Direito Real sobre coisas alheias
- Criado em 20/02/2021 Por Alfredo Cabral de Melo Ferreira
Pode ser que os nobres colegas não vejam relevância neste assunto que abaixo abordo, mas ele atingi mais de cinco milhões de pessoas e vem, desde de sua criação em 1537, passando por instâncias judiciais e políticas, tendo sua última discussão ocorrida no TRF da 5º Região.
A seguir, não trás o texto completo, mas compilado, pois seria um livro, se o aqui expusesse, espero que nós, operadores do direito, possamos analisar de forma legalista e tecer os comentários para futuros debates.
Em nossa história, bem como em nosso ordenamento jurídico, o Foral de Olinda é documento mais antigo em vigência em nosso ordenamento pátrio, com repercussões atuais, mas antes de iniciar o texto se faz necessário realizar um comentário acerca da Carta de Doação e Carta Foral..
As duas cartas são documentos distintos, mas que se completam, a Carta de Doação nada mais é do que uma carta de concessão dos direitos administrativos, nela a Coroa Portuguesa concedia ao donatário uma capitania hereditária, onde estabelecia os limites geográficos e proibia o comércio de suas terras, sendo possível apenas através da hereditariedade, estabelecendo assim o direito a propriedade, o seu caráter hereditário e o direito do rei de Portugal (condição de posse).
Para Coroa, o que realmente tinha importância eram os forais, pois os mesmos serviam de instrumentos geradores de receita para a metrópole.
Nas Cartas Forais eram estabelecidas as obrigações do donatário de povoar a Capitania, criar vilas, direito de doar sesmarias, entre outros (indicavam seus direitos e seus deveres).
Com a necessidade imediata de gerar recursos, organizar a povoação, provir às terras recebidas, entre outros, surgem os forais.
Numa definição simples ou preliminar, podemos dizer que uma Carta Foral era um diploma concedido pelo rei, ou por um senhor laico ou eclesiástico, à determinada terra, contendo normas que disciplinam as relações dos povoadores e destes com a entidade outorgante. (Dicionário de História de Portugal – Joel Serrão).
Já para Flávia Lages de Castro, as Cartas Forais eram importantes documentos jurídicos tendo em vista que delimitavam e indicavam poderes e deveres. Entre alguns conceitos que tratavam os Forais podemos dizer:
- Liberdade e garantia das pessoas e bens da terra;
- Impostos;
- Sanções para delitos e contravenções;
- Imunidades;
- Formas de detenções.
Sendo chamados também de “Cartas de privilégio” - concessões de privilégios feitas pelo rei a determinadas localidades por serviços prestados em guerras, por exemplo.
Os forais eram feitos em três cópias sendo enviados para a Torre do Tombo (Portugal), aos donatários (para exercerem) e a última para edilidade (Câmara de vereadores, ou Concelhos).
Os Forais também eram divididos em três tipos, conforme seu alcance e conteúdo:
- Cartas de Povoação – tratava da ocupação territorial
- Foro Breve – indicava a conduta moral
- Foro extenso – documentos mais pormenorizados
O Foral de Olinda
O foral de Olinda é (pois está vigente) uma carta de doação de terras para a Câmara da cidade criando sua Vila/Concelho, dada pelo seu donatário, Duarte Coelho em 1537, com o objetivo de povoar e arrecadar receita para a terra. Sua extensão vai além do espaço físico da cidade/vila de Olinda, ele se estende pelo Recife, Jaboatão dos Guararapes, Ipojuca, Cabo de santo Agostinho, entre outras localidades. Este foral se diferencia dos demais, pois nele não se encontram os elementos chaves de um foral comum, tais como:
- As normais judiciais e penais
- As diretrizes fiscais
- Limites da jurisdição das vilas
O seu texto era bem específico e relatava a respeito da criação do povoado em Vila, onde estabeleceu um grande patrimônio ao Concelho.
Além dos vários acontecimentos ocorridos ao longo da história, aonde o mesmo ia sendo ratificado no decorrer do tempo, chegando até os dias atuais, legitimado e vigente.
Não podemos aqui entender o Foral como um imposto, pois como o próprio nome diz, é um foro. E como tal, tem regras estabelecidas no seu próprio texto.
Deixando um pouco o lado histórico e entrando no lado prático analisemos o Foral de Olinda no âmbito jurídico, pois ainda hoje se discuti a legitimidade da cobrança por parte da cidade de Olinda deste foro, que estabelece o percentual de 0,2% do valor do imóvel de forma vitalícia, existindo outras possibilidades de cobrança/quitação do débito:
Pagamento anual – 0,2%
Quitação através de indenização a Prefeitura de Olinda – 4,5%
Alguns acham que se trata de um imposto, mas não é!
Os Foros são receitas originárias, ou seja, são rendimentos que o Governo aufere através dos seus próprios recursos, por isso não podemos considerá-las como tributos, pois tributos são receitas derivadas. Importante frisar que não estão sujeitos às normas do Código Tributário Nacional.
O fato é que um título de aquisição não perde sua eficácia por ser antigo. Lembremos que o ato jurídico perfeito é intangível, salvo por força de norma constitucional originária, de modo que o Foral de Olinda vai se perpetuando, a não ser para quem resgate o contrato de aforamento, uma alternativa dada a quem é foreiro.
O Foral de Olinda está assegurado ainda hoje com base em três princípios jurídicos:
- Ato Jurídico Perfeito – para Caio Mário da Silva Pereira “é o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. É o ato plenamente constituído, cujos efeitos se esgotaram na pendência da lei sob cujo império se realizou, e que fica a cavaleiro da lei nova”.
- A Coisa Julgada – para Deocleciano Torriere “é quando a sentença judicial se torna irrecorrível, ou seja, não admite mais a interposição de qualquer recurso”.
- Direito Adquirido – para Vinícius Ongaratto “é o direito que seu titular pode exercer, ou alguém por ele. Vantagem jurídica, líquida, lícita e concreta que alguém adquire de acordo com a lei vigente na ocasião e incorpora definitivamente, sem contestação, ao seu patrimônio”.
Uma informação de suma importância é no que tange o art. 5º, XXXVI, da nossa Constituição Federal, que diz: a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Com base em tudo que foi externado, podemos sim afirmar que a Carta Foral de Olinda, se encontra em todo o seu gozo, em face de preencher todos os preceitos exigidos por Lei. A Prefeitura de Olinda, na qualidade senhorial, ou seja, proprietária e administradora do patrimônio da antiga Vila são asseguradas pelo direito à propriedade, pela irretroatividade das leis e como dita acima amparada pelos três alicerces jurídicos básicos: Ato jurídico perfeito, direito adquirido e a coisa julgada.
Teríamos como continuar um trabalho bem mais amplo e rico, pois o assunto é muito complexo e envolve diversos ramos do Direito e nos da condições de realizar um trabalho muito mais detalhado, afinal é o único documento jurídico, vigente da época do Brasil Colônia, totalmente amparado e protegido pela legislação atual. Onde já existe casos de quitação da indenização a cidade de Olinda, como podemos citar o ex-governador do estado de Pernambuco, Roberto Magalhães, que quitou seu débito junto a citada prefeitura.
É importante ressaltar que as informações escritas acima, possa ter cunho histórico, mas é bem mais amplo e para o direito imobiliário e o registro cartorial é uma fonte importantíssima no que tange a sua importância e acima de tudo a sua validade, pois pode servis de jurisprudência para futuros litígios.
Desde já peço desculpas a todos que se considerar que fugir do tema, mas acredito que tenha trazido uma pequena contribuição dos primórdios da posse e propriedade imobiliária no Brasil.