LITIGÂNCIA CLIMÁTICA: INSTRUMENTO DE POLÍTICAS CONTRA MUDANÇAS CLIMÁTICAS
- Criado em 20/10/2020 Por Ana Lodi
Associação Internacional de Constitucionalismo, Transnacionalidade e Sustentabilidade
Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Direito Público
IX Congresso Internacional de Direito e Sustentabilidade (2019)
Universidade do Vale do Itajaí – Itajaí (Brasil)
LITIGÂNCIA CLIMÁTICA: INSTRUMENTO DE POLÍTICAS CONTRA MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Ana Lodi (1)
Maria Cláudia da Silva Antunes de Souza (2)
INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda a adequação ou inadequação dos esforços dos governos nacionais pode contribuir para proteger os direitos individuais e coletivos em relação às mudanças climáticas e seus impactos. O objetivo desta análise foi contribuir para a discussão chamando a atenção para o tema. Para tanto, foi feita uma análise de textos, artigos e documentários o tema. Após a análise dos argumentos, perceberam-se o papel fundamental das ações contra o agravamento das mudanças climáticas e dos processos de mitigação e adaptação às mesmas. Constatou-se que esses processos possibilitam evitar mais deterioração de biomas e ecossistemas, dado que, mesmo quando não produzam reparação, geram avaliações sobre o atual regime regulatório como instrumento que considera mudanças nas condições, e sobre a necessidade de uma reforma regulatória que possa reduzir riscos relacionados às mudanças climáticas para comunidades e o meio ambiente.
Apesar de sua contribuição relevante para a economia brasileira, o agronegócio impacta sobremaneira a natureza e causa consequências ao meio ambiente. Esse impacto causado pela atividade econômica humana, em especial na agropecuária, produz danos à biodiversidade e à saúde humana, uma vez que, consumindo recursos naturais à exaustão, provocam escassez dos mesmos e, com frequência, causam ainda a contaminação de água, ar e solo.
Além disso, produtos químicos e transgênicos são lançados no meio ambiente pela industrialização do agronegócio, que também faz uso de um alto volume de combustíveis fósseis causadores dos gases do efeito estufa (GEE).
Dessa estrutura planetária de produção originam-se 40% das emissões causadoras da mudança climática pelo consumo de combustíveis fósseis utilizados na geração de fertilizantes, no funcionamento do equipamento agrícola ou no transporte dos alimentos da lavoura à mesa.
Governos de países em desenvolvimento e ditos progressistas permitem princípios ativos banidos nos países mais desenvolvidos do mundo. Os agrotóxicos são permitidos nesses países em nome da produtividade, que os aceitam como se fossem uma necessidade; e movimentavam bilhões de dólares em produtos. O Brasil não foge a esse raciocínio do capitalismo colonialista agressivo. Em nosso país o lobby do agronegócio é muito poderoso e atua sobre a estrutura do Estado. Lideranças políticas exercem pressão sobre a ANVISA questionando a resolução que veta a comercialização e venda de agrotóxicos, E agrotóxicos tem estímulo o fiscal.
A anacrônica política agrícola vigente no país foi implementada na década de 1960. Embora tenha causado grande aumento da produção e da exportação nacional, a produção agropecuária em escala industrial, ocasionou sujeição a grande grupos estrangeiros e obrigatória utilização de seus produtos agroquímicos como sementes transgênicas, adubos artificiais e agrotóxicos, os chamados de ―defensivos‖ eufemismo para produtos altamente tóxicos), utilizando-se de altas quantidades de desses venenos para garantir a produção de mercadorias em escala industrial para exportação. Além de ser um padrão de produção que concentra a terra nas mãos de poucas famílias.
