ASPECTOS RELEVANTES DO INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA NA LEI 12.850/2013 – LEI DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
- Criado em 21/11/2018 Por Adriano Martins de Sousa
RESUMO:
O presente artigo trata de um instituto que vem sendo bastante usado nos últimos anos, principalmente com o advento da “operação lava jato”, onde a delação premiada vem sendo usada como forma de obtenção de prova e identificação de possíveis criminosos participantes da organização criminosa. Os crimes se tornaram mais estruturados, organizados, onde pessoas se juntaram, em grupos, para praticarem crimes, tornando-se assim mais poderosas e com mais êxito em suas empreitadas, de modo contrário o Estado se ver carente de organização e poderes para o efetivo combate aos crimes, temos órgãos de combate a criminalização enfraquecido, perdidos em meio ao fortalecimentos e organização dos criminosos.
ABSTRACT:
This article deals with an institute that has been widely used in recent years, especially with the advent of the “lava operation to act”, where the awarding of the award has been used as a way to obtain proof and identification of possible criminals participating in the criminal organization . The crimes have become more structured, organized, where people have come together in groups to commit crimes, thus becoming more powerful and more successful in their work, otherwise the state is deprived of organization and power for the effective combating crimes, we have organs to combat criminalization weakened, lost amid the strengthening and organization of criminals.
Palavras-chave: Delação Premiada. Organização Criminosa. Estado.
Para iniciar a abordagem do tema deve-se entender primeiramente a definição de “organização criminosa” de acordo com o § 1°, artigo 1°, da Lei 12.850/2013, cuja a definição atual tem a seguinte redação:
“Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”
Conforme o artigo mencionado acima temos então a tipificação do crime de “organização criminosa” a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas, portanto necessário pelo menos quatro pessoas para caracterizar o crime, não importando a quantidade máxima. Deve ser “estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente”, ou seja, deve ter uma organização e relacionamento entre as pessoas, em grau hierárquico, cada qual com suas tarefas pré-estabelecidas objetivando os fins ilícitos. Mesmo que “ainda que informalmente”, o que não se requer que tenha normas instituídas e menos ainda documentadas. O objetivo é obter direta ou indiretamente vantagem de qualquer natureza, de modo amplo, não somente de cunho financeiro, mas qualquer outro que seja capaz de propiciar proveito ilícito. Por último poderá ser também praticado o crime de organização criminosa “transnacional”, que significa que o fato é punível além das fronteiras nacionais, podendo ter atuação em vários países, como exemplo cito o crime de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, tráfico de pessoas, entre outros.
Cabe ressaltar que o Brasil recepcionou a por intermédio do decreto n° 5.015/2004 a chamada Convenção de Palermo, que é o principal instrumento contra o crime organizado transnacional aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 15 de novembro de 2000, onde os Estados-membros se comprometeram a tomar uma série de medidas contra o crime organizado transnacional, incluindo a tipificação penal em sua legislação como a participação em grupos criminosos organizados, lavagem de dinheiro, corrupção e obstrução da justiça.
Com o intuito de combater o crime organizado, e descobrir elementos, provas e pessoas envolvidas, o Estado se permitiu então usar desenfreadamente o instituto da delação premiada, mesmo que para isso se passe por cima da ética e da moral, frente a fragilidade e falta de mecanismos investigatórios para a busca de provas e culpados.
Na busca de combater a fragilidade do Estado, ou até mesmo a própria incompetência do Estado, os órgãos combatentes da criminalidade buscaram na delação premiada uma forma de se ter a notoriedade de que há anos atrás tinham, mesmo que para isso vejam em determinado momento escapar de suas mãos criminosos que certamente seriam condenados, visto que a delação premiada pode até mesmo ter o perdão judicial ao delator. O que a delação premiada como estar sendo usada (má usada) pode acarretar de consequência para o delator, o delatado, ao judiciário e a sociedade brasileira ?
