PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO: A VISÃO SISTÊMICA COMO DIFERENCIAL DO ADVOGADO.
- Criado em 23/01/2020 Por Allana Garbelini
PARTE 3
Postura sistêmica do advogado e Planejamento Sucessório: convergências
Conforme proposto pelo Modelo de Gestão da Advocacia Sistêmica® (GDAS)15, o advogado que utiliza a abordagem sistêmica – advogado sistêmico –, quando chamado a intervir, ingressa no sistema do cliente sem a intencionalidade de deter a questão16. A questão pertence ao cliente, que tem, portanto, o poder de solução.
Essa noção é o primeiro passo para a confiança e a empatia: o advogado sistêmico chega sem intenção, para ouvir sem julgamentos preestabelecidos e, então, aplicadas as técnicas de atuação, apresenta possibilidades em cocriação com o cliente.
O advogado sistêmico se coloca ao lado do cliente, com a expertise jurídica e as competências essenciais, oferecendo o seu melhor. O cliente é visto pelo advogado sistêmico e reconhecido como sujeito capaz de agir a partir da individualidade inerente a tal condição.
O Modelo GDAS® conceitua o que vem ser a Advocacia Sistêmica da seguinte forma:
É o exercício da advocacia sob o paradigma do Pensamento Sistêmico. Ao desenvolver competências essenciais, o advogado facilita a ampliação de consciência de seus clientes, convidando-os a percepção ou visualização sistêmica dos contextos, relações, padrões, processos e origem do conflito. Assim, contribui com a humanização, consenso, pacificação social e criação de novos paradigmas jurídicos baseados numa visão de mundo sistêmica.17
A partir do conhecimento sobre Pensamento Sistêmico, portanto, o advogado terá outro olhar sobre sua atuação profissional. Alia o conhecimento jurídico a outras habilidades e facilita a percepção sistêmica da questão apresentada, viabilizando o surgimento, para o cliente, de várias perspectivas de análise. Oportuniza, assim, o exercício de tomadas de decisões consistentes.
O Pensamento Sistêmico parte da Teoria dos Sistemas, brevemente conceituado por KLAUS GROCHOWIAK e JOAQUIM CASTELLA como “(...) o relacionamento das partes integrantes entre si”18 acrescido de “(...) uma forma específica de relacionamento (...)”19. Eles detalham sobre o relacionamento das partes integrantes:
O termo técnico para essa forma de relacionamento é a “interdependência”. Aqui subentende-se que os elementos do sistema não existem isoladamente, mas que seu comportamento influencia o dos demais de tal forma que uma mudança em um ponto gera uma mudança em outra parte que, por sua vez, tem efeito de mudança para o primeiro ponto.20
As partes integrantes do sistema, portanto, relacionam-se com interdependência ou intersubjetividade influenciando uma à outra, mutuamente. E o que isso tudo tem a ver com Planejamento Sucessório?
O que é uma família ou uma empresa senão partes em constante interação, onde os diversos comportamentos ressoam uns sobre os outros. As questões conflituosas são resultado direto das intersubjetividades, sejam elas evidentes ou ocultas no inconsciente.
É preciso pensar em inúmeras questões que perpassam a família para uma planificação sucessória. No caso de intersecção entre família e empresa, por exemplo: Quem são os sócios? Quem serão os sócios? Eventual mudança de titularidade de ações e quotas afetará, também, a administração da empresa? Como o patrimônio empresarial pode ser afetado? Quais sentimentos a sucessão gera sobre os membros da família? E sobre os membros da empresa? Essas pessoas são as mesmas? Quais as posições mudarão? Entre tantas outras reflexões.