Assim, o Brasil é hoje o líder do ranking mundial de consumo de agrotóxicos, apesar de não ser o maior produtor agrícola. Ingerimos litros de venenos todos os dias. Segundo um relatório emitido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2015 com dados de 2013, a indústria agroquímica tem uma receita anual de cerca de R$ 36,6 bilhões. E esse mercado estava concentrado em apenas seis grandes empresas transnacionais: Monsanto (EUA), Syngenta (Suíça), Bayer (Alemanha), Dupont (EUA), Dow Agrosciens (EUA) e Basf (Alemanha), que após fusões e incorporações, tornaram-se três: Dupont e Dow, ChemChina e Syngenta e Monsanto e Bayer.
O Ministério da Saúde aponta anualmente milhares de casos de intoxicações agudas (reações que surgem logo após o contato com o veneno) por ano causadas por agrotóxicos, além das intoxicações crônicas que não são computadas, dado que surgem após anos de exposição a baixas doses.
Variados estudos têm apontado que o uso indiscriminado de agrotóxicos e de sementes transgênicas podem causar inúmeros problemas de saúde, como câncer, problemas respiratórios, endocrinológicos, imunológicos e mutações genéticas, entre outros, além de desestabilizar o clima. Em consequência, já não é mais apenas um problema econômico de meios de produção do agronegócio. Hoje, a escala industrial da agropecuária tornou-se uma questão de saúde pública e estabilidade de ecossistemas.
Para além dos problemas criados ao meio ambiente existem questões relacionadas a direitos humanos. Um dos exemplos disso é o impacto das fazendas de abacate no Chile. A privatização da água e modelo de agronegócio com o dinheiro de grandes empresas estrangeiras gerou uma depredação do território e privou a população de um elemento essencial: a água. A prioridade vira o agronegócio industrial e não a população. Os pequenos produtores, que tiravam sustento de pequenas propriedades rurais, também já não são capazes de sobreviver ao forte ataque do agronegócio em escala industrial. Esses pequenos produtores, que antes tinham água à vontade vinda de rios, hoje precisariam pagar pela água. Como não podem fazê-lo por falta de recursos, acabam vendendo suas terras para as grandes fazendas de agronegócio industrial, que compram mais água para a produção em grande escala, e deixam a população com menos água ainda. A água é controlada pelas elites locais. A desculpa é sempre a mesma: alimentar as pessoas.
Segundo Veronica Vilches (3), ativista e diretora do sistema Água Potável Rural (APR) de San José, no Chile, que tem a seu cargo a distribuição de água por aproximadamente 1000 residências:
Há anos que as plantações de abacate usam toda a água.
(…)
E agora os rios secaram, assim como os aquíferos.
(...)
As pessoas estão ficando doentes por causa da seca – ficamos numa situação em que temos de escolher entre cozinhar e lavar, ir à casa de banho em buracos no chão ou em sacos de plástico, enquanto as empresas agrícolas ganham cada vez mais dinheiro.
O ativista chileno da organização ambiental Modatima, Rodrigo Mundaca, ao conceder entrevista ao jornal britânico The Guardian (4), disse ter sido ameaçado pelas produtoras de abacate após denúncia sobre um esquema de desvio de água:
...outras pessoa que protestaram contra o desvio de água nas fazendas também foram ameaçadas, e moradores da região que trabalham para essas fazendas não denunciam o que é feito lá por medo de serem demitidos.
(...)
E também tem as áreas pobres onde os produtores de abacate construíram igrejas, centros comunitários, campos de futebol… para conseguir o apoio das pessoas. Quando elas reclamam da falta de água, eles ameaçam cortar os benefícios e tudo volta à sua ordem.
(...)
Outras famílias que moravam na região escolheram se mudar em busca de oportunidades de saúde e emprego, pois até pequenos produtores da área tiveram prejuízos por causa da falta de água e perderam seus sítios. (Nossa Tradução)
Parar de produzir e gerar desemprego não é a solução. Entretanto, não é ético que a União Europeia e os Estados Latino-americanos sigam comprando o abacate chileno daqueles que violam os direitos humanos sobre a água. Ninguém é contra o desenvolvimento econômico, que faz prosperar sociedades e populações. Contudo, isso só acontece quando o desenvolvimento econômico é saudável, e foco da prosperidade desse desenvolvimento está nas pessoas, na população, e não apenas no aumento de riqueza de poucos. Não se pode esquecer do ecossistema.
