RECOMENDAÇÕES DA COMISSÃO DE DIREITO CONDOMÍNIAL DA OAB/DF AOS SÍNDICOS E CONDÔMINOS EM TEMPOS DE PANDEMIA DE COVID-19
- Criado em 01/04/2021 Por Cirelle Monaco de Souza
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECCIONAL DO DISTRITO FEDERAL COMISSÃO DE DIREITO CONDOMINIAL
O presente instrumento foi elaborado pela Comissão de Direito Condominial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Distrito Federal. Temo como objetivo colaborar com a elucidação das principais dúvidas registradas por síndicos, gestores, administradores de condomínios edilícios, condôminos, membros de associação de moradores e demais interessados, no que se refere à gestão das áreas comuns dos condomínios durante a pandemia de COVID-19.
Como é de conhecimento público, ao longo do último ano as autoridades competentes têm emitido diversos Decretos regulamentando temporariamente diversos assuntos do cotidiano dos cidadãos, dentre eles o uso e gozo das áreas comuns dos condomínios e, reflexamente, por vezes, até mesmo das áreas privativas.
Por terem vigência temporária, tem sido comum as incertezas sobre o que poderá ou não ser feito no período compreendido entre o fim da vigência de um Decreto e o início da vigência do próximo, bem como se, diante da ausência de novo Decreto, como deverá ser gerida a situação regulamentada pelo anterior.
Como agravante, ainda temos as judicializações que questionam a legalidade de tais Decretos, que de um momento para o outro deixam ou, na mesma velocidade, voltam a ter validade e aplicabilidade.
As dúvidas geradas em decorrência desse “vai e vem” têm sido fonte de atritos, de desgastes internos dentro da comunidade condominial, assim como entre a comunidade e a administração do condomínio, conflitos que não raro têm ido parar no Judiciário.
Importante ressaltar que, com amparo no disposto no artigo 1.348, II, do Código Civil, não havendo norma que regulamente o funcionamento, uso e gozo das áreas comuns do condomínio durante a situação de pandemia, os síndicos têm autonomia para, em caráter emergencial e excepcional, disciplinar as situações que lhe são postas em busca da defesa dos interesses comuns da comunidade condominial, no caso a prevenção ao contágio por COVID-19.
Não obstante a legitimidade do síndico para regulamentar excepcionalmente as demandas que vierem a surgir, recomendamos, sempre que possível, que a decisão adotada seja convalidada em assembleia e, de maneira mais prática e objetiva, que seja elaborado e aprovado em assembleia um conjunto de normas temporárias que regulamente o uso das áreas comuns, que vigorarão apenas enquanto a pandemia perdurar, de maneira a gerar estabilidade, previsibilidade quanto às regras a serem seguidas por todos os condôminos, evitando assim discussões e desgastes desnecessários.
Feitas as considerações iniciais, com o objetivo de esclarecer e colaborar com a apaziguamento das divergências, apresentamos as recomendações abaixo, que são resultado de ampla discussão dentre os membros que subscrevem este instrumento. Vejamos:
I. REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIAS
Não há lei que proíba a realização de assembleias virtuais. Assim, se a Convenção do condomínio não tiver restrição expressa à essa modalidade de assembleia, a fim de se preservar a saúde, a vida e a integridade de todos os envolvidos, recomendamos que enquanto perdurar a pandemia que elas sejam realizadas através de meios virtuais.
É imprescindível que para a realização de assembleias virtuais sejam utilizados recursos tecnológicos específicos para essa finalidade, que deverão permitir, assegurar a realização de auditoria sobre a higidez da sua realização, ampla liberdade de manifestação por parte dos participantes, segurança na identificação dos condôminos e, sobretudo, na coleta e contabilização dos votos. A inobservância destes requisitos poderá ocasionar na anulação da assembleia.
Cabe ressaltar diversos Cartórios de Registro de Títulos e Documentos do Distrito Federal têm registrado as atas das assembleias gerais realizadas pelos meios virtuais, desde que observados todos os requisitos legais e garantido que as assembleias e votações tenham sido realizadas por sistema utilizado cumpra os requisitos mínimos descritos no parágrafo anterior.
Por fim, destacamos que, caso haja a vedação expressa nas normas internas do condomínio em relação à realização de assembleias virtuais, deverão os síndicos consultar assessoria jurídica especializada em Direito Condominial, para que juntos possam definir a melhor solução para cada caso, podendo, inclusive, optar por ajuizar ação judicial para requerer autorização para a realização de assembleia pelos meios virtuais, garantindo a preservação da vida, da saúde e da integridade de todos os participantes.
II. UTILIZAÇÃO DAS ÁREAS COMUNS
As áreas comuns de lazer do condomínio são àquelas destinadas ao convívio e entretenimento dos condôminos e compreendem os pilotis, salões de festas, academias, churrasqueiras, piscinas, quadras poliesportivas, saunas, brinquedotecas, entre outros espaços de uso coletivo.
Nesse sentido, destacamos que, em caso de vigência de Decretos Distritais que proíbam expressamente a utilização das áreas comuns em condomínios, os síndicos devem manter todos os espaços de uso comum pela coletividade condominial devidamente fechados.
