O caso André do Rap e as diferentes faces do STF
- Criado em 14/01/2022 Por Wellington Lima
Tornou-se conhecido de toda população brasileira o caso de André do Rap, líder de facção que foi solto por uma liminar do ministro Marco Aurélio e atualmente encontra-se foragido, sendo apenas um entre tantos outros processos que ao chegar no STF tomou os holofotes da mídia para si, não por sua complexidade, mas pela atuação dos ministros do supremo tribunal federal.
Infelizmente no Brasil, anualmente o supremo atrai a atenção da mídia e da grande parte da população, por sua atuação controversa, superando novelas, telejornais e até mesmo o tradicional futebol brasileiro.
O caso de André do Rap é apenas mais um, dentre tantos outros casos, que nos lembram que hoje, acompanhar STF tornou-se mais interessante do que qualquer outro entretenimento produzido pelas grandes emissoras de televisão.
Para tentar entender a nova “apresentação” do STF é necessário fazer uma pequena linha cronológica dos fatos. Em decisão liminar proferida em 2 de outubro deste ano, o ministro Marco Aurélio (STF), deferiu pedido de soltura de André Oliveira Macedo, conhecido como “André do Rap”. Apenas na manhã do sábado, dia 10, André do Rap deixou a prisão de Presidente Wenceslau (SP), onde se encontrava, tomando rumo incerto e não sabido.
No mesmo sábado, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, no plantão, revogou a referida decisão. A ordem de captura não teve êxito. No dia 15 do mesmo mês, já em Plenário, a Corte referendou a posição do presidente por 9 votos contra 1.
A decisão liminar do ministro Marco Aurélio foi fundamentada no Art. 316, parágrafo único do Código de processo penal.
Artigo 316 (CPP) O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
Parágrafo único, decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.
Este dispositivo foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro no chamado “pacote anticrime” e visa desafogar o sistema carcerário brasileiro, além de assegurar direitos fundamentais dos presos provisórios e acelerar o rito processual.
Pois bem, avaliar o dispositivo penal de forma puramente literal pode ser considerado uma das ações mais perigosas para o sistema jurídico de uma nação, eis o grande problema da decisão liminar proferida pelo ministro Marco Aurélio.
A mencionada decisão adotou a chamada interpretação literal da lei ou filológica. Portanto, dizendo o parágrafo único que a prisão preventiva deve ser revisada a cada 90 dias, uma vez inexistente reexame, coloca-se o preso em liberdade, pouco importando quem é ele e qual o crime cometido (FREITAS, 2020).
Tal comportamento beira a irresponsabilidade, fechando os olhos para as peculiaridades de cada caso, desconsiderando os fatores subjetivos que envolvem cada processo, de igual modo, tal posicionamento ignora as particularidades de cada custodiado, como personalidade, reincidência, motivação do crime imputado ao mesmo, modus operandi e todas as outras características únicas e específicas de cada caso.
O próprio supremo tribunal federal rechaçou o entendimento do ministro Marco Aurélio, “a inobservância do prazo nonagesimal do art. 316 do Código de Processo Penal não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.” (MC da SL 1.395/SP julgado em 15/10/2020, Plenário)
O entendimento do ministro Marco Aurélio, ainda que impopular, mas cercado de boas intenções, carece do bom senso, como tantas outras ações dos legisladores e magistrados.
Podemos citar como exemplo o juiz de garantias, que embora seja um grande salto para o sistema jurídico brasileiro, é tecnicamente impossível executá-lo em todas as comarcas do país, de igual modo, soltar todos os presos provisórios ao cabo de 91 dias sem reanálise de suas prisões é cenário inimaginável, irreal e impossível nas grandes comarcas do judiciário, as quais para cada servidor há um número irreal de processos.
Tal decisão liminar, essencialmente alinhada com a letra da lei, é uma surpresa para quem acompanha os posicionamentos do ministro Marco Aurélio, conforme anuário da Justiça 2020, organizado pela editora CONJUR, o ministro é o maior adepto ao “espírito da lei” em detrimento de pensamentos essencialmente alinhados com a “letra da lei” dentre os ministros em atividade.
É certo que a confusão acerca do Art. 316, parágrafo único do Código de Processo Penal não irá ser pacificada pelo Supremo tão cedo, resta saber quantos outros líderes de facções criminosas serão libertados por posicionamentos isolados e distorcidos da realidade do país.
Enquanto isso, esperamos que o presente artigo não se torne alvo de um suposto inquérito presidido por alguma excelência da suprema corte brasileira.
Referências:
BALDISSERA, Rafaela Dos Reis. Caso André do Rap, Supremo e o vazio deixado no § único do art. 316 do CPP. Publicado em: 10 de Nov. de 2020. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/caso-andre-do-rap-supremoeo-vazio-deixado-no-§-único-do-art-316/. Acessado em: 16 de Nov. de 2020.
CARDOSO, Maurício. Retrato em azul e vermelho: um mapa das tendências jurídicas dos ministros do STF. Publicado em: 11 de Ago. de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-ago-11/mapa-tendencias-juridicas-ministros-supremo. Acessado em: 16 de Nov. de 2020.
FREITAS, Vladimir Passos de. A soltura de "André do rap" vai além do artigo 316 do CPP. Publicado em: 18 de Out. de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-out-18/segunda-leitura-soltura-andre-rap-alem-artigo-386-cpp Acessado em 16 de Nov. de 2020.