A luta por água não se limita ao Chile. Na Califórnia, a transformação de extensas áreas em grandes fazendas consumidoras de recursos naturais gerou mudanças climáticas que produzem secas de proporções dramáticas. Acontece que, até onde se saiba, temos apenas este planeta para habitar. Não há planeta reserva aguardando a aniquilação da Terra. Necessário se faz, portanto, ―consertar‖ os efeitos negativos de séculos de espoliação aos biomas e ecossistemas enquanto ainda há tempo. E isso precisa ser feito ―com o enfrentamento coletivo das mazelas sociais deste milênio, cuidando para preservar a qualidade de vida mundial‖ (5).
É preciso um sistema de certificação eficiente para que o uso dos recursos naturais promova o desenvolvimento regional, gere empregos e respeite o meio-ambiente. Existem antagonismos entre a opção econômica comercial e a opção da saúde. Nossa responsabilidade maior é a de garantir a saúde e a vida:
Neste sentido, o paradigma atual da humanidade é a Sustentabilidade. A Sustentabilidade consiste na vontade de articular uma nova sociedade capaz de se perpetuar no tempo com condições dignas. A deterioração material do planeta é insustentável, mas a pobreza também é insustentável, a exclusão social também é insustentável, assim como a injustiça, a opressão, a escravidão e a dominação cultural e econômica. A Sustentabilidade compreende não somente na relação entre econômico e ambiental, mas do equilíbrio humano frente às demais problemática. (6)
Segundo Souza e Dias (7), o desenvolvimento para a Sustentabilidade pressupõe equilíbrio entre as dimensões ambientais, econômicas e sociais - componentes de uma tríplice estrutura:
E é justamente a disparidade entre as três dimensões sustentáveis que resulta no caos ambiental e social da atualidade. Os interesses econômicos e a ambição humana se sobressaem sem consciência dos danos que causam e projetam no futuro. Não diferente, pois, é a agricultura na maior parte do mundo e especialmente no Brasil.
É primordial um sistema de governança que promova a sustentabilidade, esta entendida a partir de pontos essenciais para a continuidade da vida no planeta, sendo alertada quanto ao consumo, logística, reserva, resíduos agroindustriais, resíduos eletrônicos, produtos probióticos, biodiesel, agricultura familiar, conflitos socioambientais e políticas públicas enquanto estratégias para a viabilização de ações técnicas na sociedade contemporânea, mitigue as mudanças climáticas, promova a adaptação necessária às mudanças já inevitáveis, e garanta a preservação do ecossistema, segundo os princípios da prosperidade compartilhada e de não deixar ninguém para trás.
Os pensadores das políticas públicas nacionais e internacionais vem tentando produzir estratégias jurídicas para cobrar de autoridades ações reais contra degradações do meio ambiente (natural ou do trabalho), da saúde de populações, deslocamentos humanos em massa, que causam danos a direitos humanos individuais e coletivos, e principalmente, àqueles que geram mudanças climáticas. O Acordo de Paris previa um catálogo de compromissos nacionais com o objetivo de evitar aquecimento global médio superior a 1,5 ° C e 2 ° C. Vários países já elaboraram políticas e normas jurídicas para tratar diferentes perspectivas e peculiaridades do problema climático. Os litigantes começaram a fazer uso desses codificações em argumentos sobre a adequação ou inadequação dos esforços dos governos nacionais para proteger os direitos individuais e coletivos em relação às mudanças climáticas e seus impactos.