Para que o Planejamento Sucessório seja executado a contento, é fundamental perceber os reflexos das relações familiares sobre as empresarias e ter a sensibilidade para identificar as necessidades, os sentimentos e os valores dos envolvidos, nos diversos níveis. GLADSTON MAMEDE e EDUARDA COTTA MAMEDE, com a experiência que possuem, afirmam:
[...] É preciso compreender a equação sob a qual se sustenta o convívio empresarial-familiar para não ser surpreendido com particularidades que não foram percebidas e, uma vez confrontadas, colocam todo o trabalho a perder. Ilustra a situação de empresas que mantêm pesadas estruturas de gestão, incompreensíveis para quem não percebe que sua justificativa é acomodar vários ramos familiares diversos de uma empresa que já experimentou a terceira e quarta – senão mais – geração em seu controle e administração. É fundamental aprender a organização para agir sobre ela. É preciso assimilar o olhar que os familiares/sócios têm da corporação, seus valores, sua lógica, suas expectativas, além dos alicerces familiares.21
Indo ao encontro dessa citação, conforme citado no conceito do Modelo GDAS®, o advogado sistêmico possui competências essenciais para perceber contextos, relações, padrões e processos dos sistemas.
Essas competências essenciais são classificadas como relacionais já que dizem respeito, em geral, à habilidade consciente de relacionamento com o cliente. Elas podem ser apresentadas em extenso rol, pois vão desde a preparação de um ambiente seguro ao cliente, passando pela habilidade de fazer perguntas, até a capacidade de utilizar ferramentas específicas, como visualização.
O advogado sistêmico tem habilidade para trabalhar com as relações interdependentes, trazendo clareza para as dinâmicas corriqueiras, mas, muitas vezes, ocultas. A aplicação de tais habilidades também permite que o cliente tenha a percepção sistêmica junto com o advogado, exercendo, a partir daí, a liberdade de escolha sobre o patrimônio, com foco na estrutura familiar.
A razão de ser da atuação sistêmica é a devolução da autonomia da vontade ao cliente, o que traz um profundo caráter humanista à aplicação do Pensamento Sistêmico na seara jurídica. Reforçar a autonomia da vontade é, também, realizar o princípio da dignidade da pessoa humana. O cliente pode exercer sua identidade, aliás, antes disso, pode conhecê-la melhor.
O Planejamento Sucessório como componente da governança familiar e empresarial, converge para a implementação de uma cultura de tomada de decisões conscientes, estratégicas e eficientes, além da otimização dos conflitos intrapessoais. Através do Pensamento Sistêmico, o cliente está à frente desse processo.
O advogado sistêmico, por sua vez, insere-se nos espaços empresarial e familiar como facilitador, não só com a qualificação jurídica inerente ao exercício profissional, mas, também, com outras técnicas que auxiliam o processo de planificação sucessória, em cocriação com o cliente.
O ARTIGO TEM 3 PARTES.
AO FINAL DE CADA UMA DELAS, A RESPECTIVA REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.
15 O Modelo de Gestão da Advocacia Sistêmica® foi elaborado por MARCELLA SANTOS e LUCIANA FERREIRA, através da empresa Gestão da Advocacia Sistêmica, hoje Gestão da Facilitação Sistêmica, a qual atua no desenvolvimento de competências sistêmicas para as seguintes áreas: advocacia, educação e negócios. Disponível em <https://www.advocaciasistemica.com.br/sobre-nos>. Acesso em 4 jan 2020.
16 A palavra “questão” tem amplo sentido e pode envolver ou não um conflito. Nem todas as questões jurídicas envolvem conflitos já deflagrados, podendo ser preventiva deles, inclusive.
17 Conceito apresentado pelo Modelo de Gestão da Advocacia Sistêmica® na rede social Instagram. 25 dez 2019. Disponível em <https://www.instagram.com/p/B6gJ2dCjP70/>. Acesso em 4 jan 2020.
18, 19, 20 CASTELLA, Joachim; GROCHOWIAK, Klaus. Constelações organizacionais: consultoria organizacional sistêmico-dinâmica. Tradução Susanna Berhorn. São Paulo: Cultrix, 2007. P. 14.
21 MAMEDE, Eduarda Cotta; MAMEDE, Gladston. Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2019. P. 208.
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Re: Allana Garbelini
Advogado