O cidadão brasileiro vem quase que diariamente assistindo através dos meios de comunicação as negociações da delação premiada, principalmente no âmbito da “operação lava jato”, onde as vezes mesmo sem entender do que se trata ou de como a delação estar sendo operada, o cidadão aplaude e concorda plenamente. Mas deve-se ficar atento, uma colaboração premiada não pode ser vista apenas como uma “ajuda” para desvendar um crime ou que se conheça os participantes da organização criminosa, a delação premiada também é uma forma “traição”, não no bom sentido de estar ajudando a pátria, trazendo ao judiciário principalmente grandes integrantes de organização criminosa, o que se há é apenas a intenção do delator em ganhar a “premiação”, ou seja, que sua delação acarrete a diminuição da pena privativa de liberdade (redução em até 2/3), ou substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ou até mesmo o perdão judicial, caso o delator tenha colaborado com efetividade trazendo na colaboração um ou mais resultados estabelecidos no artigo 4°, incisos I, II, III, IV e V. Assim estabelece o Artigo 4° da Lei 12.850/2013:
“Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.”
Assim, a verdade de tamanha disposição da pessoa acusada por um crime envolvendo organização criminosa se tornar da noite para o dia delator, “ajudante” da justiça, é pura vontade de ter uma das premiações do referido artigo citado acima, buscando a oportunidade de sair ileso do crime praticado, ou pelo menos com uma pena bem abaixo do que teria sem a colaboração.
Tem-se então a traição, onde o colaborador em busca da sua satisfação penal, ou seja, da premiação penal, resolve entregar seus companheiros de crime, trazendo todas as informações que sabe para que o Estado já falido e sem armas para o combate ao crime possa esclarecer o crime, apontar responsáveis, reaver o produto do crime, seja dinheiro ou bens, e o mais importante, trazer para si de volta o respeito da sociedade.
O instituto da delação premiada não é ultrapassado ou ilegal (inconstitucional) se usado de forma certa, com respeito aos direitos fundamentais do indivíduo, tanto do delator como do delatado. A delação deve ser voluntária, ou seja, o delator não pode ter qualquer tipo de pressão ou coação, seja psicológica ou física, pois a voluntariedade deve partir dele próprio. Não é o que se ver atualmente, pois o MP e PF primeiro restringe o direito de ir e vir do acusado e sob pressão ou coação, e com promessas de uma retribuição em sua condenação ou até mesmo com perdão judicial, que entregue os companheiros da empreitada criminosa, fazendo com que a pessoa se mostre voluntária para a delação, há então uma certa nulidade difícil de se provar, pois com a prisão do indivíduo não se tem outra saída para sair daquela situação a não ser concordar com a delação, é o que chamo de “Deleção Pressionada”, onde em constante pressão por parte da Policia Federal e/ou Ministério Público, o acusado resolve então trair seus comparsas.
Com relação aos resultados da delação ora praticado pelo acusado, lembro que além da “traição” o acusado tem a obrigatoriedade de falar a verdade e renunciar seu direito de permanecer em silêncio (§14° do artigo 4°), sendo assim, deve o delator falar tudo o que sabe, sem esquecer dos mínimos detalhes, sob pena de sua delação ir por água abaixo e perder todos os “prêmios” prometidos. Além do mais, em todos os atos da delação deve o colaborador estar assistido por seu defensor, não podendo colher suas informações sem que esteja presente um advogado, pois trata-se de formalidade essencial para tal ato, podendo o documento não gerar nenhuma eficácia ou efeito jurídico. Não obstante vale ressaltar que o juiz “poderá” conceder tais benefícios/premiações prometidos ao delator, ficando a cargo do magistrado a faculdade de aplicar ou não tais benesses.
Portanto para o colaborador a delação premiada é uma oportunidade de ver sua pena amenizada ou até mesmo se ver premiado com o perdão judicial, mas deve-se ficar atento para que sua “traição” seja efetiva, ou seja, aquilo que é real, verdadeiro e que tenha um ou vários resultados estipulados nos incisos do artigo 4° da Lei 12.850/2013.
