Inclusão do sobrenome do bisavô ou bisavó
- Criado em 07/08/2020 Por RatsboneMagri Advogados
A inclusão do sobrenome do bisavô ou bisavó se trata de uma temática relevante e bastante discutida nos Tribunais, visto que o sobrenome identifica o grupo familiar da pessoa, extraindo-se da ancestralidade paterna ou materna, consoante à vontade do requerente em homenagear seu familiar enquanto em vida ou após o seu falecimento. Sua significativa expressão de demonstração do sentimento de afetividade é sem sombra de dúvidas uma das maneira mais genuínas do bisneto(a) descendente promover a manutenção do nome familiar dentre a sua geração e às gerações futuras.
Deve-se ressaltar que não obstante as demais situações em que se requer a retificação do nome civil, prepondera-se o princípio da imutabilidade do nome, principio este norteador que visa proteger o nome do indivíduo. A Lei 6.015 de 1973 traz consigo em seu artigo 56 um rol taxativo identificando as possibilidades de modificação do nome civil, todavia a doutrina e a jurisprudência pátria já vêm admitido a possibilidade da flexibilização deste princípio, congruente a interpretação da melhor decisão a ser aplicada com a avaliação de cada caso concreto.
O Código Civil é assertivo ao apontar em seu artigo 16 que todos têm direito ao nome, nele compreendido o nome e o sobrenome. Já a Lei de Registros Públicos (Lei 16.015 de 1973) estabelece em seu artigo 54, § 4º, que o assento de nascimento deverá conter o nome e o prenome, que forem postos à criança. O artigo 55 da mesma lei determina que se “o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e, na falta o da mãe...”
Ausência da lei e a aplicação dos costumes nas decisões judiciais
Percebe-se então que as nossas leis não impõem uma restrição quanto o número de sobrenomes nem impõem obrigatoriedade quanto a sua ordem.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald lecionam que os costumes “são as práticas longevas, uniformes e gerais, constantes da repetição geral de comportamentos, que, pela reiteração, passam a indicar um modo de proceder em determinado meio social. É a norma criada e afirmada pelo uso social, de maneira espontânea, sem a intervenção legislativa.” (Curso de Direito Civil, 1, Parte Geral e LINDB, Atlas, 2015, p. 82).
Assim, vale destacar que na ausência de lei específica, havendo, desta feita, a omissão da lei, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito como determina o artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto Lei n. 4.657/42). Contudo, a Lei de Registros Públicos assevera em seu artigo 56 que é permitida a alteração do nome com a ressalva de que a alteração não pode prejudicar os demais apelidos da família, preservando-se dessa forma a originalidade do nome ainda que incluso o sobrenome do bisavô ou da bisavó.
Entendimento dos Tribunais
Isso significa que ainda que o requerente queira mesclar os nomes de família visando resgatar a história da família do bisavô ou bisavó não deve desnaturar a composição do nome de seu bisavô, resgatando-o de maneira que mantenha integralmente o nome que era adotado pelo de cujus. Neste sentido que decidiu em julgamento recente a 4º Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios na Apelação Cível (nº 0011668-58.2017.8.07.0015), indeferindo o recurso pois não foi encontrado motivo juridicamente plausível para a retificação do sobrenome pois alterava a composição do nome do bisavô.
Segundo Reinaldo Velloso dos Santos: “Na composição do sobrenome, pode ser adotado apenas o sobrenome do pai ou o da mãe; pode haver a mescla de sobrenomes da mãe e do pai, ou até mesmo de avós, ainda que não integrem o nome dos pais. A liberdade de composição do sobrenome se estende à ordem dos sobrenomes, podendo constar primeiramente o do pai ou o da mãe. Apenas não é possível a inclusão de sobrenome que não tenha origem no nome de nenhum dos ancestrais do registrando ou a grafia do sobrenome de forma diferente. (Introdução ao Registro Civil das Pessoas Naturais, in Introdução ao Direito Notarial e Registral, IRIB, SafE, 2004, p. 51).
Devido a sua importância perante a sociedade, os Tribunais vêm entendendo que o nome não pode ser alterado indiscriminadamente, senão por motivo juridicamente ponderável, ou seja, deve ser considerada a segurança jurídica e a estabilidade das relações jurídicas, especialmente quanto ao patronímico.
Assim fixou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 1.721.829/DF ao julgar que se o autor da demanda identifica amplamente o seu grupo familiar, não há fundamento para a inclusão de mais um patronímico materno a pretexto de homenagear e resgatar sua ancestralidade.
Vale destacar que no entendimento do STJ foi apontado que “é indispensável a demonstração de justo motivo para a inclusão de sobrenome de linhagem do genitor, que não adota o patronímico que deseja registrar ao nome de filho, a fim de prestar homenagem a parente, no caso, ao bisavô paterno do menor. No caso concreto, a ancestralidade da criança foi preservada, pois foram acrescidos os sobrenomes do pai e da mãe ao filho do ex-casal.”
Em suma, torna-se ilógico que o nome da pessoa contemple o patronímico de todos os seus ascendentes, inclusos sobrenomes avoengos, dos bisavós, e por aí sucessivamente. Devido a intervenção da lei ou mesmo com o passar das gerações, torna-se natural que certos sobrenomes fiquem cristalizados ao longo do tempo, não sendo permitida sua adoção para as gerações vindouras, ainda que esteja presente a ancestralidade.
Entretanto, cumpre destacar que os entendimentos são diversos, valorando-se caso a caso para que o magistrado possa determinar se há ou não justa causa na retificação com a inclusão do sobrenome do bisavô ou bisavó. Se no caso concreto não trouxer qualquer prejuízo aos apelidos da família, buscando crescimento dos sobrenomes dos ancestrais e sem a exclusão de nenhum outro, torna-se legítima a retificação do sobrenome com a inclusão do sobrenome dos bisavós.
Foi assim que entendeu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na Apelação Cível n. 70075714279, provendo pela possibilidade de inclusão do sobrenome dos bisavós paternos. Foram mantidos os patronímicos dos genitores e não foi vista intenção fraudulenta, comportando desta forma a inclusão dos sobrenomes dos bisavós paternos, sendo o caso de relativização do princípio da imutabilidade do nome.
No caso em questão, já constavam os sobrenomes dos avôs paterno e materno, buscando o apelante a retificação do seu registro civil a fim de que fossem incluídos os sobrenomes oriundos da linhagem dos bisavós paternos. O colendo Tribunal decidiu que “embora seja a regra a imutabilidade, não se justifica a adoção de um rigorismo absoluto e sem sentido prático, já que a pretensão aqui esposada, de simples acréscimo de sobrenomes de ascendentes da linhagem paterna, ao cabo, visa facilitar a identificação com o grupo familiar, justamente uma das razões de ser dos registros”. Tal decisão se pautou na efetivação da paz social.