Litigation 4.0 e os novos recursos para solução consensual de litígios
- Criado em 22/08/2023 Por Tercio Strutzel
O Direito 4.0 proporciona novas maneiras para dirimir conflitos e disputas judiciais
O Direito acompanha a sociedade moderna desde sua formação. E por ser uma atividade secular que proporciona o acesso à justiça como parte integrante da dignidade da pessoa humana criou-se a impressão de que os processos judiciais se constituem na única via para se dirimir conflitos. No entanto, esse modelo de resolução de litígios mediado pelo Estado já não se mostra tão produtivo quando se observa o crescimento exponencial das disputas jurídicas ao longo dos últimos anos.
No entanto o próprio meio jurídica sempre propiciou alguma forma alternativa para solução consensual de conflitos. E com o advento das tecnologias digitais na área do Direito esse leque de possibilidades se ampliou ainda mais, gerando vantagens para ambos os lados. As partes envolvidas conseguem solucionar suas controvérsias de forma mais célere enquanto o Estado desafoga a carga dos tribunais.
Antes de entrar nos novos recursos conceituais e tecnológicos, faz sentido avaliar a própria gestão do contencioso por parte dos departamentos jurídicos e de escritórios que possuem esse tipo de demanda. Afinal os recursos avançados semente serão úteis para os profissionais que já aplicam boas práticas de gestão.
Gestão de Contencioso
Para líder com um elevado volume de processos judiciais é imperativo “arrumar a casa” com ferramentas e práticas de gestão. Dessa forma a Gestão de Contencioso é uma disciplina estratégica que trata da organização e controle de todas as demandas judiciais da empresa ou do cliente que estão em andamento nos tribunais. O seu objetivo maior é evitar prejuízos financeiros bem como perda de prazos e novos processos.
Isso representa uma série de afazeres pró ativos a fim de manter rotinas mais organizadas e eficazes. Também inclui planejar um fundo para cobrir os custos de contenciosos de modo a evitar obter recursos financeiros às pressas e/ou de outros setores da companhia.
Para encampar todas essas necessidades o uso da tecnologia se mostra muito produtivo. Além de organizar todas as demandas com mais eficácia, os softwares especializados também permitem o uso de dados para emissão de relatórios e análises preditivas.
Solução consensual de litígios
Evitar o contencioso sempre normalmente torna a demanda judicial mais barata e rápida para ambas as partes. Justamente por isso existem oficialmente métodos já previstos há longa data para solução consensual de litígios. Dentre os mais comuns podemos citar a arbitragem, a mediação, a conciliação, a negociação, entre outras, que foram se disseminando e apresentando particularidades que as diferenciam. Todas essas formas já são de amplo conhecimento de todos os advogados e já são utilizadas há tempos, sobretudo em causas de pequena grandeza.
Mesmo assim elas ainda dependiam de encontros formais e presenciais para se desenrolarem. Com o aumento significativo das demandas judiciais a cada ano e com o impulso inesperado por parte da pandemia de covid-19, as tecnologias digitais ganharam protagonismo. E com isso foram desenvolvidas novas soluções consensuais de litígio.
Online Dispute Resolution
Dentre as novas modalidades de resolução de controvérsias, a ODR (Online Dispute Resolution) já se mostra bem disseminada no meio jurídico. De modo geral, as plataformas de resolução de disputas online têm como função colocar em contato virtual as duas partes que possuem algum tipo de litígio. Esse contato online ocorre de forma organizada, segura e com validade jurídica.
As plataformas de resolução on-line de conflitos apresentam relevantes benefícios em relação aos meios tradicionais. Primeiramente se mostram recursos financeiramente mais acessíveis ou mesmo gratuitos. A via on-line promove um ganho significativo de eficiência, afinal podem suportar centenas de negociações simultâneas.
