Lei 13.874/2019 – Instituição da declaração de direitos da liberdade econômica.
- Criado em 03/01/2020 Por Eduardo Scalon
Foi promulgada em 20 de setembro de 2019 a Lei 13.874, que instituiu a Declaração de Direitos e Liberdade Econômica, fruto da conversão da Medida Provisória 881/2019.
Essa lei traz importantes princípios e regras de interpretação que alteram drasticamente a rotina do desenvolvimento de negócios e empresas, assim como novos empreendedores no País.
Os focos são proteção à livre iniciativa, ao livre exercício de atividade econômica e atuação do Estado como agente normativo e regulador. Nesse aspecto já se nota uma das principais características da lei, a orientação de que a ingerência do Estado na seara dos negócios e empreendedores deve ser reduzido ao máximo.
Os primeiros 5 capítulos da Lei tratam de princípios e regras inspirados pelos focos acima indicados.
Os princípios que norteiam a lei são:
I – liberdade como garantia no exercício de atividade econômica;
II – boa-fé do particular perante o poder público;
III – intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre exercício de atividade econômica;
IV – reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.
O exercício da atividade econômica é um direito dos brasileiros e deve ser exercido com plena liberdade. O particular tem a possibilidade de criar novos negócios ou executar já existentes da maneira que lhe convir, sem a interferência estatal ou necessidade de autorização.
A presunção de boa fé do particular visa eliminar do caminho do empreendedor questões que não se relacionam com seu negócio, tais como problemas burocráticos decorrentes da ineficiência do Estado. O poder público não tem condições de verificar, analisar e fiscalizar todas as atividades econômicas praticadas pelos particulares, muito menos seus avanços ou evoluções tecnológicas
Dessa forma, com frequência, dada a impossibilidade de se concluir com exatidão da natureza do ato praticado pelo particular, optava-se pela sua atuação administrativa e cabia ao particular a prova de que seus atos estavam de acordo com a lei.
Esse princípio reverte, muito corretamente, essa prática. A boa fé do particular é presumida, logo sua atuação administrativa ou qualquer outra punição depende da efetiva prova de infração às normas pertinentes.
Trata-se de uma importante alteração na distribuição do ônus da prova. Cabe à administração pública provar o ilícito praticado e não ao particular provar que não praticou ato ilícito, o que se denomina como “prova diabólica”.
Nessa mesma linha criou-se o princípio da intervenção subsidiária e excepcional do Estado na atividade econômica. A regra é a ausência de participação do Estado nas atividades econômicas, que devem ser praticadas livremente pelo particular.
A atividade econômica deve se regular pelo próprio funcionamento do mercado, preços, demanda, oferta, concorrência, promoções etc, devem ser resultado do livre desenvolvimento das atividades comerciais.
Apenas na hipótese de alguma anomalia, não possível de ser sanada pelos próprios participantes da atividade econômica, poderá existir a intervenção.
Por fim, o reconhecimento da vulnerabilidade do particular frente ao Estado é muito importante.
O particular não tem condições de enfrentar um ente de proporções gigantescas como o Estado, que possui representações por toda a esfera de interesses do particular. Desde a questão fiscal, até as regulatórias que permeiam a atividade econômica, licenças, alvarás, autorizações, permissões etc.
Reconhecer essa vulnerabilidade é relevante para efeitos de aplicação de leis e igualmente na análise do ônus de prova em processos administrativos e judiciais.
Uma das questões que se apresenta na leitura dessa lei, é justamente qual a sua aplicabilidade imediata. Com efeito, uma considerável quantidade de outras leis, decretos e normas administrativas deverá ser revogada, assim como criadas para obedecer aos conceitos trazidos.
A lei traz algumas alterações práticas em matérias e legislações específicas, que serão tratadas em outro artigo, mas uma das orientações trazidas é de fundamental importância.
No artigo 1º, parágrafo primeiro, já consta a orientação de que as regras dessa lei deverão ser observadas na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico, trabalhista, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.
Portanto, nas hipóteses em que surgir algum tipo de controvérsia, seja na esfera jurídica ou na administrativa, que envolva as matérias descritas no parágrafo primeiro, a solução deverá ser buscada com base no conteúdo dessa lei.
Dos direitos da liberdade econômica
Além do estabelecimento de princípios, a lei traz a declaração de direitos da liberdade econômica, estendidos para toda pessoa física ou jurídica, consistentes em:
- desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica;
- desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, sem que para isso esteja sujeita a cobranças ou encargos adicionais, observadas:
- a) as normas de proteção ao meio ambiente, incluídas as de repressão à poluição sonora e à perturbação do sossego público;
- b) as restrições advindas de contrato, de regulamento condominial ou de outro negócio jurídico, bem como as decorrentes das normas de direito real, incluídas as de direito de vizinhança; e
- c) a legislação trabalhista;
- definir livremente, em mercados não regulados, o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda;
- receber tratamento isonômico de órgãos e de entidades da administração pública quanto ao exercício de atos de liberação da atividade econômica, hipótese em que o ato de liberação estará vinculado aos mesmos critérios de interpretação adotados em decisões administrativas análogas anteriores, observado o disposto em regulamento
- gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário;
- desenvolver, executar, operar ou comercializar novas modalidades de produtos e de serviços quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente, nos termos estabelecidos em regulamento, que disciplinará os requisitos para aferição da situação concreta, os procedimentos, o momento e as condições dos efeitos;
- ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública;
- ter a garantia de que, nas solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica que se sujeitam ao disposto nesta Lei, apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo, o particular será cientificado expressa e imediatamente do prazo máximo estipulado para a análise de seu pedido e de que, transcorrido o prazo fixado, o silêncio da autoridade competente importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei;
- arquivar qualquer documento por meio de microfilme ou por meio digital, conforme técnica e requisitos estabelecidos em regulamento, hipótese em que se equiparará a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato de direito público;
- não ser exigida medida ou prestação compensatória ou mitigatória abusiva, em sede de estudos de impacto ou outras liberações de atividade econômica no direito urbanístico, entendida como aquela que:
- não ser exigida pela administração pública direta ou indireta certidão sem previsão expressa em lei.
A lista é extensa e pode ser questionada do ponto de vista de técnica legislativa, mas demonstra a preocupação em impedir que a burocracia governamental prejudique o desenvolvimento de atividades empresariais.
Da análise de impacto regulatório
Além disso, a administração pública deve evitar o abuso do poder regulatório, assim entendidas medidas que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros; criem especificações técnicas inúteis para o fim desejado, retardem inovação ou adoção de novas tecnologias, aumento de custos de transação, criar demanda artificial de produto ou serviço como cartórios, registros; limitar a livre formação de sociedades e restringir o uso de publicidade.
Nessa linha, o artigo 5 estabelece a obrigatoriedade de que a proposta de ato normativo de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários de serviços prestados, somente ocorra após a realização de uma análise de impacto regulatório.
Dessa forma, alterações legislativas somente serão criadas se comprovada a razoabilidade de seu impacto econômico. A intenção é impedir a criação e promulgação de atos normativos que impeçam ou atrapalhem o desenvolvimento de atividades empresariais e comerciais.
Essa questão ainda depende da edição de decreto para sua regulamentação e definição de critérios e prazos, além do início de sua vigência, além das situações em que será obrigatória sua realização, bem como as exceções.