Caso não exista nenhum Decreto que regulamente, o síndico, com base no artigo 1.348, II, do Código Civil, poderá regulamentar o uso destas áreas de maneira excepcional e temporária, sendo que, preferencialmente, esta regulamentação seja aprovada em assembleia.
No tocante a fiscalização do cumprimento de tais obrigações pelos condôminos, a competência do síndico é aquela fixada em Lei e na Convenção. Eventuais transgressões de condutas previstas em Decretos, a rigor, não impõem ao síndico a responsabilidade pela sua fiscalização, que deverá ser exercida pelas autoridades públicas competentes.
Para a aplicação de penalidades decorrentes de eventuais descumprimentos, é necessário que exista previamente norma interna do condomínio que preveja a respectiva penalidade.
III. OBRAS EM ÁREAS COMUNS E UNIDADES AUTÔNOMAS
As obras urgentes, que tenham por objetivo corrigir falhas estruturais, assim como as benfeitorias estritamente necessárias à manutenção e uso do imóvel não podem ser proibidas, e devem ocorrer de acordo com as determinações do Código Civil, da Convenção do Condomínio e do Regimento Interno.
Lembramos da necessidade do uso constante do bom senso, exercício da empatia e alteridade, pois há muitos condôminos que estão trabalhando e tendo aulas em casa, de maneira que os incômodos decorrentes de obras que outrora sequer seriam observados pelos vizinhos, agora podem chegar a inviabilizar o desenvolvimento das atividades remotas.
IV. MUDANÇAS
Não obstante a grave situação da pandemia, a completa proibição de realização de mudanças, ainda que pautada em decisão assemblear, configura arbitrariedade que impede o exercício pleno do direito de propriedade, de modo que recomendamos aos síndicos não proibirem a realização de mudanças.
V. PROIBIÇÃO DE VISITAS
A proibição de acesso de visitantes às unidades autônomas e privativas, ainda que fundamentadas na vigência de toque de recolher estipulado pelo Poder Público, não goza de validade e acarreta na violação aos direitos e garantias fundamentais.
Isso porque, além do já mencionado direito de propriedade privada, neste ponto, se faz necessário citar também a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, e da casa do indivíduo, garantias fundamentais previstas no artigo 5º, incisos X e XI da Constituição Federal.
A proibição arbitrária do recebimento de todo e qualquer visitante nas unidades autônomas viola a esfera íntima da vida privada do condômino, o que pode dar ensejo, inclusive, ao acionamento judicial do Condomínio.
Assim sendo, nossa recomendação aos gestores condominiais é para que não proíbam os condôminos de receberem visitantes em suas unidades residenciais, o que não os liberam e desoneram, entretanto, de que se façam cumprir os normativos internos vigentes, especialmente no que tange ao respeito ao silêncio a fim de não causar incômodos e perturbações aos demais vizinhos.
VI. ENTREGADORES (DELIVERY)
Aos condomínios que permitem a entrada do entregador, recomendamos que, temporariamente, o acesso após os limites da portaria/recepção seja proibido, afinal é da natureza do serviço de entrega que o entregador mantenha contato com diversas pessoas durante seu expediente de trabalho.
Porém, caso a realidade do condomínio mostre a necessidade da continuidade desse serviço, recomendamos o reforço na observância por parte dos agentes de portaria dos protocolos de prevenção ao contágio por COVID-19 a serem exigidos dos entregadores como condicionante ao acesso às dependências do condomínio.
VII. DEVER DE INFORMAÇÃO DO CONTÁGIO
Nos termos do artigo nos termos do artigo 1.336, inciso IV do Código Civil, existe o dever legal do condômino de usar a edificação de modo a não prejudicar a segurança, o sossego e a salubridade dos demais moradores,
Além desta previsão legal, é comum que constem nas Convenções a obrigatoriedade do condômino comunicar à administração do condomínio a ocorrência de doença infecto contagiosa que venha a acometer qualquer ocupante da sua unidade autônoma.
Desta forma faz-se necessária a comunicação à administração condominial do contágio e/ou suspeita de infecção pelo coronavírus (COVID-19), de modo a preservar a vida e segurança de todos os demais vizinhos.
A comunicação da existência de um condômino contaminado por COVID-19 serve para a intensificação das medidas de precauções de higiene e proteção, especialmente no que tange a limpeza e desinfecção das áreas comuns, bem como para alertar os demais moradores para aumentarem os cuidados ao utilizarem as áreas de circulação inevitável, como elevador, hall de entrada, garagem, dentre outros.
Contudo, os síndicos, gestores e administradores condominiais, ao tomarem conhecimento do contágio e/ou suspeita de algum morador pelo coronavírus (COVID-19), não podem expor a identificação do enfermo ou a unidade a qual ele pertença, sob pena de violar a sua intimidade e privacidade.