1. CENÁRIO BRASILEIRO
Durante a Rio-92 o Brasil adquiriu prestígio internacional de potência econômica de baixo carbono. Com a entrada do governo que iniciou seu mandato em janeiro de 2019, o Brasil abandonou a liderança reconhecida nas tratados e pactos sobre sustentabilidade.
O país, que houvera se candidatado com sucesso a ser a sede da Conferência das Partes (COP), a mais importante reunião política mundial a respeito de medidas para a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas, retrocedeu da propositura, e a COP-25 será sediada pelo Chile.
É perceptível que, como nação, não estamos no melhor momento de nossa história para debates que busquem a defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, e em busca de preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme princípio constitucional da solidariedade intergeracional exarado na parte final do caput do art. 225 da nossa Constituição Federal8. Ainda assim, é essencial buscarmos estratégias para fazê-lo, dado que estamos destruindo um ativo fundamental para a nossa sobrevivência e para a sobrevivência da vida. Ao reconhecer o direito ao meio ambiente como direito fundamental da pessoa humana, a Constituição Federal de 1988 deu direcionamento ao nosso ordenamento jurídico a respeito do tema. Portanto, é necessário que façamos uso dessas normas de maneira a promover a preservação do meio ambiente como alicerce onde baseia-se a política econômica e social.
2. DE QUEM É A RESPONSABILIDADE?
Os custos crescentes dos danos causados por eventos climáticos extremos, muitos exacerbados pelas mudanças climáticas, fazem uma pergunta com um preço muito sério: quem estará disposto a pagar pelos danos climáticos?
A CF/88 estabelece a tríplice penalização do poluidor. No art. 225, § 3º, da Constituição Federal (8) previu a tríplice penalização do poluidor, tanto pessoa física como jurídica do meio ambiente, estabelecendo sanção penal, por conta da chamada responsabilidade penal, a sanção administrativa, em decorrência da denominada responsabilidade administrativa, e a sanção civil, em razão da responsabilidade civil (BRASIL, 1998). A referida obrigação de reparar o dano causado ao meio ambiente se dá de forma objetiva, ou seja, o causador é obrigado a reparação do quanto lesionado, seja pessoa física ou jurídica, independente de culpa.
Nos últimos anos, uma série de ações judiciais chegou aos tribunais em busca de uma resposta, alegando a responsabilidade de empresas e estados, através de ações coletivas ajuizadas em face dos Estados e empresas por danos causados pelas mudanças climáticas. Também importante, mas ainda não tão litigada, será a questão de quem deve pagar para preparar a infraestrutura para os impactos das mudanças climáticas e, assim, evitar consequências potencialmente desastrosas e caras.
Um novo artigo de Dena Adler (9), bolsista de Direito Climático do Sabin Center da Columbia University, analisa o desenvolvimento de litígios que moldam uma resposta inicial a essas perguntas no contexto de energia e infraestrutura industrial. O artigo considera especificamente ações judiciais e administrativas recentes que podem indicar a mudança de responsabilidades legais para proprietários de infraestrutura de energia costeira e ribeirinha sob a Lei da Água Limpa (CWA), a Lei de Conservação e Recuperação de Recursos (RCRA), os códigos estaduais de ar e água e a Lei Nacional da Água. Lei de Política Ambiental (NEPA). Cita como exemplo, cita:
o Texas está buscando US $ 12 bilhões, principalmente do governo federal americano, por uma "espinha" de 90 quilômetros de paredões que protegerão uma seção da Costa do Golfo do Texas - incluindo um viveiro de instalações petroquímicas vulneráveis a espalhar uma bagunça tóxica se danificadas durante um futuro furacão. Mas que ações a lei exige que essas instalações tomem por conta própria para se preparar para as mudanças climáticas e esses requisitos devem ser mais altos?
(...)
Esses incidentes destacam a crescente vulnerabilidade de muitas instalações costeiras e ribeirinhas que armazenam, processam ou transportam produtos petrolíferos e produtos químicos, aos muitos impactos de uma mudança climática, incluindo aumento de precipitações fortes, furacões e tempestades com aumento do nível do mar.
