QUAL A RELAÇÃO QUE O COVID-19 TEM COM A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS E A PROTEÇÃO DA PRIVACIDADE
- Criado em 02/04/2020 Por Isadora Pavoni
O ano de 2020 começou com um teste para a humanidade, um vírus que teve início do seu foco na China, espalhou-se para o mundo inteiro de forma muito rápida, hoje são milhares de mortos e infectados pelo COVID-19.
O foco principal da discussão que o COVID-19 traz ao mundo são as questões econômicas e as relações trabalhistas, tendo em vista, que está sendo feita uma quarentena mundial para tentar amenizar a contaminação pelo vírus.
No entanto, precisamos falar sobre proteção de dados e privacidade da sociedade. Há diversos países utilizando geolocalização e reconhecimento fácil (coleta de dados) para monitorar as pessoas com o vírus e as possíveis infectadas por ele.
Nos Estados Unidos, as empresas de tecnologias, em conjunto com Google, Facebook, estão estudando formas de usar nossos smartphones (geolocalização) para combater o COVID-19, e dentre essas formas, uma delas incluiria o monitoramento de pessoas para averiguar se estão mantendo distâncias seguras uma da outra. Vale ressaltar que também está sendo estudada uma forma de coletar essas informações de forma anonimizada.
Nesse sentido passamos a nos questionar, se pelo interesse comum é possível que coletem nossos dados sem o nosso consentimento? E se a coleta não for anonimizada, eu vou sofrer alguma discriminação por estar com o vírus e por ter a possibilidade de ter contaminado alguém?
O advogado Adam Schwartz da Eletronic Frontier Foundation diz quem em razão da crise que estamos vivendo, é compreensível que alguns ajustes temporários em relação a nossa privacidade de dados devem ser feitos, porém é indispensável que esses ajustes sejam feitos realmente de forma temporária. Ou seja, em determinadas situações devemos nos adaptar visando o coletivo e não o individual. Sim, nossos dados são importantes, mas se eles podem salvar milhões de vidas, a gente precisa pensar no bem comum.
Em relação à legislação brasileira, em agosto de 2020 possivelmente entrará em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados, a qual trata sobre o tratamento de dados pessoais, com o intuito de “proteger os direitos fundamentais e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” (art. 1º da Lei).
O art. 2º prevê que a lei tem como fundamentos: o respeito a privacidade, a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, dentre outros fundamentos. Esse artigo é fundamental para demonstrar que a utilização dos dados deve respeitar a privacidade da pessoa, e não pode violar a intimidade, honra e imagem, caso o Brasil participe da iniciativa de usar geolocalização ou reconhecimento facial para monitoramento das pessoas com o COVID-19.
Essa lei é muito importante, já que os dados pessoais são a base para confeccionar políticas públicas para combate ao coronavírus, e mesmo que a lei ainda não esteja em vigor, por estar no seu período de vacatio legis, ela já deveria ser base para o governo criar sua políticas públicas, visando a proteção do coletivo e do individual.
A Lei Geral de Proteção de Dados prevê um capítulo específico para o tratamento de dados pessoais pelo Poder Público, mas há requisitos que devem ser respeitados, tais quais: o dever de informação, qual a finalidade para coleta e tratamento dos dados, que haja um encarregado para o tratamento dos dados. Infelizmente, a lei ainda não está em vigor, o que permite que o Brasil no caso de utilizar dados das pessoas para combater o COVID-19 de forma a violar direitos das pessoas, sem prejuízo de eventual responsabilidade legal já existente na nossa legislação.
No Rio Grande do Sul, já tivemos um caso de preconceito/discriminação em razão de uma pessoa estar contaminada pelo COVID-19, mesmo a pessoa e sua família estando isoladas, surgiram fake news de que ele estaria propagando o vírus. Ou seja, se passarem a coletar dados que não sejam anonimizados e esses vazarem, muitas pessoas podem vir a sofrer um preconceito por uma doença respiratória altamente contagiante.
Pesquisadores do MIT Media Lab, de Harvad e engenheiros do Uber e do Facebook criaram um aplicativo: o Private Kit: Safe Paths, mas diferentemente do que os governos estão ou pensam em fazer, esse app coleta dados e divulga informações com a rede do aplicativo por meio de consentimento, ou seja, as informações serão coletadas e compartilhadas se a pessoa concordar. E, de qualquer forma, as informações são anônimas, e o que se sabe é se passou ou não por uma pessoa contaminada.
O problema é que as pessoas que fizeram o teste e o resultado foi positivo, tendem a ter o maior cuidado e permanecer nas suas casas, porém os casos assintomáticos são os mais preocupantes, pois as pessoas podem estar contaminando outras sem saber que estão infectadas pelo vírus, e essas não serão consideradas dependendo da forma que os dados forem coletados.
Conforme notícia veiculada pelo The Wall Street Journal, a ideia do governo americano para rastreamento do vírus é criar algum um sistema de reconhecimento facial que analisa fotos para determinar quem teve contato com indivíduos que testaram positivo para o COVID-19, além da geolocalização.
A meu ver, priorizar o interesse coletivo ao individual deve ter limites muito bem estabelecidos, sob pena de haver uma violação da intimidade da pessoa e não só a coleta e tratamento de dados sem consentimento.
Essas são questões importantes de serem discutidas, pois por mais que tenha um interesse público e mundial por trás dessa coleta e tratamento de dados, precisamos estar bem informados e prestar atenção se quando essa pandemia passar os dados serão “descartados” e o Poder Púbico não utilizará essas informações para outras questões que fogem do nosso alcance no momento. Prestem atenção nos dados que vocês fornecem, nos termos de privacidade que vocês concordam, e solicitem informações quando acreditarem que estão utilizando para uma finalidade diferente pela qual os dados foram fornecidos. Os dados são nossos, não permitam que sejam utilizados de uma forma que você não concorda.
Fontes:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm
https://www.businessinsider.com/countries-tracking-citizens-phones-coronavirus-2020-3