A DECISÃO DE INADMISSÃO DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS AOS TRIBUNAIS SUPERIORES E NOVO SISTEMA RECURSAL
- Criado em 01/10/2018 Por Felipe Giacomolli
* Este artigo foi originariamente publicado no Blog do Linklei, disponível aqui.
Em sistemas processuais democráticos, como é o caso do Brasil, a doutrina costuma classificar os recursos – entre outras classificações existentes – em ordinários e extraordinários. Trata-se de classificação quanto à fundamentação dos meios de impugnação de decisões, dividindo-se em comum (ou ordinária) ou especial (ou extraordinária). No ordenamento jurídico brasileiro, em específico, consideram-se ordinários os recursos cabíveis para discussão tanto da “questão de direito”, quanto da “questão fática”. Como exemplo desses recursos, e me limito apenas àqueles afetos ao Processo Penal, encontramos a Apelação (Art. 593 do CPP), o Recurso em Sentido Estrito (Art. 581 do CPP), o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (Art. 102, II, da CF), dentre outros.
Por outro lado, os extraordinários se resumem aos recursos que apenas possibilitam a discussão de matéria eminentemente de direito, seja de natureza constitucional – Recurso Extraordinário ao STF (Art. 102, III, da CF) –, ou abrangendo a legislação federal infraconstitucional – Recurso Especial (Art. 105, III, da CF). Neste ponto, insere-se a presente reflexão.
Pois bem.
Os recursos extraordinário e especial são interpostos, em petições distintas, perante o presidente ou o vice-presidente do Tribunal cujo órgão proferiu a decisão recorrida (Art. 1.029, do CPC). À Presidência ou Vice-Presidência (a depender do Regimento Interno de cada Corte) do Tribunal local compete realizar o primeiro exame de admissibilidade desses recursos, já que é o primeiro órgão jurisdicional a tomar contato com a petição. Caso o juízo de admissibilidade for positivo, ou seja, se o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal entender preenchidos os pressupostos recursais, o Tribunal a quo encaminha o recurso aos Tribunais Superiores, STJ e/ou STF. Contra a decisão de admissibilidade dos recursos especial ou extraordinário não cabe recurso, justamente porque as Cortes Superiores realizarão uma segunda apreciação dos requisitos de admissibilidade, como o cabimento, prequestionamento, entre outras que demandariam melhor análise em artigo específico.
Por outro lado, se o juízo de admissibilidade for negativo, ou seja, se o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal a quo decidir que algum dos pressupostos recursais não restou satisfeito, é possível a interposição de recurso pela parte prejudicada. E o recurso cabível, conforme as regras previstas no novo CPC, dependerá dos motivos da inadmissibilidade do(s) recurso(s), que podem ser com base nos seguintes fundamentos:
- Negado seguimento com fundamento no inciso I do artigo 1.030, do CPC, quando o acórdão vergastado estiver em conformidade com entendimento do STF ou STJ pacificado em sede de julgamento de recursos repetitivos; ou quando o recurso decorrer de questão com repercussão geral não conhecida ou com entendimento firmado em sentido contrário. Por exemplo: o STF, ao julgar determinado Recurso Extraordinário dotado de repercussão geral, afirmou ser constitucional a citação por hora certa prevista no CPP. Caso haja interposição de RExt alegando a inconstitucionalidade da citação por hora certa de determinado acusado, buscando a nulidade do processo, o Presidente (ou Vice-Presidente) do Tribunal a quo poderá negar seguimento ao recurso.
- Não admitido pela ausência de um ou mais requisitos dos recursos excepcionais, com fundamento no artigo 1.030, inciso V, do CPC. E aqui se enquadram todas as demais hipóteses de inadmissibilidade, como a intempestividade, a ilegitimidade, a ausência de interesse, irregularidade formal, entre outras causas. Por exemplo: interposição de REsp alegando violação de dispositivo infraconstitucional que não foi objeto de decisão pelas instâncias ordinárias e nem foi adequadamente prequestionado pelas partes. No caso, o Presidente (ou Vice-Presidente) do Tribunal a quo poderá inadmitir o recurso.
Na primeira hipótese – inadmissão com fundamento no artigo 1.030, inciso I, do CPC – estamos diante de uma inovação na legislação pátria: o cabimento de agravo interno, que será julgado pelo próprio Tribunal de origem, conforme disposto no Art. 1.030, § 2º, combinado com Art. 1.021, ambos do CPC, verbis:
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:
§ 2
ºDa decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021 (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)
Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
No que tange ao segundo caso – inadmissão com fulcro no artigo 1.030, inciso V, do CPC – não houve alteração decorrente do novo código processual, pois o recurso cabível permanece sendo o agravo em recurso especial e extraordinário, previsto no Art. 1.042, do CPC, verbis:
Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.
E essa situação prevista na parte final do dispositivo acima, que justamente constitui a exceção, se refere nada mais, nada menos, do que às hipóteses de cabimento do agravo interno, que se enquadram no primeiro cenário delineado (inadmissão com fundamento no artigo 1.030, inciso I, do CPC).
Ademais, fundamental esclarecer que após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, a interposição do recurso correto, a depender do fundamento da decisão de inadmissão, deve ser observada e seguida à risca, sob pena de não conhecimento do agravo incorreto pelas Cortes Superiores. Isso porque, conforme disposto no artigo 1.042, não cabe agravo ao STF ou STJ contra decisão que inadmite o Recurso Extraordinário ou Especial, quando o acórdão hostilizado estiver em conformidade com o decidido em regime de repercussão geral ou julgamento de recurso repetitivo; sendo expressamente prevista a hipótese do agravo interno nestes casos.
Por conta disso, a interposição equivocada do recurso, nesses casos, constitui erro grosseiro, não sujeito ao princípio da fungibilidade recursal, o que resulta no não conhecimento do agravo, ao invés da antiga prática de retorno dos autos ao Tribunal a quo para apreciação como se agravo interno fosse. Esse entendimento já foi observado pela 3ª Turma do STJ, no julgamento do Agravo em Recurso Especial nº 959.991-RS, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze:
“Após a entrada em vigor do CPC 2015, não é mais devida a remessa pelo STJ, ao Tribunal de origem, do agravo interposto contra decisão que inadmite recurso especial com base na aplicação de entendimento firmado em recursos repetitivos, para que seja conhecido como agravo interno.”[1]
Por conseguinte, é necessária redobrada atenção ao advogado que deseja recorrer contra decisões de inadmissibilidade dos Recursos Extraordinário e/ou Especial, pelo Tribunal a quo, para que não haja maiores surpresas na tramitação desses recursos dirigidos aos Tribunais Superiores. Possibilitada a devolução do mérito da causa através do manejo correto do recurso excepcional, permite-se a prolação de uma decisão mais justa e correta ao processo.
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Felipe Mrack Giacomolli, OAB/RS nº 110.987, é advogado, especialista em Direito Penal Empresarial pela PUCRS, e sócio do escritório Giacomolli Advocacia e Consultoria, sediado em Porto Alegre/RS, com foco em atuação em delitos econômicos, empresariais e administrativos.
[1] STJ, 3ª Turma, AREsp 959.991-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/08/2016 (Info 589).