Como a Justiça 4.0 altera a rotina do Advogado
- Criado em 12/04/2023 Por Tercio Strutzel
A origem da disciplina de Direito confunde-se com a própria história humana. O Direito tal qual o conhecemos e aplicamos atualmente tem mais de 2500 anos, embora existam linhas de estudos que o posicionam ainda mais distante no surgimento das primeiras civilizações. Decerto por essa característica que simboliza solidez, o Direito se consolidou como uma área pouco afeita a mudanças. Os embasamentos, conceitos e prerrogativas dessa área são seculares. Porém as duas últimas décadas trouxeram uma dinâmica de mudanças e inovações jamais experimentada pela área jurídica.
Do Peticionamento Eletrônico à Justiça 4.0
Foi por volta de 2005 que se iniciaram os primeiros testes do Peticionamento Eletrônico, no entanto a sua implementação oficial levou oito anos e o procedimento que se tornou obrigatório a partir da publicação da Resolução 14/2013. A regulamentação do processo judicial eletrônico determinou que petições iniciais e incidentais fossem recebidas e processadas exclusivamente de forma digital. Talvez esse tenha sido o ponto de inflexão para a Transformação Digital do Direito brasileiro, movimento que originou os conceitos de Advocacia 4.0 e Justiça 4.0 amplamente utilizados nos últimos anos.
Por ocasião da pandemia de covid-19 e a consequente interrupção preventiva de inúmeros serviços públicos, o mercado jurídico foi forçado a adotar soluções tecnológicas de modo a não paralisar completamente a justiça no país. Nesse contexto surgiram o Plenário Virtual e sessões por videoconferência, duas modalidades de julgamento remoto.
As sessões por videoconferência visam meramente substituir as sessões presenciais, portanto elas seguem as mesmas diretrizes com os magistrados, procuradores e advogados presentes na sessão proclamando votos, discorrendo sobre o processo em pauta e até fazendo sustentação oral, quando requerida. Já o Plenário Virtual realiza o julgamento dos processos de competência originária, recursos e incidentes processuais de órgãos colegiados do Tribunal de Justiça. É uma forma 100% online de votação que ocorre na plataforma do Processo Judicial Eletrônico (PJe) por um prazo pré-determinado pelo presidente do órgão colegiado em questão. Ambas as soluções além de implementarem perceptível celeridade nos julgamentos, abriram as portas para projetos de Transformação Digital ainda mais ousados e consistentes.
Desde então as mudanças passaram a ocorrer de forma cada vez mais aceleradas, seja no âmbito das bancas jurídicas, seja no âmbito do sistema judiciário. E o Direito que sempre se viu como uma disciplina conservadora alheia a mudanças tecnológicas se percebeu investindo em transformações exponenciais que já modificaram severamente a maneira de se advogar no cotidiano.
Aceleração com o Programa Justiça 4.0 elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça
Atento a todas as inovações e transformações ocorrendo tanto no mercado em geral quanto nas comunidades jurídicas de outros países, o CNJ lançou no início de 2021 o “Programa Justiça 4.0 –inovação e efetividade na realização da Justiça para todos”. Trata-se de um conjunto de projetos, os quais tem como objetivo promover o acesso à Justiça, por meio de ações e programas desenvolvidos para o uso colaborativo de produtos que empregam novas tecnologias, automação e inteligência artificial na gestão administrativa e de dados processuais do Poder Judiciário brasileiro. As soluções propostas são:
• Juízo 100% Digital é a possibilidade de o cidadão valer-se da tecnologia para ter acesso à Justiça sem precisar comparecer fisicamente nos Fóruns, uma vez que todos os atos processuais serão praticados exclusivamente por meio eletrônico e remoto.
• Balcão Virtual do CNJ: canal onde o usuário terá acesso direto ao atendimento realizado pela Secretaria Processual do Conselho Nacional de Justiça e será possível obter informações sobre o ajuizamento de procedimentos no Conselho Nacional de Justiça e sobre os processos em trâmite no sistema PJe, sem necessidade de atendimento presencial na sede do CNJ.
• Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro -PDPJ-Br: plataforma que propõe transformar o PJe em um sistema multisserviço para incentivar o desenvolvimento colaborativo entre os tribunais, preservando os sistemas públicos em produção. A modernização do PJe permitirá aos tribunais fazer adequações conforme suas necessidades, ao mesmo tempo, unificar o trâmite processual no país.
• Base Nacional de Dados do Poder Judiciário – DataJud; fonte primária de dados do Sistema de Estatística do Poder Judiciário responsável pelo armazenamento centralizado dos dados e metadados processuais relativos a todos os processos físicos ou eletrônicos, públicos ou sigilosos dos tribunais participantes.
• Plataforma Codex: consolida as bases de dados processuais e, assim, provê o conteúdo textual de documentos e dados estruturados. Seguindo o conceito das ferramentas de business intelligence, funciona como um data lake de informações processuais, que pode ser consumido pelas mais diversas aplicações como a produção de dashboards e relatórios; a implementação de pesquisas inteligentes e unificadas; a alimentação automatizada de dados estatísticos; e até mesmo o fornecimento de dados para a criação de modelos de Inteligência Artificial.
• Sinapses: plataforma nacional de armazenamento, treinamento supervisionado, controle de versionamento, distribuição e auditoria dos modelos de Inteligência Artificial. Também visa estabelecer os parâmetros de implementação e funcionamento da IA. A gestão e responsabilidade pelos modelos e datasets cabe a cada um dos órgãos do Poder Judiciário, por meio de seu corpo técnico e usuários e usuárias colaboradoras da plataforma.
Estas seis bases compõe o conjunto de projetos do Programa Justiça 4.0 e já se encontram cada qual em diferentes etapas de implementação. Além deste pacote conciso, o CNJ também possui iniciativas em outras áreas tecnológicas tais como:
• Projeto Sniper: promete auxiliar magistrados e servidores a concluir processos que já entraram em fase de execução. É um banco de dados disponível para processos cíveis, mas que também pode ser aplicado ao combate da criminalidade, onde estão envolvidos sistemas financeiros complexos, especialmente a lavagem de dinheiro.
• Sistema Nacional de Bens Apreendidos – SNBA: ferramenta de gestão e destinação de recursos materiais apreendidos por ordem judicial, muitos deles objeto da corrupção.
• Acordo de cooperação técnica entre CNJ, STJ e TST: promove o intercâmbio de soluções tecnológicas de uso comum entre os tribunais, evitando despesas com o desenvolvimento de módulos, programas e aplicativos já existentes e em operação por instituições do Judiciário.
O propósito maior de todas essas iniciativas é a digitalização do Poder Judiciário, as quais, mesmo em fase de implementação, já promoveram uma redução significativa de recursos pendentes de julgamento no STF e nos tribunais de todas as esferas. Projetos dessa magnitude são particularmente difíceis em um país como o brasil, onde as unidades federativas possuem alguma autonomia nas questões judiciais e administrativas. A unificação e o acesso da população ao universo jurídico são projetos de Transformação Digital do Judiciário brasileiro que resumem muito bem o conceito de Justiça 4.0 e todos os aspectos que ele envolve.