(...)
Mudando a maré na adaptação das infraestruturas de energia costeira e fluvial: uma onda emergente de litígios pode avançar na preparação para as mudanças climáticas ‖ Explora como uma nova onda de ações judiciais de ―falha na adaptação‖ procurou esclarecer como uma mudança climática pode mudar os preparativos razoáveis governos e atores privados devem assumir, inclusive aumentando a resiliência de sua infraestrutura.
As ações de litigância climática englobam normas constitucionais, e legislação mais específica, além das estatutárias de maneira mais ampla. Porém, a questão que ADLER (Will new litigation pressure energy & industrial infrastructure to prepare for climate change? – online no Climate Law Blog) levanta em seu artigo é se as violações adicionais latentes são passíveis de punição e reparação quando da ocorrência de eventos climáticos extremos:
Proprietários despreparados de infraestrutura de energia podem arriscar violações adicionais sob a lei ambiental devido a liberações não permitidas de poluição do ar e da água durante eventos climáticos extremos para os quais não estão adequadamente preparados?
Seja lá quem pague a conta, o que parece ponto pacífico para todos os especialistas é que sai mais barato tomar ações de mitigância e adaptação preventivamente do que ligar com os futuros custos dos e eventos climáticos extremos que provavelmente estão por vir.
3. LITIGÂNCIA CLIMÁTICA NO BRASIL E INSTRUMENTOS PROCESSUAIS
O sistema processual pátrio coloca à disposição dos litigantes ampla estrutura para a tutela jurisdicional do clima, dos indivíduos, e dos demais seres não humanos vítimas de danos devido às mudanças climáticas. São remédios jurídico-constitucional para a litigância climática e tutela de direitos fundamentais a ação civil pública, a ação popular, o mandado de segurança coletivo, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), e a ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental. Temos, ainda, contundente matéria jurisprudencial do STJ, em onze teses que, em parte, suprem a lacuna deixada pela inexistência de um Código Processual Coletivo.
Os pedidos podem variar sobre demanda de criação de regras, legislação ou políticas para promover a redução de emissões de gases de efeito estufa; insurgir-se contra políticas e regras, relativas a mudanças climáticas, restritivas à atuação das empresas, ou ainda requerer sua inclusão em políticas de benefícios; demandar a inclusão/exclusão das mudanças climáticas em estudos de impacto ambiental e/ou processos de licenciamento; pleitear pela extensão de direitos humanos, civis ou de propriedade a indivíduos ou a grupos afetados por efeitos de mudanças climáticas, ou, por fim, para resistir a medidas de políticas climáticas. Nas demandas contra governos podem existir ações "prós" e "contra" o avanço das políticas climáticas.
Apesar dos instrumentos processuais possíveis e da jurisprudência, as ações de litigância climática ainda são subutilizadas no Brasil. A medida que formos capazes de utilizar todas as oportunidades para ajuizar ações em defesa da tutela do clima e das vítimas dos eventos climáticos extremos estaremos mais próximos de alcançar o ODS13 (10) - Objetivo 13 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, documento final adotado na Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em setembro de 2015.
4. A IMPORTÂNCIA CLIMÁTICA COMO INSTRUMENTO DE ADOÇÃO DE POLÍTICAS CONTRA MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Os bens ambientais e a vida não humana, conforme entendido por Gabriel Wedy (11):
sempre foram considerados como instrumentais aos objetivos socioeconômicos da humanidade, despidos de valor intrínseco, de dignidade própria e de direitos. Com isso, estamos destruindo um ativo fundamental para a nossa sobrevivência e para a sobrevivência da vida.
