O cachorro pode ser testemunha em um processo judicial ?
- Criado em 01/10/2020 Por Nícolas Rodrigues Pereira
Hoje venho trazer para vocês essa história engraçada porém de grande aprendizado.A pergunta parece ser de fácil resposta, a maioria irá dizer ´´Claro que não ´´, porém trago esta história verdadeira em que um Juiz de Direito com sua preocupação em solucionar o caso e através da busca pela verdade real, não mediu esforços para realizar uma diligência que foi fundamental para prolação de sua sentença.
O Reclamante dizia ter trabalhado por dois anos no sítio Ribeirão Vermelho.
A Reclamada, uma professora, negou a prestação de serviços.
Em audiência, disse que conheceu o Reclamante no átrio do fórum:
- Onde já se viu uma coisa dessas, doutor?
Na audiência, o Reclamante trouxe declarações que davam viabilidade a que se reconhecesse que, se ele não trabalhara, sabia bastante sobre o sítio e sobre a vida familiar da Reclamada, o que tornava a alegação de desconhecimento cabal pouco provável.
Não havia testemunha; a convidada pelo Autor deu o cano. A Ré nadava de braçadas, processualmente falando.
Resolvi fazer inspeção judicial. Fomos ao Sítio Ribeirão Vermelho.
O plano era encontrar o irmão da Reclamada e buscar informações sobre o caso. A tese do “nunca vi mais gordo” era inverossímil.
Chegamos lá e o irmão não estava. O Reclamante estava seguro do que dizia. A Reclamada se acomodava na tese do “nem conheço”.
Um cachorro na coleira; perguntei o nome ao Reclamante. Ele disse:
- Esse é o Leão.
Foi chegando perto e mudou a versão:
Não, não. Não é o Leão, doutor.
Papo vai, papo vem, assunto aqui, com o Reclamante, assunto ali, com a Reclamada, e vi um cachorro dormindo, a uns vinte metros.
Perguntei ao Reclamante:
- Qual é o nome daquele cachorro, seu moço?
- Ah, doutor... aquele é o Rajão, com certeza!
- Então chama ele!
- Rajão! - disse o Reclamante.
O cachorro levantou as orelhas, abriu os olhos... ato contínuo levantou-se e foi correndo em direção ao Reclamante, uma festa só.
Se a Reclamada jurava que nunca conhecera o Reclamante, e que ele nunca pisara no sítio, Rajão dizia o contrário: o Recla- mante, quando menos, era um habitué no pedaço.
Tive segurança - certeza inequívoca - de que o Reclamante, ou trabalhara no Ribeirão Vermelho, ou pelo menos tivera vivência no lugar.
Mais uns minutos e chega o irmão da Reclamada, vindo da cidade com a lavagem para os animais do sítio. Conversa dura, o irmão entra em contradição. Primeiro, vai na linha da dona do sítio, e diz que nunca vira o reclamante. Depois diz que o conhecia da cidade, só isso.
- Ele nunca pisou aqui, doutor, nunquinha...
Aí contei da reação de Rajão ao ser chamado pelo reclamante. Então o irmão sentiu o golpe, desconcertou-se. Mais um pouco de conversa e ele entregou tudo:
- O Reclamante trabalhou aqui, doutor. Recebia salário, sim. O dinheiro saía das minhas mãos ou das mãos da minha irmã. Era eu quem trazia comida para ele. Ele morava naquele cômodo ali; água ele bebia do corgo - a mesma água servida ao Rajão.
Não fosse o Rajão e a história seria outra. Devo ao Rajão a oportunidade de não ter cometido um erro judiciário.
* Juiz do Trabalho titular da VT de Cajuru, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
Caroline Francescato
AdvogadoRe: Nícolas Rodrigues Pereira
Advogado