teses defensivas aventadas pelo acusado na peça de resposta à acusação, encerrando sumariamente um processo criminal manifestamente improcedente ou sem justa causa.
#_ftnref1" target="_blank">[1] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 573.
#_ftnref2" target="_blank">[2] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 9. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2021. p. 1437.
#_ftnref3" target="_blank">[3] STJ, HC n. 523.480, Ministro Rogerio Schietti Cruz, DJe de 20/12/2022.
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Felipe Giacomolli
Mestre em Ciências Criminais, com bolsa CAPES, pela PUCRS. Especialista em Direito Penal Empresarial pela PUCRS. Professor de Direito Processual Penal nas Faculdades Integradas São Judas Tadeu, em pós-graduações stricto sensu e em cursos preparatórios. Advogado Criminalista. E-mail: felipe@giacomolli.com