VIII –OBSERVÂNCIA DOS PROTOCOLOS E MEDIDAS DE SEGURANÇA PARA CONTENÇÃO DO CONTÁGIO PELO CORONAVÍRUS (COVID-19)
É imprescindível que os condomínios, associações e demais entidades afins, cumpram com todos os protocolos e medidas de segurança para contenção do contágio e disseminação do coronavírus (COVID-19), que já são de conhecimento público e notório, mas ainda assim vale ressaltar alguns:
a) garantir a distância mínima de dois metros entre as pessoas;
b) evitar aglomerações nas áreas comuns e dentro das unidades autônomas;
c) utilização constante de máscaras por parte de todos os transeuntes das áreas comuns;
d) evitar a participação nas equipes de trabalho de pessoas consideradas do grupo de risco, tais como idosos, gestantes e pessoas com comorbidades consideradas essas conforme descrito no Plano de Contingência da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal;
e) priorizar, no atendimento aos condôminos, o agendamento prévio ou a adoção de meios eletrônicos, a fim de se evitar aglomerações de pessoas;
f) disponibilizar álcool 70% nas áreas comuns, em pontos estratégicos (guarita, elevadores, corredores de acesso às unidades privativas, etc.), a todos os condôminos, moradores, colaboradores e demais transeuntes;
g) viabilizar a aferição de temperatura de todos os transeuntes pelas áreas comuns do condomínio;
h) manutenção da interdição dos salões de festas;
i) aferir e registrar, ao longo do expediente, incluída a chegada e a saída, a temperatura dos empregados, colaboradores, terceirizados e prestadores de serviço;
j) Quando constatado febre ou estado gripal do condômino, empregado, colaborador, terceirizado e prestador de serviço, é recomendado a sua retirada e permanência das áreas comuns do condomínio, orientando-o a procurar o sistema de saúde;
k) Orientar a utilização dos elevadores apenas por pessoas da mesma unidade privativa e/ou do mesmo convívio familiar;
l) Não havendo proibição contida em Decreto ou em norma temporária aprovada em assembleia, que o uso das academias, brinquedotecas, salões de jogo, saunas e piscinas seja feito em escala de revezamento, de maneira que apenas os moradores de uma mesma unidade autônoma utilizem cada espaço a cada vez ou, caso a destinação e o tamanho do espaço físico ocupado permita o uso compartilhado, que seja reduzido o número máximo de usuários e que os equipamentos sejam dispostos a uma distância mínima de 2 metros um do outro.
Verifica-se, portanto, é necessário colaboração da coletividade condominial evitando-se situação perigosa, lesiva ou prejudicial a vida ou a saúde de outrem, no intuito de não incorrer em eventuais infrações sanitárias de contenção e disseminação do coronavírus (COVID-19) e quiçá em possível prática de ilícito penal.
IX. CONCLUSÃO
A Comissão de Direito Condominial da OAB/DF, defende a
aplicabilidade dos Decretos emitidos pelo Poder Executivo – Federal, Estadual, Municipal e/ou Distrital – desde que tais decretos não violem direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.
Inexistindo regulamentação por Decretos ou nas normas internas do condomínio, caberá ao síndico, com base no artigo 1.348, II do Código Civil, suprir essa falta.
Não obstante a clara previsão legal que assegura ao síndico a possibilidade de, em situações excepcionais, poder regulamentar as situações da vida condominial, recomendamos que tão logo seja possível, que as regulamentações formuladas pelo síndico sejam objeto de deliberação em assembleia.
Por fim, recomendamos que o mais adequado é que sejam elaboradas normas temporárias, uma espécie de “mini regimento interno”, contendo todas as regras necessárias ao ajuste do uso das áreas comuns dos condomínios em tempos de pandemia, e submetê-las à deliberação e aprovação em assembleia, a ser realizada preferencialmente na modalidade virtual, afastando assim qualquer dúvida ou discussão quanto a validade e eficácia das regras temporárias.
Ressaltamos que não há a pretensão de exaurir o tema com o presente documento, bem como o seu teor não é vinculativo.
Tratam-se de recomendações a fim de auxiliar na criação de parâmetros de diretrizes básicas a serrem implementadas nos condomínios do Distrito Federal e seguidas por seus respectivos condôminos.
Caso remanesçam dúvidas, um advogado especialista em Direito Condominial deverá ser consultado.
A elaboração deste instrumento contou com a valorosa colaboração dos advogados membros da Comissão de Direito Condominial da OAB/DF a seguir nominados: CIRELLE MONACO DE SOUZA; CRISTIANE YUMI ONO; ISABELLA ZUBA DE OLIVA CANDIA; LUANA ESTEVES FREITAS; MARCIO ZUBA DE OLIVA; NATÁLIA VIEIRA; PRISCILA PEDROSO.
Brasília, 01 de abril de 2021
DÉLIO LINS E SILVA JÚNIOR
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Distrito Federal
ALMIRO CARDOSO FARIAS JUNIOR
Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB/DF
ERIKA ALBUQUERQUE CALHEIROS
Vice Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB/DF
KARINA MELO SARAIVA
Secretária Geral da Comissão de Direito Condominial da OAB/DF
HENRIQUE GOMES DE ARAÚJO E CASTRO
Secretário Geral Adjunto da Comissão de Direito Condominial da OAB/DF