Nesta seara podemos destacar dois ótimos exemplos. O primeiro deles é a plataforma Reclame Aqui, uma iniciativa privada que permite a manifestação espontânea aos consumidores que se sentiram lesados em alguma relação consumerista. Outra importante iniciativa vem do portal consumidor.gov.br, uma plataforma para negociação entre fornecedores cadastrados e consumidores. Operando desde 2014, a plataforma obteve resultados muito positivos, tendo como média de resolutividade 80% das reclamações registradas, com um prazo médio de resposta de 7 dias. A plataforma já registrou mais de 2 milhões de reclamações e conta com uma base de mais 1 milhão de usuários cadastrados e mais de 500 empresas.
Além destas duas iniciativas citadas, existem ainda diversas plataformas especializadas desenvolvidas por algumas LegalTechs. Não obstante as importantes soluções digitais que proporcionam acesso à justiça, o Litigation 4.0 também se caracteriza por outras características inovadoras.
Financiamento de Litígios
Em suma a prática do Financiamento de Litígios se configura quando um terceiro financia alguma das partes em uma demanda judicial. Esse patrocínio financeiro pode ser operacionalizado de diversas formas, no entanto a mais usual se dá meramente arcando com todas as custas do processo. A contrapartida ao patrocinador terceiro se dá por uma participação percentual no ganho obtido pelo financiado com aquele litígio.
Essa modalidade de financiamento se diferencia do tradicional empréstimo bancário, onde o montante sempre será devolvido ao banco corrigido pelas altas taxas de juros. No caso do Financiamento de Litígios, a pessoa física ou jurídica que desempenha esse papel assume o risco de não reaver os valores caso o litígio seja perdido. Essa prática também difere totalmente da chamada primeira onda de financiadores de litígios onde os escritórios efetuavam a cobrança do cliente apenas pelo êxito ou mesmo no caso de investidores que apenas compram precatórios com deságio.
O Financiamento de Litígios estruturado é uma atividade ainda nova não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, e, por esse motivo, a doutrina sobre o tema ainda se mostra tão escassa quanto polêmica. De qualquer forma, esse modelo é uma oportunidade interessante tanto para partes com dificuldades financeiras como para empresas que não desejam movimentar seu próprio fluxo de caixa nas demandas jurídicas.
Uso de Dados
Outro ponto que vale ser destacado a respeito do Litigation 4.0 é sobre o uso de dados relacionados aos processos (atuais e já encerrados) de todos os tribunais. O objetivo é aplicar a Jurimetria para realizar análises estatísticas sobre essas informações históricas.
Jurimetria é um conjunto de técnicas para utilizar estatística aplicada ao Direito no sentido de tentar prever resultados e mapear probabilidades a partir de doutrinas e jurisprudências a fim de elaborar caminhos e estratégias nos processos jurídicos.
De acordo com a definição da ABJ (Associação Brasileira de Jurimetria) esta é a disciplina resultante da aplicação de modelos estatísticos na compreensão dos processos, das decisões judiciais e dos fatos jurídicos. É um método que proporciona condições de análises descritivas, diagnósticas e preditivas mais profundas.
Desde o início da digitalização do judiciário brasileiro já se contabiliza mais de 90 milhões de processos ativos e cerca de 1 bilhão de ações judiciais históricas digitalizadas. Esse volume de processos possíveis de serem consultados representa justamente uma gigantesca base de dados, um BigData sem precedentes do universo judicial disponível para ser explorada por departamentos jurídicos e escritórios de advocacia.
Além de fornecer maior previsibilidade sobre as decisões e de torná-las mais uniformes pelos diversos tribunais, essa característica tem o potencial de agilizar sobremaneira a resolução de conflitos judiciais.
A fama de morosidade da justiça brasileira vem de longa data. Algumas das soluções para esse problema vinham sendo criadas na mesma medida em que o volume de ações judiciais aumenta. A entrada das tecnologias digitais proporciona essa nova onda denominada genericamente de Litigation 4.0 com soluções muito mais ágeis e eficazes. Ainda falta bastante para acelerar a resolução de conflitos judiciais, porém os novos recursos se mostram um ótimo caminho.