Partimos agora para o outro lado, o delatado, aquele que foi traído. A pessoa delatada no instituto da delação premiada fica à mercê de um depoimento no qual só poderá ter acesso após a homologação da delação, o que mitiga seu direito de defesa, pois não tem a oportunidade de se defender antes da homologação e rebater as acusações antes de se tornar pública, a delação se tornará pública assim que recebida a denúncia por força do §3° do artigo 7° da Lei 12.850/2013. Fica então a pessoa delatada com permissão ao acesso do “acordo de delação premiada”, assim como conhecer a identidade do órgão do Ministério Público e do Juiz que participaram do acordo, viabilizando um possível impedimento de um ou de ambos. Vale observar que mostra-se necessário que a publicidade não pode ferir alguns do direitos do colaborador preconizado no artigo 5°, incisos I, II, II, IV, V e VI da Lei 12.850/2013. Ressalta-se que a homologação do “acordo de delação premiada” é recebida pelo juiz por intermédio de decisão interlocutória, não se confundindo com “oferecimento da denúncia”, que é oferecida pelo Ministério Público para propor a ação penal. Oportuno salientar que nenhuma sentença condenatória terá como fundamento apenas nas declarações do delator, conforme inteligência do § 16° do artigo 4° da Lei 12.850/2013.
Quanto ao Estado, que de forma descontrolada vem usando o instituto da delação premiada para obter informações sobre determinada investigação, se mostra ultrapassado, sem o velho e bom procedimento investigatório realizado pela polícia, obtendo provas técnicas, identificando suspeitos, realizando diligências. Na verdade estamos diante de um Estado praticamente sem armas, que buscou na delação premiada uma forma de desvendar os crimes e seus autores, mesmo que para isso tenha que beneficiar ou premiar um acusado de um crime com uma pena mais branda ou com o perdão judicial, se tornando assim o Estado “amigo” do acusado, ou tornando-se o acusado “funcionário” do Estado. Há uma ineficiência/deficiência por parte do Estado na luta contra o crime organizado, ficando fragilizado frente a organizações tão organizadas ao ponto de premiar um criminoso que colaborar com a justiça, de premiar um “traidor”, afrontando valores ético e morais. Nos dizeres de Camile Eltz de Lima e Fernanda Corrêa Osório: “Nesse sentido, o uso ilimitado do instituto da Colaboração Premiada acaba por atestar a ineficiência dos meios legítimos e constitucionais do Estado para o exercício do poder punitivo, autorizando-o a valer de meios que afrontam valores éticos fundantes do próprio Estado de Direito, como as garantias limitadoras do poder do Estado e a segurança e estabilidade jurídica na sociedade.”1
Por fim, temos o instituto da delação premiada que pode ser usada de uma melhor forma, não transgredindo a ética e a moral, ser usada de forma consistente, trazendo o benefício ao delator de acordo com a lei, deixando com que o delator faça sua “traição” de forma livre e espontânea, talvez com o fim de abrandamento de sua pena, ou para que se tire de suas costas todas as acusações e divida com outros tal peso do resultado do delito, não se pode determinar uma prisão de um acusado para que se force uma delação, mais primordial que se respeite os princípios constitucionais do delator e delatado, que os órgãos persecutórios não usem a coação moral ou física para determinar quem deve ou não delatar com a promessa de benefícios em sua pena, e que não se trate a delação como uma prova incontestável.
Adriano Martins de Sousa
OAB/DF 46.469
Referências Bibliográficas.
Lei 12.850/2013. Que dispões sobre a Lei da Organização Criminosa.
1LIMA, Camile Eltz e OSÓRIO, Fernanda Corrêa. Processo Penal e Garantias. Florianópolis: Empório do Direito, 2ª Edição, 2016, pág. 201.
MOSSIN, Heráclito Atônio.; MOSSIN, Júlio César O.G. Delação Premiada Aspectos Jurídicos. 2ª ed. Ed. JHMIZUNO, 2016.
PRADO, Geraldo.; CHOUKR, Ana Cláudia Ferigato.; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Processo Penal e Garantias. 2ªed. Ed. Empório do Direito, 2016.