QUEBRA DE CONTRATO POR INADIMPLÊNCIA – DIREITO DO CREDOR X COAÇÃO
- Criado em 07/12/2018 Por Vanessa Ferranti
Muitos prestadores de serviços à título oneroso condicionam o objeto de seus contratos ao pagamento. Outrossim, deixar de fornecer um documento ou serviço de caráter essencial já foi considerado, em casos específicos, prática do crime de coação.
É possível mencionar o caso concreto de uma instituição de ensino particular que, ao reter o diploma escolar de um aluno, restou condenada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul a reparação por danos morais, conforme:
Nos termos do art. 6º da Lei nº 9.870/1999, é vedado à instituição de ensino reter documentos escolares por motivo de inadimplemento. Outrossim, o art. 42 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor veda a prática de atos constrangedores e de ameaça, de modo a compelir o consumidor a adimplir com o débito. Dano moral configurado, porque a privação do autor do seu diploma de graduação por mais de três anos acarreta, presumidamente, abalo sensível no elemento anímico do indivíduo. Na mensuração do dano, não havendo no sistema brasileiro critérios fixos e objetivos para tanto, é mister que o Juiz considere aspectos subjetivos dos envolvidos. Assim, características como a condição social, a cultural, a condição financeira, bem como o abalo psíquico suportado, hão de ser ponderadas para a adequada e justa quantificação da cifra reparatório-pedagógica. Indenização minorada. Proveram em parte o Apelo (TJRS - 5ª Câm. Cível; ACi nº 70024909178-Porto Alegre - RS; Rel. Des. Paulo Sergio Scarparo; j. 22/8/2008; v.u.).
Assim, muitas empresas com alto índice de inadimplência, por medo de serem condenadas pela prática de ameaça e coação a indenizar seus devedores, seguem fornecendo seus serviços.
Outrossim, no direito é necessário avaliar a situação fática. Veja-se que a Lei 9.870/99, utilizada para embasar a situação mencionada, possui disposição expressa regulando a matéria, mais precisamente em seu artigo 6º, caput, que assim dispõe:
Art. 6o - São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.
Este é um caso específico, regido por uma norma própria que veda tal prática, sendo, portanto, uma excessão.
A coação, como o próprio nome sugere consiste na ação de coagir. Entende-se quando impõe-se, obriga-se alguém a fazer algo contra sua vontade. Outrossim, juridicamente caracteriza-se a coação com o emprego da violência física ou verbal ou grave ameaça, com o intuito de obter alguma vantagem. Assim elucida o Código de Processo Penal quando trata do assunto:
Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Veja-se que a letra da lei penal é clara quanto à caracterização de tal crime. De tal forma, o exercício regular de um direito não é tipificado como ilícito.
O Código Civil esclarece, in verbis:
Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial.
Trata-se de uma excludente da coação a prática de ato quando se está defendendo seus próprios direitos. Neste momento é possível utilizar o caso de um credor que utiliza-se de sua posição para exigir o cumprimento do dever de pagar. Deixar de entregar um produto ou serviço ou advertir sobre a possibilidade de quebra de contrato ou cobrança judicial não será considerada uma grave ameaça, visto que o intuito é única e exclusivamente exercer direito previsto em lei.
Ainda, por oportuno destacar que quando se está analisando um caso pactuado formalmente, através de um contrato, dever-se-á utilizar como primazia o princípio da autonomia de vontades, conhecido como pacta sunt servanda.
Se no caso concreto existe um contrato entre partes iguais, convencionado livremente entre duas pessoas jurídicas por exemplo, este deverá ser levado como primazia, tendo em vista que terá força de lei entre os contratantes. Assim explica o diploma civilista:
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Havendo um objeto lícito e obedecendo a função social dos contratos, poder-se-á prever em suas cláusulas, por exemplo, que a falta ou insuficiência de pagamento caracteriza afronta suficiente a quebra do contrato, interrupção do serviço ou não entrega de um produto. O Código Civil explica:
Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código
Ainda, o contratante que deixa de cumprir sua obrigação, de realizar o pagamento, por exemplo, descumpre um dever decorrente da boa-fé, princípio norteador e basilar do direito dos contratos, fazendo com que seu inadimplemento frustre a finalidade objetiva do pactuado. Veja-se:
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. (CC)
Considerando um caso de uma empresa contratar outra para que faça uma auditoria, por exemplo, e esta, após realizar o trabalho, condicione a entrega dos laudos ao pagamento pelo serviço prestado, não há como considerar qualquer ilicitude. Trata-se de cobrança legítima, não havendo constrangimento, tão pouco ameaça física ou moral, apenas exercício regular de um direito próprio.
Ex positis é possível concluir que é lícita a quebra de contrato pela inadimplência do contratante, sendo permitido deixar de fornecer o serviço ou bem até que seja paga integralmente a dívida a não ser em casos em que a legislação preveja o contrário.
Vanessa Ferranti - Advogada OAB/RS 108.396