Segundo o relatório The status of climate change litigation – A global review (12), do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UN Environmental Programme) - litígios nunca foram tão importantes para pressionar legisladores, formuladores de políticas públicas e atores do mercado a desenvolver e implementar meios eficazes de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Presumivelmente, as novas tecnologias já não terão tempo para impedir a instabilidade do clima planetário e os consequentes danos. É preciso parar a produção de ações que são a causa dessa desestabilização.
Segundo Ana Maria Nusdeo (13), Professora Associada do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Professora de Direito Ambiental da FD-USP:
A litigância climática é uma estratégia complementar à ação política de reivindicação da adoção de políticas climáticas, de aumento de sua ambição ou, simplesmente, da efetividade de normas que as estruturam. Vem desempenhando papel crescente para a consecução desses objetivos em outros países.
O estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pelo Sabin Center para o Climate Change Law da Universidade de Columbia descobriu que o número de ações judiciais envolvendo mudanças climáticas triplicou desde 2014, com os Estados Unidos na liderança. Os pesquisadores identificaram 654 ações nos EUA - três vezes mais que o resto do mundo combinado. Muitos dos processos, geralmente apresentados por indivíduos ou organizações não-governamentais, procuram responsabilizar os governos pelos compromissos legais relacionados ao clima.
O Acordo de Paris veio fornecer base legal para pressionar os governos, que adotaram leis que de promoção a mitigação e a adaptação climáticas, a implementá-las, deixando mais claras as lacunas reais entre as políticas existentes e as políticas que ainda são necessárias para se atingir os objetivos da mitigação e da adaptação. O Acordo criou uma responsabilidade dos Estados. A Agenda 2030 das Nações Unidas para o desenvolvimento, adotada pelos chefes de Estado, com o conceito de soft law, possui inegável peso político.
No âmbito corporativo, apesar dos ODS não terem uma força vinculante legal, a natureza flexível pode servir no contexto da responsabilidade social corporativa, é, sem dúvida, uma alavanca poderosa e instrumento legal de prestação de contas se a empresa se comprometer.
No nível doméstico, isso significa que os compromissos internacionais assumidos por governantes perante as Nações Unidas devem ser apoiados por medidas politicamente difíceis e complexas.
O papel do Poder Judiciário encontra respaldo jurídico na lesão aos direitos fundamentais e coletivos, obrigação atribuída ao Estado e prevista no art. 225 da Constituição Federal (entendimento do STF a respeito do alcance jurídico do art. 225). Dessa forma, é também dever do Poder Judiciário a concretização do regramento legal a respeito das mudanças climáticas, o qual começa a contribuir utilizando o aspecto técnico da questão das mudanças climáticas com as possibilidades jurídicas que o ordenamento brasileiro possui.
A litigância climática é considerada ferramenta judicial estratégica, já que a sociedade civil tem usado litígios para fins de alavancar as políticas dos estados. Nesse sentido, os aspectos políticos estão entrelaçados com considerações legais, portanto, uma abordagem positivista estritamente jurídica, não compreenderia as complexidades do assunto. Seus objetivos vão de adequar os processos políticos, econômicos e sociais aos compromissos de redução das emissões de GEEs que violam inúmeros direitos, como os direitos das futuras gerações, o direito à saúde, o direito à um meio ambiente sustentável, ao direito à segurança alimentar, e direitos dos povos e comunidades tradicionais, entre outros.
A litigância climática pode ser usada para facilitar a regulação climática e responsabilizar os legisladores ou pode ser usada para se opor ou enfraquecer a regulação climática, no entanto, estudos mostram que dois terços das decisões judiciais confirmaram o que dispõe o ordenamento climático internacional, e, portanto, o litígio parece ter tido uma influência construtiva até agora.
Judiciário possui legitimidade para instigar o Poder Público a editar leis e regulamentações e a aplicar as previsões normativas já estabelecidas pelo ordenamento jurídico, para a mitigação ou para a adaptação às mudanças climáticas. O Brasil, sendo um dos maiores emissores mundiais, tem as condições para atingir a neutralidade de emissões de carbono em 2050. As emissões nacionais mostram que o desmatamento, a agricultura e o setor de energia são responsáveis por entorno de um terço das emissões totais cada um em 2014. O desmatamento na Amazônia ainda é grande, de 5 mil m² ao ano, e poderia diminuir ao redor de 2 mil m² se o Novo Código Florestal for entrasse em vigor de fato.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda há resistência em reconhecer os problemas da cadeia produtiva que leva comida para a nossa mesa e mantém funcionando o sistema capitalista de larga escala de consumo. Esse alto consumo alimenta a riqueza dos grandes conglomerados internacionais às custas de um sistema de produção que claramente causa mudanças climáticas ao ecossistemas, que destruídos, não serão mais capazes de sustentar a preservação das espécies, incluindo a humana, e do planeta. O sistema é grande e forte. Há enormes interesses políticos e econômicos envolvidos, interesses esses contrários a direitos humanos individuais coletivos que não mais admitem submeter-se a interesses econômicos.
Já não se fala mais em mudanças climáticas e sim em crise climática. E a urgência dessa crise climática exige vários graus de intervenção e o envolvimento de poderes estatais, do setor privado e de entidades da sociedade civil. Número de ações judiciais e contendas administrativas envolvendo pleitos relacionados à mitigação e à adaptação às mudanças climáticas globais tem crescido consideravelmente. Tribunais nacionais e internacionais foram chamados a julgar essas demandas. Em muitos desses casos, a litigância climática é utilizada como parte de uma estratégia mais ampla para alavancar e avançar a governança climática.
O litígio emergiu como ferramenta importante nos esforços de mitigação e adaptação em andamento para promover atitudes reais contra as mudanças climáticas. Isso se deve em grande parte ao crescente número de leis nacionais abordando diretamente as mudanças climáticas e, portanto, fornecendo bases para litigantes que buscam trazer governos e atores privados a prestar contas de obrigações de mitigar ou adaptar. Nesse sentido, destacamos também o papel desempenhado pelo Acordo de Paris, que coloca leis e políticas nacionais em um contexto global e desse modo, permite que os litigantes interpretem dos governos compromissos e ações como adequados ou inadequado.
Como o litígio sobre mudanças climáticas proliferou, abordou um escopo cada vez maior de atividades, desde o desenvolvimento costeiro até planejamento de infraestrutura para extração de recursos – em rastrear através de esforços legais a longo prazo lista variada de maneiras pelas quais as mudanças climáticas afetam ecossistemas, sociedades e interesses individuais coletivos. Também encontrou uma lista crescente de questões legais, como a exibição causal necessária para estabelecer a responsabilidade, e a relevância da confiança pública nas doutrinas às abordagens sobre como os governos devem realizar a mitigação e a adaptação a mudanças do clima. Além terem proliferado, ações de litigância em mudança climática também parecem crescer em ambição e eficácia: casos ao redor de todo o mundo fornecem exemplos de litigantes responsabilizando os governos pelas ações ou inações que incidem sobre os direitos desses litigantes em meio a mudanças no clima e na costa.
Ações de litigância climática, ainda que não produzam reparação aos demandantes possibilitam o aclaramento sobre até que ponto o atual regime regulatório obriga a considerar mudanças nas condições, e a partir de onde a reforma regulatória pode reduzir os riscos relacionados às mudanças climáticas para as comunidades e o meio ambiente.
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS
ADLER, Dena. Climate Law Blog. Sabin Center for Climate Change Law. Will new litigation pressure energy & industrial infrastructure to prepare for climate change? Postado em 16 jan 2019. Disponível em http://blogs.law.columbia.edu/climatechange/2019/01/07/the-trial-of-the-century-a-preview-of-how-climate-science-could-play-out-in-the-courtroom-courtesy-of-juliana-v-united-states/. Acessado em 01 out 2019.
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1 Acadêmica do 6º período em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. Certificada em Management Studies pela Universidade de Oxford Brookes (Reino Unido). Pós-graduada em Gênero, Sexualidade e Direitos Humanos pela Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ. Itajaí/SC. analodi@analodi.com
2 Doutora e Mestre em "Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad" pela Universidade de Alicante - Espanha. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI - Brasil, Graduada em Direito pela UNIVALI - Brasil. Professora no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, nos cursos de Doutorado e Mestrado em Direito e na Graduação no Curso de Direito da UNIVALI. Coordenadora do Grupo de Pesquisa: ―Estado, Direito Ambiental, Transnacionalidade e Sustentabilidade‖, cadastrado no CNPq/EDATS/UNIVALI. Membro da Comissão de Direito Ambiental do IAB (2016/2018). Advogada e Consultora Jurídica. E-mail: mclaudia@univali.br.
3 APETITE DOS EUROPEUS POR ABACATES DEIXA RIOS E POPULAÇÕES SEM ÁGUA NO CHILE. The Uniplanet. 2018. Disponível em https://www.theuniplanet.com/2018/06/apetite-europeus-abacates-rios-chile-agua-seca-petorca.html. Acesso em: 03/10/2019.
4 CHILEAN VILLAGERS CLAIM BRITISH APPETITE FOR AVOCADOS IS DRAINING REGION DRY. The Guardian. 2018. Disponível em https://www.theguardian.com/environment/2018/may/17/chilean-villagers-claim-british-appetite-for-avocados-is-draining-region-dry. Acesso em: 03/10/2019.
5 SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes; MAFRA, Juliete Ruana. A sustentabilidade e seus reflexos dimensionais na avaliação ambiental estratégica: o ciclo do equilíbrio do bem-estar. p. 25. Disponível em:<>http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=ec82bd533b0033cb>. Acesso em: 10 out 2019.
6 SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes; MAFRA, Juliete Ruana. A sustentabilidade e seus reflexos dimensionais na avaliação ambiental estratégica: o ciclo do equilíbrio do bem-estar. p. 5.
7 CONSTITUIÇÃO, DIREITO AMBIENTAL E A CONTEMPORANEIDADE. Coleção Diálogos entre a Ciência Jurídica e a Contemporaneidade. Vol. III. Aline Rohrbacher Brandão... [et al.]; José Everton da Silva, Fernanda Sell de Souto Goulart, Jaqueline Moretti Quintero (orgs.) – Itajaí; Universidade do Vale do Itajaí; 2019. p. 151.
8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
9 ADLER, Dena. Climate Law Blog. Sabin Center for Climate Change Law. Will new litigation pressure energy & industrial infrastructure to prepare for climate change? Postado em 16/01/2019. Disponível em
http://blogs.law.columbia.edu/climatechange/2019/01/07/the-trial-of-the-century-a-preview-of-how-climate-science-could-play-out-in-the-courtroom-courtesy-of-juliana-v-united-states/. Acessado em 01/10/2019.
10 ONU. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). 2015. Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/ods13/. Acessado em 05/10/2019.
11 WEDY, Gabriel. Ambiente Jurídico. A evolução do Direito Ambiental e a sua definição no Brasil. Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-mar-23/ambiente-juridico-evolucao-direito-ambiental-definicao-brasil. Publicado em 23/03/2019. Acessado em 12/09/2019.
12 BURGER, Michael; GUNDLACH, Justin M. The Status of Climate Change Litigation: A Global Review. 2017. Disponível em https://academiccommons.columbia.edu/doi/10.7916/d8-6ern-m124. Acessado em 05/10/2019.
13 NUSDEO, Ana Maria De Oliveira. Jota. Política climática brasileira e seu potencial de judicialização: Os tipos de ação que têm os governos como réus, à semelhança do caso Urgenda. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/politica-climatica-brasileira-e-seu-potencial-de-judicializacao-06052019. Publicado 06/05/2019. Acessado em 12/09/2019.